quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Implicações na pesquisa antropológica por Auge

RESENHA Não Lugares – Marc Auge

O Próximo e o Distante

O estudo de espaços tem sempre uma gama de fatores relevantes e complexos que fazem jus a diversidade do que os constrói. Pensando na pesquisa de lugares, Auge afirma que a etnologia testemunha os fatos diretamente na atualidade, entrando em contato com a enunciação e o enunciante. De outro modo, o antropólogo recorre aos testemunhos dos etnólogos e apesar do interesse pela história não é um historiador.

Na inserção no campo da feira há o contato com uma diversidade de elementos do cotidiano desse lugar que não se refere a uma enunciação contínua, mas descontínua com múltiplos enunciantes, por isso a variabilidade de informações a serem captadas.

Existe para Auge a etnologia do próximo que guarda uma dupla questão: saber se tem a mesma sofisticação, complexidade, conceitualização que a das sociedades distantes; saber se os fatos, as instituições, os modos de reagrupamento e circulação específicos do mundo contemporâneo são passíveis de um olhar antropológico. Existem uma enorme quantidade de elementos de interação, além de todas as formas institucionais pelas quais é preciso passar para apreender a vida social. Realmente os desafios são muitos ao interagir com um espaço relativamente novo, estranho ao pesquisador, onde diversos fatores podem colaborar ou atrapalhar na investigação/observação do lugar, como fatores climáticos, emocional, relacional, entre outros.

No entanto, é essencial não confundir a questão do método com a do objeto (não entendi como se confundi e no que essa confusão repercute). A investigação etnológica envolve os aspectos do método (contato efetivo com interlocutores) e representatividade do grupo (falam de quem não vemos). O objeto da antropologia se refere a capacidade de generalização, elaborando hipóteses gerais a partir de inspirações particulares. Essa generalização diz respeito ao método, não ao objeto. Mas a questão do método não poderia ser confundida com a do objeto, pois o objeto da antropologia não faz descrição exaustiva.

Vale a pena distinguir método e objeto afim de se ter clareza ao o que se pretende estudar, o que ou quem se pretende entrar em contato, para finalmente saber “como abordar”, o que podemos afirmar sendo este “como abordar” o método. Poder distinguir método e objeto demonstre a riqueza do trabalho de pesquisa, a partir do momento que se descreve os desafios enfrentados, as dúvidas, percalços, questões, tudo que relate a autenticamente o estudo.

De acordo com Auge, o etnólogo de campo tem uma atividade de agrimensor social, pois trabalha sobre o presente e produz um universo significativo. Para tanto, a preocupação do etnólogo passa pela história, bem como pela antropologia ao situar o objeto de pesquisa e avaliar sua representatividade qualitativa. É uma preocupação diferente dos historiadores da micro-história que, além de questionar a representatividade dos casos que analisam, recorrem a pistas, indícios. O etnólogo tem a vantagem de trabalhar com o presente, pois parece ter mais meios de ver mais longe do que imagina. Por isso que ao estudar um campo como a feira, há o momento de observar os fatos que ocorrem no momento e situá-los como tal, mas o mesmo tempo investigar a história do lugar e a cultura que ele carrega.

Uma questão importante a respeito da contemporaneidade não é saber como se pesquisar um grande conjunto, mas saber se há aspectos da vida social contemporânea originado de uma investigação antropológica, mais especificamente que observam o distante. Nesse caso convém chamar a atenção para a precedência do objeto muitas vezes levantada por esse tipo de investigação, mas que não se encaixa com a atualidade. Isso porque são muitos os centros de interesse que surgem ou mudam, fazendo com que não seja possível um efeito cumulativo. Não se trata de evolução (interpretação minha da última frase).

Compara-se esse interesse em buscar novos objetos com as ciências da vida e ciências da vida social, que muitas vezes podem mudar os modos de agrupamento e hierarquização ou complicar os objetos que inicialmente trabalhavam. De qualquer forma, abordar novos campos reflete mais a uma curiosidade do que a uma necessidade.

