quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

diário de bordo 19/12/2008

Era uma sexta que teria de ser diferente da passada. Acabou sendo, em parte, mas não como planejado. Combinado era irmos, eu e o João, juntos novamente às 8 horas da manhã, pois o pessoal já conhecido nosso começava a estranhar e perguntar por que não íamos mais juntos. Nessa sexta mesmo, Finha perguntou pelo Joãozinho se ele apareceria ou se ia descontar da sexta anterior que eu tinha o deixado ir sozinho.

A mesma pergunta foi feita pela Nininha e seu Joselito e fazendo o comentário de que a gente só podia está brigado. Eu dei uma risada e disse que não, que só estávamos nos desencontrando e que os estudos estavam atrapalhando nossos horários.

Pois bem, seria eu sozinha naquela sexta. Sentei-me logo na sombra e quando percebi já estava gritando o preço da manga (5 por 1 real!!) para os fregueses que Finha não conseguia dar conta. Fui pegando logo uma sacola e fui socorrida por ela devido a minha falta de costume como feirante. Dei o dinheiro a ela e logo fui pegando outra sacola pra ajudá-la a colocar a jaca dentro.

Ainda assim, ela tava agoniada e deu logo uma bronca no marido e no neto (que hoje tava lá porque já estava de férias), pois eles não a ajudavam, só ficavam ali de cara pra cima vendo o povo perguntar as coisas e sem responder. A mulher ficou tão braba que mandou o marido ir dormir no carro porque ele não ajudava em nada mesmo. Fiquei olhando aquilo com sorriso de canto de boca sem querer me meter muito e sentei-me do lado do neto dela, que descascava a vagem. Bem sonolento, em um ritmo bem diferente do agitado da feira, como se não acontecesse nada ao redor.

Quem ajudava a atender os fregueses de Finha era a Nininha, mas como agora não a deixam mais trabalhar com as coisas no chão, ela tem que ficar subindo e descendo a feira pra conseguir vender alguma coisa. No final das contas perderam as duas: tanto Finha com a ajuda pra vender suas frutas quanto Nininha que antes faturava uns oitenta reais e agora não consegue chegar aos trinta direito. Um prejuízo e tanto.

Aquela região por ali da sorveteria está diferente. O lugar que Nininha ocupava com suas bugigangas agora foi tomado por um carro em que um menino vende dvd’s. Tem também música toda hora e muita gente, muita gente mesmo, comprando. Gente que sai às vezes com 10, 20 em uma sacola. Diz seu Joselito que esse menino vende por encomenda e que tem um pessoal que compra a ele pra revender por aí. E o rapa? – pergunto – não pega mesmo esse meninos? Não – responde – isso tem treta, os fiscais quando estão chegando ligam pra eles e eles saem ligando pra todos os outros e daí sai todo mundo guardando. Sem contar que eles não saem sem nada não. É tanto dinheiro que esses dvd’s dão que eles molham as mãos dos fiscais pra poder vender tranqüilo.

Não foi algo que me impressionou muito não, na verdade nunca duvidei de que o negócio pudesse ser assim mesmo. Apesar de na sexta passada, em que também estava só, enquanto acompanhava um menino que vendia DVD, o fiscal da EMSURB chegou e disse que ia levar tudo. Falou até que se não saísse logo ligava pra policia pra levar a gente. Na hora me vi no bolo sendo levada junto! Foi engraçado que só... Mas também tranqüilo porque sabia que eles não faziam nada, a função é só organizar a feira e fiscalizar.

Escutando os boatos de que a feira não seria ali por causa do Natal, saí andando a procura de alguma informação sobre isso. Parei na senhora dos biscoitinhos, que estava dormindo e acabei a acordando sem querer. Ela me deu um sorriso e perguntou o que eu iria querer. Nisso perguntava se sabia de algo sobre a feira e o natal, se mudaria alguma coisa, logo a do lado se meteu na conversa e disseram que até agora se não falaram nada é porque não mudariam.

E até a hora que fiquei, que foi até o final da manhã, os fiscais da EMSURB não tinham aparecido e assim me disseram que não apareceriam mais porque eles costumam ir cedo. Nisso Nininha, que não é boba, deixou o carrinho dela de bugigangas do lado da banca de Finha e dali gritava seus produtos e ficava de olho quem chegava próximo. Falei que dava até pra ela ficar daquele jeito, que se os fiscais chegassem, dizia que tinha parado pra descansar e que estava andando pela feira. Ela me respondeu que ia fazer isso mesmo ou então que nem a mulher das melancias na frente, que quando “os homens” iam embora, ela estirava o pano de novo e pronto.
Disse que precisava ir embora. Desejei boa feira e recebi um feliz natal. Não costumo desejar bom natal, mas o fiz assim mesmo.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Despercebidos

Depois de várias sextas que por ali já tinha passado, esse meu último contato com a feira me fez pensar que eu poderia não ter percebido coisas que naquele momento me chamava demasiada atenção. Percebia um espaço, uma amplidão até então não notada. Pensei que poderia ser pela quantidade de gente. E era, em parte. O fato de ter menos gente me proporcionava uma idéia de maior espersão entre os corredores, assim como me permitia perceber lugares que até o determinado momento não havia sido explorado como o fiz.
Pequenas ruas que de tão estreitas eram ofuscadas por barracas posicionadas de uma forma que as bloqueavam vieram à tona. Não só isso, mas um salão de beleza que em dias de grande movimento apenas via a cadeira de seu estabelecimento encontrava-se totalmente visível. Podia ver o cabeleleiro sentado em um banquinho ouvindo atenciosamente um rádio encontrado à sua frente.
Durante essa mesma visita pude perceber um rosto que não me era familiar, e fiquei me perguntando se seria a primeira vez que o via ou se simplesmente não o tinha percebido ainda. Era um senhor de cabelos e longa barba grisalhos, de estatura baixa e olhar vivo. Tinha em sua cabeça um chapéu preto e enquanto mantinha uma das mãos no bolso encostava-se com a outra em uma barraca que vendia carnes. Ele não era o vendedor da barraca nem possuía nenhuma sacola de compras. Será que ele estava ali para observar? Passar o tempo? Não sei!
O cabeleleiro, as ruas, o senhor foram essas as coisas que me chamaram a atenção. O pensamento que ficou em minha cabeça foi: será que vou enxergá-los com os mesmos olhos na próxima sexta?

