terça-feira, 5 de agosto de 2008

sobre o nosso diário de campo

Sob a égide do deus fascista Sol, viviam alguns tais aldeões. Esta era uma sociedade interessante onde todo trabalho era dividido em uma hierarquia rígida sobre a qual o deus Sol habitava o cume. Era a ele que as pessoas respondiam, porém eram respostas objetivas circunscritas nos limites da sua função específica. Não havia encontro muito menos diálogo, todos cumpriam as ordens cabisbaixos, no entanto redutíveis por não conhecerem tipo outro de experiência. Até que um dia, ao sabor do acaso, pela manhã, não se fez manhã e a noite perdurou dias. Sem um guia, líder, administrador/ditador que lhes dissesse o que fazer, como e quando e o que era ou não permitido, desataram a conversar entre si, inventar estratégias e fazer política. Definiram tarefas para a sobrevivência do grupo e a indicação sobre o que cada um faria. Dialogando, criaram nos arredores da aldeia uma espécie de diário sobre os fazeres cotidianos e ali residia uma potência que não aquela dos registros mudos e surdos, mas das vozes que faziam vibrar outros corpos dos que por ali passavam e liam. Corpos que por sua vez também falavam sobre o que reverberava, assim como possibilitava o encontro do outro com o que lhe é estranho através de seus enunciados. Munidos de voz, cada qual, em diferentes tons, carregava a força de produção da novidade no outro, mesmo se esta se restringia ao silêncio. O fim da centralidade do deus Sol possibilitara aos aldeões a voz e em conseqüência o encontro.

3 comentários:

Kleber disse...

As vezes a gente demora a dormir e não percebe que isso se faz, pela necessidade de fazer algo. As vezes a gente percebe essa necessidade. Ela é a vontade que precisa ganhar sentido. O sono é inimigo da vontade. Pelo jeito, nessa madrugada, a vontade do João falou. Bonito texto. Abraço!

Lázaro disse...

cara, não me ocorre nda pra por aqui, mas acredito que o silencio tambem fala. Lindo texto Joao.

Mairla disse...

recado dado, e entendido.
bem bonito mesmo.
beijo