Auge tentando compreender a complexidade que compõe os espaços explica que na pesquisa antropológica existem duas ocorrências que devem ser levadas em consideração. Uma é a Questão do Outro, que se refere a aquilo que se pesquisa, ao que aparece na história e se distingue do presente, tendo vários sentidos.

A antropologia aborda todo tipo de “outro” – outro exótico, outro dos outros, outro étnico ou cultural, outro social, outro interior, outro íntimo. Este outro íntimo corresponde a uma individualidade absoluta, onde se apreende a uma alteridade complementar. Demonstra-se, então, uma relação entre uma individualidade individual e coletiva. Pode-se afirmar, para o autor, que se a antropologia se interessa pela representação do indivíduo não é só por ser uma construção social, mas por ser uma representação do vínculo social. “O social começa com o indivíduo e o indivíduo depende do olhar etnológico”.

Então, ao tratar de um grupo de pessoas, estaria se estudando não só a vida individual desses personagens, como a história de vida de cada um e da coletividade. Junto a essa história coletiva se resgata também a modo como essas pessoas se relacionam, o que construíram juntas, o que existe entre elas, o que as faz continuarem juntas. Na feira é possível pensar porque feirantes e compradores continuam a se encontrar semanalmente, como convivem juntos, porque continuam ali naquele ambiente. Todo esse entendimento produz uma representação do modo de ser nesse lugar que é peculiar, individual.

Sobre individualidade, Marcel Mauss afirma que é representação da cultura ou padrão de uma sociedade. No estudo da totalidade, da análise do fato social total, esse autor acredita que a experiência é duplamente concreta, quando localizada no espaço-tempo, bem como num indivíduo qualquer, que ao mesmo tempo se identifica numa sociedade na qual ele expressa.

Nesse sentido, a concepção de cultura e individualidade são consideradas como expressões recíprocas, que aparentam uma trivialidade, um lugar comum. Porém, desconfia-se das individualidades demonstradas estatisticamente, absolutas, simples, substanciais. Nem culturas, nem identidades constituem totalidades acabadas, pois só se exprimem sua totalidade de certo ângulo.

No que tange os objetos de pesquisa, não precisa considerar todas as implicações lógicas que os constituem, mas há objetos que consideram as transformações, mudanças, distanciamentos, iniciativas e transgressões. No final faz contas, a pesquisa antropológica tem por objetivo interpretar a interpretação que outros fazem de outros nas diversas circunstancias.

Outro ponto ressaltado por Auge sobre a pesquisa antropológica é a questão do mundo contemporâneo a qual se refere às transformações aceleradas no mundo, o que repercute numa reflexão renovada e metódica sobre a categoria de alteridade, ou melhor dizendo, a diferença, a mudança. Essa visão difere de uma ideia comum da antropologia que parece se voltar a horizontes mais familiares. É possível chamar a esse conjunto de transformações de “supermodernidade”. Quanto a essas grandes transformações no mundo, observam-se três figuras de excesso.


A primeira se chama Superabundância Factual que trata da questão do tempo, o uso que se faz dele, de como a ideia de progresso parece defasada, afinal os fatos acontecem e quando menos se espera já passou. Esse movimento traz o fim das grandes narrativas, dos grandes sistemas de interpretação, o que coloca em dúvida o fato da história ser portadora de sentido.


Há, então, uma dificuldade de fazer do tempo um princípio de inteligibilidade e de identidade (dar alguma definição, fechamento). Demostra-se que vem ocorrendo o desaparecimento de referências, dos grandes temas, do que aparece publicamente, do que parece universal, mas que vem de uma verdade particular. Isso se deve a aceleração da história, da multiplicação de acontecimentos, a superabundância de informações. Os historiadores consideram os acontecimentos um problema e preferem a história como um pleonasmo entre um antes e um depois.


Essa nova dinâmica da história, de inúmeros acontecimentos, repercute em crises latentes que afetam na vida política, social e econômica que faz sentir a necessidade diária de dar sentido ao mundo, ao presente, ao excesso (superinvestimento de sentido). O tempo, que passa a estar sobrecarregado de acontecimentos, provoca uma necessidade maior de dar sentido. Percebe-se uma dificuldade de pensar sobre o tempo devido a essa superabundância factual, também de pensar o presente por não se compreender o passado próximo.