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Nietzsche, a Genealogia e a História

“A genealogia não se opõe à história como a visão ativa e profunda do filósofo ao olhar de toupeira do cientista; ela se opõe, ao contrário, ao desdobramento meta-histórico das significações ideais e das indefinidas teleologias. Ela se opõe à pesquisa da origem” (Foucault).

Ursprung. Encontramos, em Nietzsche, dois usos do termo. Um, enquanto busca do “aquilo mesmo”, origo da moral e da culpa, da lógica e do conhecimento. Outro, coloca a origem como invenção, artifício, fabricação. Tal distinção torna-se necessária para entendermos o porquê da recusa de Nietzsche à Ursprung, à pesquisa de origem.

O genealogista – com os pés na história e repudiando a metafísica – aprende que, por detrás do véu das coisas não há nenhuma realidade numinosa. Não há nenhuma veritas aeterna, nenhuma essência absoluta, nenhum segredo a ser velado ou desvelado. Melhor dizendo, encara que sua essência foi – tão somente – construída por figuras, forças e atravessamentos outros que nada tem de ver com uma identidade pura a ser encontrada no gênese. Se na teleologia metafísica encontramos – no começo das coisas – a preciosa perfeição duma essência pura e luminosa, na genealogia histórica destrinchamos uma verdade da ordem do discurso.

Fazer genealogia, assim, não é aventurar-se rumo aos tesouros ideais da origem. Ao contrário, é abandonar as formas da metafísica e deter-se no singular, no acidente, no acaso. É demolir os castelos da teleologia e dirigir-se aos bairros mais baixos. É referir-se aos episódios mais simplórios e, sem pudor, apontar as personas envolvidas. Destarte, termos outros – como Herkunft e Entestehung – traduzem muito melhor a atividade genealógica do que a ambivalente Ursprung.

Entendemos Herkunft como a “proveniência”. Não a já gasta pertença ao grupo, ao sangue, à tradição. Não falamos, aqui, de reencontrar nos indivíduos, em suas idéias ou em seus ideais traços duma categoria maior que permita classificá-lo junto a outros, mas sim numa desconstrução de si, no desembaraçamento da rede de marcas que se nos entrecruzam. A Herkunft não funda conhecimentos. A proposta da pesquisa da proveniência é – justamente – agitar, fragmentar, mostrar a diferença no que se julgava uniforme. Verdadeira análise da articulação corpo-história, visto que é no corpo que se dão os desejos e as quedas, os movimentos e os desfalecimentos. Corpo atado e desatado, marcado e arruinado de história.

Entestehung, designamos como “emergência”. Ponto de surgimento. A metafísica acredita numa destinação escatológica que busca, desde a origem dos tempos, desde o surgimento das coisas, vir à tona. Na genealogia, entretanto, trazemos à luz os sistemas de submissão, o jogo das dominações, o lugar de afrontamento. Conceitos como liberdade, diferença de valores, lógica ou mesmo a Verdade tiveram o seu nascimento na história. História, esta, de homens contra homens, classes contra classes, dominantes contra dominados. É da guerra, do conflito, do combate que nascem as regras do jogo, que vêm para fundar – e não findar! – a violência. O grande jogo da história é, vemos aqui, aprender tais regras e utilizá-las contra aqueles que as tinham imposto. Interpretar deixa de ser buscar a realidade oculta da origem e passa a ser apoderar-se das regras do jogo – que, vale lembrar, não possuem significação em si – e moldá-las numa nova regra, num novo jogo.

A história teleológica – história atemporal – a tudo julga com uma pretensa objetividade, rumo à verdade eterna, à alma imortal, à consciência imutável. O genealogista escapa desta seara, visto que seu trabalho não se funda sob um céu absoluto. Saber, poder, conhecer – genealogicamente – não é reencontrar nem, tampouco, nos reencontrar. É construir e desconstruir, continuação e descontinuação de nosso ser sem Ser. Não se dissolve as singularidades em categorizações ideais, mas recria-se e faz-se ressurgir a “coisa” no que ela tem de única. Sem princípios originais. Sem destinações últimas. Apenas o acaso e a necessidade. Sem mais. Longe das formas elevadas, dos tipos nobres e das idéias puras, encontramos o corpo, visceral, cru, vivo. Assumindo-se perspectiva, a genealogia também se assume como uma pesquisa de baixa extração. A tudo aceita. A nada diferencia. Da plebe para a plebe.

A genealogia, enquanto sentido histórico, é assumidamente antiplatônica. É – primeiramente – paródica, carnavalesca, criadora e destruidora da realidade, opondo-se à história-reminiscência. Em segundo, é dissociativa e – novamente – destruidora da identidade, visto que não pretende encontrar as origens de um Eu qualquer, mas fazer aparecer as forças que nos atravessam, proibindo-nos toda máscara, toda tradição, todo essencialismo. Por fim, genealogia é destruição – mais uma vez, destruição! – do próprio sujeito epistêmico, do próprio eu-que-conhece, visto que todo saber é fundado em tal perspectiva do conhecimento.

Retornamos, assim, à recusa inicial do Nietzsche genealogista à pesquisa de origem. Abomina-se a Ursprung, mas não a pesquisa-proveniência ou a pesquisa-emergência. Seja Herkunft ou Entestehung, “a veneração dos monumentos torna-se paródia; o respeito às antigas continuidades torna-se dissociação sistemática; a crítica das injustiças do passado pela verdade que o homem detém hoje torna-se destruição do sujeito do conhecimento pela injustiça própria da vontade de saber” (Foucault, 1979, p.37).

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Momento

O vento corta os seres pelo meio.
Só um desejo de nitidez ampara o mundo...
Faz sol. Fez chuva. E a ventania
Esparrama os trombones das nuvens no azul.

Ninguém chega a ser um nesta cidade,
As pombas se agarram nos arranhacéus, faz chuva.
Faz frio. E faz angústia... É este vento violento
Que arrebenta dos grotões da terra humana
Exigindo céu, paz e alguma primavera.

(Mário de Andrade)





aproveitando o momento de chuva que temos hoje em nossa cidade e o desejo de se completar que é reforçado pela natureza.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Diário 28 11 08 ou sobre as estórias que nos contam.

Seu Juscelino é o marido de Dona Finha, vendedora de frutas, verduras e algumas raízes. São pessoas sempre presentes em nossos relatos. Bom, desta vez que estive na feira sozinho, após andar um pouco por entre as gentes, como de costume faço, sentei próximo ao referido homem perguntando se lembrava de mim, respondeu que sim com um sorriso amistoso. Perguntei, pois era a segunda vez que encontrava com ele por lá, não é de seu costume ir à feira e ficar por lá como me relatou novamente, gostava de ir de vez em quando e observar o movimento. Não tinha o dom para ser feirante.

Desta vez conversamos mais um tanto e ele me falou coisas da feira e coisas da vida. Enquanto falávamos da festa de aniversário de sua filha, Dona Finha chegou com um saco de fava e entregou para seu Juscelino debulhar. Aproximei-me e ficamos assim os dois trabalhando para a senhora enquanto ela vendia os produtos. Não sabia que sabia debulhar fava, nunca tinha feito isso, foi algo de intuitivo e na terceira já havia entendido a melhor forma de fazê-lo: primeiro arranca uma ponta, depois retira o fio que une um lado a outro e abre para jogar os grãos na bolsa. Durante este trabalho conversamos sobre algumas coisas bastante interessantes.

Primeiro conversamos sobre a história da feira. Ele me contou que a vinte anos atrás não existia feira em Aracaju, pelo menos não daquele jeito que é agora. Falou que feira daquele tipo com bancas organizadas e acontecendo em todos os bairros havia sido trazida de fora por algum prefeito que ele não lembrava o nome, mas que já existia fora do estado, que ele já havia visto em São Paulo e no Rio quando era mais novo e viajava bastante. Disse que já morou próximo a uma feira livre lá em São Paulo e estranhou quando viu aquele tipo de coisa, pois aqui em Aracaju só existiam três feiras: uma no bairro América, outra no mercado lá no centro e mais uma chamada oficinas no Siqueira Campos. Havia mais ou menos vinte anos somente que as feiras de rua adentraram os bairros por obra de algum prefeito que copiou de fora, isso ficou burilando na minha cabeça porque pensava que a feira sempre existira nas ruas e o estado entrava a posteriori para controlar o espaço. No mínimo uma coisa curiosa.

Enquanto lá estávamos a debulhar favas, um senhor apoiado sobre uma bengala, manco, passa e cumprimenta Dona Finha e seu Juscelino. Rindo ele me conta a estória daquele senhor amarrando-a na antiga feira do mercado central. Disse que ele era conhecido antigamente como Baiano das cobras, pois, em dias de feira, portava duas cobras e uma banca vendendo remédios milagrosos, daqueles que curam de tudo, e era assim que ganhava a vida fazendo arte no passeio público. Isso ele dizia para todos, não gostava de trabalhar, não havia nascido para isso, por isso fazia remédios e arte, era na verdade um ator. Um ator, ressaltou seu Juscelino, um ator, tanto que ele continuava atuando: contou-me que não era manco nem nada, andava pela feira pedindo dinheiro dizendo-se aleijão, pois não trabalhava, antes ganhava a vida assim desde que a proibiram sua arte com as cobras. Proibiram sua arte, então ele criou outra que fosse aceita no mesmo espaço. No entanto caminhava perfeitamente, era um ator, um ator.

Seu Juscelino inferiu algumas constatações: a feira do mercado não era mais feira, segundo ele, agora ela era chata e feira tinha que ser divertida; o mercado passou por uma transformação, mas ainda tem algumas pessoas mais antigas que fazem questão de ir comprar lá, saem com cestos enormes vazios na cabeça e voltam com eles cheios. Disse novamente que na feira é preciso ter ginga para vender, ao que ele chamou de dom de feirante, um saber conquistar o freguês. Então, contou-me da sua jornada junto à dona Finha antes de ir à feira do Castelo Branco às sextas. Começam na quinta-feira a tarde comprando produtos no Ceasa, depois voltam com as coisas no carro e passam por alguns sítios próximos de onde moram para arranjar produtos mais baratos, enfim, em casa arrumam o que é de sua produção própria no carro para de manhã bem cedo, em torno de 04:00, saírem de casa e chegar às 04:30 no local da feira, só aí arrumam a barraca e esperam pela gente. Disse que essa rotina cansa e que já havia dormido duas vezes no carro desde que chegara.

Antes de sair, explicou-me ainda que dava pra viver com o dinheiro que fazia na feira, ali é sempre o começo para quem quer crescer como comerciante. E se eu me juntasse a algum amigo poderia montar uma sociedade e fazendo três feiras por semana, o que significaria três turnos numa semana, pagar a faculdade e ainda sobrava um dinheirinho pra viajar. Então depois de algum tempo de silêncio, me despedi, enquanto ele brincava com o neto que também estava por lá no dia. Disse que na próxima festa que fariam era para eu aparecer e chamar a menina, no caso mairla. Consenti com a cabeça e saí...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

diário 21 11 08 (descobrindo a associação de feirantes)

Diferente de outros dias, como havíamos resolvido na ultima sexta, fomos em dupla. Encontrei Mairla por volta de oito da manhã e voltamos pra casa próximo às onze, quase três horas se passaram sem que nos déssemos conta do tempo que o relógio marca. Nos encontramos num praça que fica por trás das bancas de frangos, a vi lá pequena sentada sozinha por trás das gentes observando. Ela me falou das pessoas que haviam notado sua presença: dois homens e suas bicicletas, quando um deles pediu para ela dar uma olhada no seu veículo enquanto comprava alguma coisa – Mairla, quem sabe virará, algum dia, guardadora de bicicletas naquela praça; os bêbados da manhã de sexta, em geral amistosos com suas garrafinhas de cachaça, pararam um instante e depois atravessaram a rua e alojaram-se na calçada do outro lado da rua. Conversamos mais um pouco sentados, quando três policiais andando como quem só toca o chão, ou talvez pisa mais forte, atravessam em meio as pessoas, os corredores da feira. As pernas nos colocaram em movimento e fomos atrás dos fardados para ver o que dava.

Seguimos mas nada se deu, imaginamos que fosse pegar ônibus no ponto para ir ao trabalho. Daí encontramos com Dona Finha e Nininha que trabalhavam sob o sol quente, como de costume, sorrisos e comovais, tudobens. Instantes depois passam novamente os policiais com dois rapazes sob os punhos cerrados e por instantes os olhos da feira voltaram-se para a cena. Perguntamos como havia sido a festa da filha de Dona Finha e Seu Juscelino sob o pretexto de comemoração de anos. Havia sido boa e fomos questionados por que não havíamos aparecido por lá, algumas desculpas e ficaprapróxima. Nininha, toda encapuzada, sob o sol quente suava, estava um tanto adoentada devido exposição solar, resolvera, então, se proteger mais enquanto no trabalho. Um tanto entristecida, porém forte, ela nos falou que na próxima semana não poderia mais vender suas coisas no chão, mesmo pagando ao fiscal o valor tributário ao uso do chão para expor mercadorias, o rapa avisara que levaria suas mercadorias apreendias se ainda estivessem utilizando o chão da manhã de sexta. Resultante, disse que venderia suas coisinhas agora no carrinho que carregava perambulando pela feira. Um problema, pois como Mairla observou, Nininha dava conta também dos produtos da banca de Dona Finha quanto esta não estava presente ou se embananava meio ao acumulo de gente.