Outra figura de excesso é a Superabundância espacial que se caracteriza pelo excesso de espaço, “encolhimento do planeta”, resultado de mudanças de escala, pelas inovações tecnológicas que promoveram a conquista espacial, a invenção de meios de transporte rápidos. Tudo isso faz com que haja uma visão instantânea ou simultânea do acontecimento.


Esse excesso de espaço ou superabundância espacial faz com que se produza diversos universos simbólicos que se substituem, são parcialmente fictícios, fechados e trazem antes um meio de reconhecimento do que conhecimento. Cada universo constitui um signo composto por códigos que constroem espaços significantes, totalidades plenas, que constituem sociedades identificadas com culturas concebidas como universo de sentido dos quais indivíduos ou grupos são apenas expressões que se definem pelos mesmos processos de interpretação. Essa concepção ideológica é que existe entre a maioria dos etnólogos, mas que a supermodernidade desmancha.


Todas essas mudanças da modernidade – de mudanças de escala, multiplicação de referencias e aceleração dos meios de transportes – faz com que surjam, principalmente nas grandes concentrações urbanas, a multiplicação daquilo que Auge chama de “não-lugar” que se opõe a noção sociológica de lugar que está associada a uma cultura localizada no tempo/espaço. Os não-lugares são instalações necessárias a circulação acelerada de pessoas e bens, entre elas os meios de transporte e centros comerciais. Percebe-se um aspecto paradoxal da unidade do espaço terrestre e o clamor de particularismos.


Percebe-se os deslocamentos dos parâmetros provocados pelas superadundâncias factual e espacial trazem dificuldades da mesma ordem tanto para os historiadores como para a pesquisa antropológica. Tem que aproveitar da experiência distante de descentrar o olhar para melhor observar e compreender o mundo da supermodernidade que ainda não se conseguiu aprender a olhar.


Por fim, a figura da Individualização das referências que diz respeito de uma tendência da sociedade moderna da interpretação de por si e para si as informações que se apreende, produzir expressões particulares, uma individualização dos procedimentos.


As histórias individuais são mais explicitadas na história coletiva, ao mesmo tempo, há uma grande flutuação dos pontos de identificação coletiva. Auge afirma que a produção individual de sentido é mais do que necessária (Por que é necessária?), e que é transmitido por todo um aparelho publicitário e linhagem política, onde uma das ideias principais é das liberdades individuais. Poderia se caracterizar as antropologias como sistemas de representação nos quais são informadas as categorias da identidade e da alteridade.


Levanta-se a questão: como pensar em situar o indivíduo? Como pensar nisso diante de tantas opressões globais as quais o indivíduo sofre na sociedade moderna, principalmente na área urbana? Indaga-se, nesse sentido, ora a uma multiplicidade dos indivíduos médios, ora a média dos indivíduos.


Freud acreditava que era possível tornar a si mesmo como objeto de um processo reflexivo, de observar em si mesmo os mecanismos e efeitos da alienação. Essa é uma prática da auto-análise. Para os antropólogos, a questão remeteria a considerar a subjetividade daqueles que observam, daquele que se estuda, uma tentativa de etno-auto-análise. A individualização das referências leva a se prestar atenção nas singularidades de toda ordem, mas que se contrapõe paradoxalmente a aceleração e redução rápida processos de relacionamento a expressões homogêneas.



As condições de realização de uma antropologia contemporânea, para Auge, deve ser deslocada do método para o objeto (Não entendi porque essa afirmação). Deve-se estar atento às mudanças que afetaram as grandes categorias por meio dos quais os homens pensam a sua identidade e suas relações recíprocas. As três figuras de excesso pelas quais se tentou caracterizar a situação da supermodernidade (superabundância factual, superabundância espacial e individualização das referências) permitem apreender as mudanças sem ignorar as complexidades, as contradições e inultrapassável.