Ah! Teve o carinha lá do carrego no dilema de levar ou não uma pochete de Nininha. Ele tentando convencê-la de pagar na próxima semana ou mais tarde, argumentou que a feira estava fraca no dia e não tinha conseguido muita coisa, o que confirmou nossa percepção anterior que a feira estava realmente mais vazia. E também algumas pessoas da fiscalização certificavam-se sobre a correta medida das balanças. Daí, de novo em movimento, fomos atrás de uma moça que, de acordo com a descrição feita a posteriori por Mairla, vestia um palmo de short e uma blusa amarela mostrando a barriga esburacada horrorosa, devo concordar com essa observação, pois vi com estes olhos que a terra há de comer. Fomos atrás, pois comentei que ela faria sucesso com os marmanjos da feira, mas não ouvimos nada e continuamos andando enquanto ela fazia suas compras. Andamos mais e passamos novamente pela praça dos banheiros químicos vendo a movimentação, alguns bebiam lá, outros descansavam, e Mairla quis voltar pela rua de trás devido olhares estranhos direcionados a nós naquela parte, mas insisti e resisti ao medo dela e voltamos pela mesma rua e nada aconteceu. Então sentamos na praça do parquinho e ficamos observando alguns homens que conversavam e tomavam pinga por ali. Penso que a feira tem mesmo destes espaços de sociabilidade que estão além da feira, juntam em um mesmo lugar crianças no parque e bêbados que bebem conversam e chamam gato, cachorro, periquito e gente de carniça. Ôh carniça! Sai daqui carniça! Então apareceu o sorveteiro pela rua e um dos meninos do carrego que estavam ali na praça comprou um e recebeu o conselho de não dar sorvete aos outros para que ele pudesse vender outros! É mole?! Demoramos-nos um bocado na praça observando ao que o corpo de Mairla respondeu com bocejos. Levantamos para acordar, enfim.

Andando novamente, vimos uma senhora com alguns papeis em mãos, ela conversava com algumas senhoras feirantes, mas não era consumidora, estava ali com outros intuitos. Rondamos, circulamos por perto como moscas de padaria para perceber seus interesses até que, conseguimos ler na página superior que ela carregava algo como “Cadastro... Associação de Feirantes”. Aquilo nos inquietou, mas não conseguimos espaço para conversar com a tal mulher. Então fomos a uma banca que vendia beiju, tapioca e bolachas. Comprei alguns biscoitos e Mairla um beiju, aproveitamos a desculpa para perguntar a senhora vendedora sobre quem era aquela mulher e o que ela estava fazendo. Ela fez uma cara feia de desconfiada e falou que era alguma coisa da associação de feirantes que estavam inventando, porém era muito cedo para saber ou dizer alguma coisa. “É, tá muito cedo ainda, muito cedo!”

Recorremos a nossa banca de conhecidos para conversar com Dona Finha sobre a tal associação. No caminho, um detalhe emergiu do campo: já havia alguns feirantes com crachás indicando participação na tal associação de feirantes. Curioso, pois não havíamos dado conta deste detalhe anteriormente e justamente as pessoas que portavam a identificação são aquelas que fazem na feira uma outra feira, aquelas que tem outros tipos de cuidados com suas mercadorias e efetuam outro tipo de marketing. Chegando à banca de nossos amigos, conversamos com Nininha sobre o que vimos, ela nos explicou que não sabia ainda direito o que era e fazia pouco tempo que haviam começado com aquilo, mas que precisava pagar dez reais por mês e que não serviria de muita coisa, pois só dava assistência ao feirante que caia doente e “quem já viu feirante cair doente? Feirante não cai doente não”. Falou, ainda, que não estavam explicando a história direito não, sabia das coisas superficialmente e que não ia ajudar em nada a ela porque de todo modo ela deveria tirar suas mercadorias do chão após o ultimato dado pelo rapa.

Aqui nos atravessa uma história enquanto estávamos novamente sentados próximos à Dona Finha e Nininha. Um certo rapaz chamado Márcio, o qual trabalha fazendo carrego de mercadorias, nos vez rir com suas histórias da feira por algum bom tempo. Contou-nos uma história de uma “veia que paga bem, mas é chata feito o infiliz”, disse ele que ela pagava dez reais por carrego, mas quando chegava à casa dela, trancava o portão e tentava evangelizar o rapaz. “Ela me vinha com uma aguinha com açúcar sem graça e uma bíblia dizendo que eu tinha que ser testemunha de Jeová. Testemunha de quê, minha veia? Eu nem tava lá, eu nem era vivo, nem conheci esse tal Jeová! Testemunha do que eu nem vi? Vou acabar é sendo acusado! Se ainda tivesse umas coisinha, um agrado, um suco, uma filhinha, umas gracinha, mas não só tem veia! São três veias morando tudo junto. Ela paga bem, é dez reais, mas também tome cinco horas de veia lendo bíblia! Pois... ninguém daqui suporta essa veia, todo mundo foge, só um veio lá que também é crente e gosta das rezas.” Daí perguntei se tinha muito disso por lá, de pessoas que o pessoal do carrego fugia: “Vixe! Muita gente! Muita gente chata mesmo!”. Então ele saiu sem se despedir pra tirar graça com outro rapaz do carrego e depois saíram os dois para trabalhar.

Também nos levantamos e fomos procurar saber mais sobre a tal associação de feirantes junto ao pessoal que já portava o crachá. Uma mulher que vendia verduras trazia escrito em seu indicativo “Diretoria”, paramos junto a ela para conversar sobre a associação e ela nos indicou ao senhor que vende queijos na banca ao lado: “Olhe fale com Antônio pra ele explicar melhor pra vocês, ele é o presidente, quem teve a idéia e criou a associação”. Antônio vende queijos em sua maior parte, mas também castanhas e biscoitos, já havíamos percebido algo diferencial em sua postura de comerciante frente aos outros feirantes: a organização da sua banca e o manejo com as mercadorias indicavam sua diferença, algo sutil, que poderia até ser chamado de “mais limpo”, mas também um outro jogo relacional com o cliente algo que trabalha também pela propaganda. Ele nos falou que criou a associação para fortalecer a classe dos feirantes que, segundo ele, estavam correndo risco, pois a prefeitura junto aos grandes supermercados estava tentando acabar com as feiras livres e transformá-las no que tinham feito com as feiras do mercado central, do augusto franco e do orlando dantas. Disse ainda que a feira é “um patrimônio cultural da humanidade” e que não poderia morrer. Além disso, falou que os associados tinham benefícios garantidos, tais quais lazer no clube cotinguiba e assistência médica na rua Bahia. A associação foi criada há apenas um mês e não possui filiações políticas, segundo o presidente, e tudo feito com iniciativa e dinheiro dele próprio. “Já existe sede com computador e tudo, inclusive e-mail, mas ainda é muito novo, a gente ainda ta conversando com o pessoal”.

Disso voltamos para a banca de Dona Finha e conversamos com Nininha contando do que ficáramos sabendo. Mesmo assim ela não mostrou muita confiança e falou que se fosse assim mesmo a idéia seria boa, mas “tem que ver, tem que ver...”. Fomos então embora, após quase três horas de feira, sem nem ao menos termos nos dado conta do tempo que o relógio marca.

Confusão de sentimentos.

25/11/2008, sai da UFS ás 01h15min, com a esperança de chegar super cedo no Lions e não perder nada do último dia das reuniões lá neste ano de 2008.
Pela primeira vez consegui chegar antes de Marcus, e este por incrível que pareça chegou faltando pouco para as 14h,
Sentei com Thiago e fiquei ali, olhando para aquelas senhoras, todas arrumadas, usando brincos, batom, sandálias novas, colares, uma que me chamou muito a atenção foi dona Francisca, sempre tão simples, estava de colar, brincos, sandálias novas, saia diferente da habitual. Todas ali, com seus adereços simples e pouco perceptíveis àqueles que não convivem com elas, mas ao mesmo tempo tão significativos para elas, pois estavam em dia de festa, e tão curioso para mim, já que com minha ignorância esquece que elas ,também, são mulheres e como tais possuem sutilezas especiais para uma festa.
Porém, continuava ali, sentada, apenas olhando, as aparências, as fases, os gestos, não entendia o que se passava, ou melhor, não entendia o que sentia.
Dona Zefa como sempre cantava, cantava, sozinha, todo o restante permaneciam sentados, e àqueles que iam chegando, também iam se acomodando. Mas, não parecia um dia de festa, tava tudo muito quieto. Houve umas brincadeirinhas aqui, outra ali. Em certo momento, D. Zefa cantou uma música, a qual fazia alusão a homem que era mais mulher que homem, porém ela cantou perto de um velho, o qual virou pra ela disse; “E o que é isso?”. D. Zefa toda descontraída disse: “E ta se doendo?”, e continuou a cantar, só que dessa vez olhando diretamente para ele.
Quando Marcus chegou, foi logo começando a tocar e todos começaram a se animar e a se levantar. Uma mulher, que creio ser convidada de D. Helena, olhava com desdém e ria ironicamente, não sei por que, mas aquilo me incomodou tanto, ao ponto de focar meus olhos nos dela, para intimidá-la a não continuar com tal comportamento.
A família real foi chegando, o amigo secreto foi sendo organizado, e nós infelizmente, ficamos ser ter aonde sentarmos, dessa forma acabamos do lado dos leões. Entretanto, agora me pergunto, o porquê de termos parado lá. Falando por mim, no momento olhando para os idosos não me sentia fazendo parte do grupo, era a festa deles, talvez isso tenha influenciado para ter sentado no “altar”. Enfim, acabamos lá, porém nunca imaginei que o olhar de cima fosse tão amedrontador e humilhante, pelos comentários todos estávamos se sentindo muito mal ali. Parecia uma corte, os leões, ou melhor, os reis e as rainhas no seu altar, e os súditos servindo de bobos da corte, o momento em que estavam recompensando a família real, pelos benefícios prestados.
Fiquei chocada com a disputa de predominância pelo dragão, e pela família real, pois o dragão fazia questão que todos usassem as roupas, que havia mandando fazer, e pagado claro, já a realeza queria que seus súditos usassem as blusas do Lions. Parecia um duelo para mostrar quem fez mais benefícios.
Marcus não perderia a oportunidade de citar a Universidade, seu trabalho, a psicologia, então com nós de pé falou nossos nomes, nosso curso, e blá, blá, blá. Uma leoa nos agradeceu, o que me surpreendeu. Depois mudou seu foco para as idosas, agradecendo a uma senhora, a qual sem ela aquilo não existiria, D. Zefa que já estava de pé, já ia se aproximando, mas calma D. Zefa ainda não era a senhora, mas sim D. Joana, a mais velha, 94 anos, quanta vida... Enfim, chegou e Marcus agradeceu a nossa tão prestigiada artista D. Zefa.
As leoas abraçavam as senhoras, falavam com todos, mas a fronteira era bem definida.
Apesar da confusão da roupa, a apresentação Marcus saiu. Nós fomos ajudar a organizar, “Thiaguinho”, claro, foi nosso fotógrafo profissional, mas você Thiaguinho, é gente fina, só que dessa vez, eu também, recebe uma tarefinha, passava para Marcus qual era a ordem das músicas. E as velhas com seus vestidos quase iguais, os velhos com suas blusas iguais, dançando, cantando. Um episódio muito curioso aconteceu, no meio da apresentação, uma leoa entrou no meio dançando, parecendo não sei lá o quê, e Marcus lá sem entender nada, olhando como se fosse pular em cima dela.
Após o momento dançante, veio o lanche, depois que as leoas haviam distribuído bolo e refrigerante, Bruna e James distribuíam paezinhos de queijo que havíamos levado. Todos comeram inclusive nós. Depois seria o amigo secreto, e outras coisas, as quais não vimos, porque eu precisava ir para o mestrado, já que dia de terça trabalho à tarde.
No outro dia conversando com João e falando o que tinha acontecido, e minhas impressões, ele simplesmente me questionou: “E os idosos?”. Não soube o que responder e, aliás, ainda não sei, na verdade, nem sei o que senti, uma confusão, uma vontade de ir, e de ficar, os sentimentos se misturavam quando tinha alguma leoa por perto. Talvez, meus colegas tenham conseguido definir mais nitidamente seus sentimentos. E assim acrescentem...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A descrição etnográfica

Introdução
- A especificidade da antropologia está ligada a um projeto: o estudo do homem como um todo, quer dizer em todas as sociedades, sob todas as latitudes, em todos os seus estados e em todas as épocas. (página 9).
- Atividade de observação, a etnografia é antes de tudo uma atividade visual, ou, como dizia Marcel Duchamp acerca da pintura, uma “atividade retiniana”. (página 10)
- A descrição etnográfica não consiste apenas em ver, mas em fazer ver, ou seja, em escrever o que vemos. A descrição etnográfica enquanto escrita do visível põe em jogo não só a atenção do pesquisador, mas um cuidado muito particular de vigilância em relação à linguagem , já que se trata de fazer ver com as palavras, ..., relatar da maneira mais minuciosa a especificidade das situações, sempre inéditas, às quais estamos confrontados. (página 10).

A Etnografia como atividade perceptiva: o olhar

“Um historiador pode ser surdo, um jurista cego, um filósofo
a rigor pode ser os dois, mas é preciso que o antropólogo ouça
o que as pessoas dizem e veja o que fazem”.
Raymond Firth

- Localizados, de fato, em uma só cultura, não apenas nos mantemos cegos diante das culturas dos outros, mas míopes quando se trata da nossa. (página 13).
- Todos somos, de fato, tributários das convenções da nossa época, de nossa cultura e do nosso meio social que, sem que percebamos, nos designa: o que é preciso olhar, como é preciso olhar. (página 13 e 14)
- Ver, é, na maioria das vezes, por memorização e antecipação, desejar encontrar o que esperamos e não o que ignoramos ou tememos. (página 14)
- Essa experiência que consiste em nos espantar com aquilo que nos é mais familiar e tornar mais familiar àquilo que nos parecia inicialmente estranho e estrangeiro é por excelência a da etnografia. É uma atividade decididamente perceptiva, fundada no despertar do olhar e na surpresa que provoca a visão. (página 15).

- Lévi-Strauss qualifica o campo de “revolução interna que fará do candidato à profissão antropológica um homem novo”.

Ver e olhar
- Na linguagem cotidiana, a palavra vê é utilizada para designar um contato direto com o mundo que não necessita nenhuma preparação, nenhum treino, nenhuma escolaridade. Ver é receber imagens. (página 17)
- Ver imediatamente o mundo tal como é, cujo corolário consistiria em descrever exatamente o que aparece aos olhos, não seria realmente ver, mas crer, e crer em especial na possibilidade de eliminar a temporalidade. Seria reivindicar uma estabilidade ilusória do sentido do que se vê e negar à vista e ao visível seu caráter inelutavelmente mutante. (página 17).
- Olhar do etnógrafo: um olhar quanto não inquieto, pelo menos questionador, que vai em busca da significação das variantes. (página 17-18)
- O olhar do etnográfico não pode confundir-se com o olhar perfeitamente controlado, educado, abalizado por referências ocidentalizantes, que consistiria em fixar e escrutar seu objeto como um urubu sua presa, e que acentuaria de certo modo a acepção medieval de regarder = colocar sob guarda, que é também a de “droit de regard” (direito de controle). Página 18.
- “Não consiste apenas” como diz Affergan “em ficar atento, mas também e, sobretudo, em ficar desatento, a se deixar abordar pelo inesperado e pelo imprevisto”. (página 18)

Corpo e olhar
- A descrição etnográfica não se limita a uma percepção exclusivamente visual. Através da vista, do ouvido, do olfato, do tato e do paladar, o pesquisador percorre minuciosamente as diversas sensações encontradas. (página 20)
- Geertz: “empregar para a percepção o vocabulário da visão (ver, observar, etc.) é uma coisa natural para os Europeus, mas aqui (em Bali) tanto com o corpo como com os olhos, agitando a cabeça, tronco e membros para repetir a música, os gestos e as manobras dos galos. Quer dizer que o indivíduo recebe essencialmente uma impressão mais fisiológica do que visual do combate. (página 21)
- Construímos o que olhamos à medida que o que olhamos nos constitui, nos afeta e acaba por nos transforma. (página 21)

Experimentação in vitro e experimentação in vivo
- O trabalho do etnógrafo não consiste unicamente numa metodologia exclusivamente indutiva, coletando um monte de informações, mas sim em impregnar-se dos temas obsessivos de uma sociedade, dos seis ideais, de suas angústias.(página 22)
- O etnógrafo deve ser capaz de viver no seu íntimo a tendência principal da cultura que está estudando.

Uma aculturação ao invés
- A etnografia é antes de tudo uma experiência física de imersão total, onde, longe de tentar compreender uma sociedade unicamente nas suas manifestações “exteriores” (Durkheim), eu devo interiorizá-lo através das significações que os próprios indivíduos atribuem a seus próprios comportamentos. (página 23).
- Quando o etnólogo pretende a neutralidade absoluta, quando ele acredita ter recolhido os fatos “objetivos”, quando ele elimina dos resultados de sua pesquisa tudo o que contribuiu a alcançá-la e que ele apaga cuidadosamente os traços de sua implicação pessoal no objeto de seu estudo, é então que ele corre o maior risco de se distanciar do tipo de objetividade e do modo de conhecimento específico da sua disciplina, ou seja: a apreensão, ou melhor, a construção daquilo a que Marcel Mauss chamou de “fenômeno social total” que supõe a integração do observador no próprio campo da observação. (página 23-24)
- Se ser é perceber, é também, como disse Berkeley, “ser percebido”. Merleau-Ponty escreve: “sou um vidente visível”. Não existe etnografia sem confiança mútua e sem intercâmbio. (página 24)
- O que vive o pesquisador, em sua relação com seus interlocutores, (o que ele recalca ou que ele sublima, o que ele detesta ou o que ele aprecia), faz parte integrante de sua pesquisa. Assim, a antropologia também é a ciência dos observadores susceptíveis de se observar a eles mesmos, procurando que uma situação de interação (sempre inédita) se torne o mais consciente possível. (página 26)
- A análise, não somente das reações dos outros à nossa presença, mas de suas próprias reações as reações dos outros, é um instrumento por excelência, que traz à nossa disciplina vantagens científicas consideráveis. (página 27)
Laplatine, François, 1943. A descrição etnográfica. Tradução João Manuel Ribeiro Coelho e Sérgio Coelho. São Paulo: Terceira Margem, 2004.

sábado, 22 de novembro de 2008

Diário de campo, 18/11/08

Fiz o máximo que pude para chegar antes das práticas começarem, consegui! Foi uma pena não ter chegado antes de Marcos, por coincidência o encontrei pelo percurso, peguei uma carona e no restante do caminho fui ouvindo seus diversos aforismos e máximas, um deles foi: "cigano é bicho ruim";"cigano só gosta de sombra e água fresca", D. Joaninha e D. Francisca, por sua vez, assentiram proferindo também algumas notas de repúdio aos ciganos. Marcos fez ao menos uma caridade, me livrou do sol apino de 1:00h da tarde. Mas apesar de Marcos ter chegado cedo e começado a cantoria, durante os trinta minutos anteriores ao horário marcado pude estabelecer uma agradável conversa com D.Maria de Lourdes e com outra Maria, esta sem complemento nominal. As conversas não foram simutâneas. Assim que cheguei sentei do lado de uma senhora de Simão Dias, que não me pareceu afeita a conversação. Migrei para o lado de D.Lourdes, perguntei-a há quanto tempo ela frenquentava o espaço, se ela gostava de lá ! A maneira como conduzimos a conversa nada se pareceu com uma entrevista, mais parecíamos pessoas que estavam se conhecendo e de fato era a primeira vez que nos falávamos. Algumas falas de D. Lourdes foram importantes para o entendimento de seu modo de encarar o grupo: "a gente vem aqui para brincar, se divertir, dançar".
Depois de algum tempo comecei a fazer meu crochê e ao me ver fazendo ela começou a falar que fizera muito crochê, pintura, e outros artesanatos para vender na feira do Eduardo Gomes. E demonstrou um incômodo por naquele espaço essas atividades nunca terem sido realizadas.
O crochê, levei a propósito para incitar algumas falas, mas exceto D. Lourdes, as senhoras que estavam ao meu redor não sabiam fazer crochê, fato para mim estranho por não corresponder a imagem que eu tinha de velhinhas bordando, tricontando...!
Nos mesmos 30 min de adiantamento conversei com D.Maria. Foi uma conversa rápida, em que pude perceber a sua alegria por ter encontrado aquele espaço, onde ela poderia ir seguindo um novo roteiro senão o do médico, da feira, e da igreja. O restante da conversa foi preenchida com a sua reclamação por ter a percata se quebrado no caminho, obrigando-a a voltar de pés descalços. Depois de alguns minutos ela com toda sua inventividade teve a idéia de fazer um buraquinho na percata, com a minha agulha, e amarrar o pedaço quebrado com uma linha. Foi genioso, ela notou os instrumentos disponíveis, a agulha e a linha, e zap!
A conversa mais interessante do dia foi com D. Joaninha, uma senhora incrível com seus 94 anos, dos quais ela me pareceu ter muito orgulho. Nas três ocasiões a conversa foi puxada quando eu perguntava há quanto tempo elas frequentavam o grupo, como resposta ouvi mais de 11anos, alguns meses, e D. Joaninha não fez os cálculos, só afirmou que havia muito tempo. Não me lembro como que ela começou a falar do seu marido. Ela me contou um bocado de coisa sobre seu casamento e sua vida. Pelo que ela contava, percebi o destaque dado as coisas ruins(por ela significado como ruins) sucedidas na sua vida.Um exemplo foi sua declaração de que e nos 68 anos de casamento não havia amado o marido. Outro fato a muito ocorrido foi sua saída de casa para a dos pais, uma tentativa de desistir do casamento...Enquanto todas as conversações a dança rolava no centro do salão!

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Diário de campo - 19/11/2008

i.) Cheguei ao local dos encontros das quartas por volta das 15:30. Já de longe percebi uma movimentação diferente. Vi que os idosos estavam do lado de fora do prédio, e orientados pelo estudante de educação física formavam um grande fila, encabeçados por Dona Zefa. Ali estavam, além dela, os idosos que freqüentam com assiduidade os encontros semanais no Lions Club Serigy. Tratava-se de um ensaio da apresentação que Marcos Monteiro tanto tem alardado.
Por falar nisso, o grande dragão estavam (bem?!) acompanhado: além de sua esposa, também a cunhada e o esposo dela também participaram do ensaio, cada um com um intrumento musical. Figuras estranhas, assim como o Marcos...
Bom, outra novidade que a mim se apresentou foi a presença de idosos que nunca tínhamos visto às terças. Por volta de quinze pessoas estavam lá, mas permaneceram sentados durante a maior parte do tempo.Liguei essa postura a dois motivos. Num primeiro momento acreditei que porque se tratava de um ensaio e como muitos daqueles não sabia o que se passava, seria difícil para eles acompanharem as atividades. Depois acabei descobrindo não se tratar exatamente disso. Daqui a pouco retornaremos nesse ponto.

ii.) Como eu também não podia participar das atividades de dança, resolvi sentar e assistir. Ao meu lado estava uma idosa de 58 anos que havia faltado às ultimas quatro reuniões em virtude de uma artrose no joelho direito. Segundo ela me disse, apesar de ainda sentir dores, “não agüentava mais ficar sem vir”. Perguntei o porquê. “Ela me disse que achava as reuniões divertidas, que ia para elas para rir. Por que é engraçado ver um monte de velhos fazendo essas coisas.” Depois de falarmos sobre os benefícios dos analgésicos, da natação e do repouso pra inflamações nas articulações, voltamos a falar sobre as reuniões. Perguntei a ela o que os filhos achavam de ela sair com o joelho doente para uma reunião. Ela me disse que eles riem dela, mas que apóiam. “Eles dizem que é melhor do que ficar em casa sem fazer nada. E se eles viessem ia ver que é engraçado mesmo!”

iii.) Não sei exatamente como, mas quando dei por mim estava sentado ao lado das idosas que nunca tinha visto antes nas reuniões. Resolvi falar com uma delas. Ela se chamava Dona Zete e estava pela primeira vez no grupo. Ela me disse que participava das reuniões há muito tempo atrás (antes da era Marcos Monteiro), ainda no centro paroquial, mas que por causa da saúde debilitada havia se afastado. Apesar de conhecer muitos dos idosos ali presentes, d. Zete estava um pouco assustada porque as reuniões que freqüentava antigamente eram bem diferentes. Ao invés de dançarem e se exercitarem, as pessoas iam aprender a bordar, costurar, fazer crochê. E também não tinha tanta gente velha, eram muito mais novas.” Dona Zete não soube me dizer se ficaria mais à vontade numa reunião com pessoas mais jovens ou com idosas, mas gostaria que ainda existissem as oficinas.
Dona Zete também me contou de suas experiências em outros grupos. Já fez, por exemplo, natação e ginástica noutros projetos desenvolvidos pela Universidade. “E agora voltou pra o grupo?”, lhe perguntei. Depois de um pois é, ela me disse que estava lá para ver como era que funcionavam as reuniões, também iria ao Lions, mas ainda não sabia como chegar lá. Disse-me também que era melhor estar freqüentando as reuniões do que estar em casa: “pra quê ficar perdendo tempo pensando nos problemas, se isso não vai resolver nada?”, foi o que me disse. Mas dona Zete não veio sozinha, ao seu lado estava sua vizinha e amiga, dona Gildete.
Dona Gildete, sorriso aberto e conversa solta. Num certo momento da conversava com dona Zete começamos a falar sobre a interferência dos filhos e a amiga foi instada a participar. Gildete tem “quase 60”, é viúva há dezoito anos e mora com um filho de 35 anos. Segundo ela, ele não interfere mais na vida dela. Ainda está “amarrado à barra da saia, mas não se intromete mais”. Segundo ela, depois de ter mostrado a ele que nessa altura da vida a única coisa que se pode fazer é brincar, ele se resignou (“já perdi minha juventude, então tenho que aproveitar o que resta”, disse ela).
Como tem “quase 60” dona Gildete disse que estar ansiosa para completar 60 anos logo. Pois com essa idade ela pode andar gratuitamente no transporte público e poderá, finalmente, freqüentar os bailes da terceira idade que acontecem de domingo a domingo em Aracaju: “Quando trocar a carteirinha, aí não vai prestar não!” E, para me provar que não estava mentindo, ela listou, disse o horário de início e término e onde ocorriam cada um dos principais bailes!
Sua única queixa é o fato de haver muito mais velho do que novos freqüentando esse tipo de festa. “velhos”, leia-se homens mais velhos. Por isso, pelo menos no melhor dos bailes que freqüenta (nos domingos à noite), dona gildete só chega depois das seis da tarde. A festa começas às quatro, mas só depois das seis é que começam a chegar os coroas, até aí a maioria é de idosos que vão para casa porque tem que dormir cedo.
Não pude deixar de perguntar se ela costumava namorar nesses encontros. Depois de um sorrizinho malicioso ela acenou positivamente com a cabeça. Então, com ar de surpreso, lhe perguntei como era isso, de namorar nessa idade e como era que acontecia. Ela me disse que era “normal”, mas que deixava claro que não queria se envolver profundamente com ninguém. Ainda meio sem saber o que dizer, repeti a pergunta. Ela, então, resolveu me explicar com um exemplo.
Falou-me de um passeio a que ela tinha ido na semana anterior. Disse que lá havia encontrado um senhor e se interessado por ele. Ressaltou que gostou da idéia de ele ser de outra cidade, “assim nunca mais a gente volta a se encontrar!”. Depois de um certo tempo de paquera, os dois resolveram aproveitar o passeio juntos. Ainda não sabia o que lhe perguntar, estava meio assustado de encontrar e soltei um “e deu para aproveitar?” Vi novamente aquele sorrisinho de canto de boca. Dona Gildete olhou para mim e disse: “a gente tinha o dia inteiro...” Dizer mais o quê?

terça-feira, 18 de novembro de 2008

pra que meu nome?

Como a feira começa dentro de casa, começarei daí percorrendo todo meu caminho. Saí vasculhando tudo pra ver o que faltava em casa e notei que a feira tinha sido feita no dia anterior. Nada para comprar, então! Pelo menos de necessário. Pelo caminho fui imaginando o que poderia comprar, percorrendo a Francisco Porto, Saneamento, Rio de Janeiro, por fim Castelo Branco, chego ao meu destino, hoje de carona, com a idéia de comprar folha de hortelã. Pronto! Ótima idéia, nada melhor do que uma combinação com suco de abacaxi.

Desço pelo lado da caixa d’água às sete e quarenta e cinco da manhã, mais tarde do que o costume. Ando devagar, notando o movimento intenso de carro, guardador-de-carro, carrinho-de-mão e gente passando. Caminho em direção à praça e sento no banco de sempre. Eu realmente fico fascinada com a habilidade que os vendedores de carne têm com a faca. Fico vidrada olhando os cortes que fazem e a rapidez que é! Chama mais minha atenção a mulher que dentre os homens se destaca por ser mulher-macho-sim-sinhô. Engraçado como ela é bruta! O homem, também vendedor de carne, da banca ao lado vinha todo cheio de graça pra cima dela e ela nem aí pra ele. Mandava embora e saia toda machão. O rapaz saia rindo desconfiado e trocando olhares com o moreno da banca do lado esquerdo. E ela sustentando a pose! Senta no balde d’água azul, apóia a perna na banca e pega o celular, toda séria, sempre!

Em meio aos gritos incessantes e repetidos a cada 2 minutos de “tomate a 1 real, 1 real”, passa uma galega que faz o outro do lado de cá, o moreno, parar de fazer o que fazia e gritar: “Êta galeguinha linda, meu deus! Olhe...(pausa) sou apaixonado por você viu?”. Não me agüento e começo a rir sozinha.

Já meio enjoada de ficar só, penso em ir pra casa, mas sem antes de dar uma volta por toda feira. Quando menos espero, encontro João que acabara de chegar. Resolvemos dá uma volta juntos. Conversa vai e vem, entramos num consenso de que é melhor irmos juntos, de dois em dois, para o tédio não bater. A feira com mais alguém passa a ser divertida. Pelo caminho vamos dando risadas das pessoas, principalmente da vendedora de sacolas que nos oferece a venda duas vezes! Seguimos ela por um momento, mas depois a perdemos de vista quando paramos pra comprar as folhas de hortelã.

Encontros e desencontros, aparece Kleber com a senhora sua mãe. Que faz o favor de nos apresentar como “uns alunos aí que estão trabalhando aqui na feira”. Apresentação que foi repetida por João como comentário, porque por mim teria passado que nem notaria. Mas enfim, saímos andando e proponho ir dar uma olhada nos banheiros. Fomos andando por fora da feira, pela avenida, até chegar na praça. Lá não tenho nem coragem de chegar perto pra sentir o cheiro enquanto João briga com uma das portas tentando abrir. Nisso aparece um doidão todo cheiroso à planta natural reclamando do banheiro. Dizendo que é uma falta de respeito, mesmo ele não precisando porque caga em casa. Nos pergunta se somos da vigilância sanitária e diz que o banheiro vive ocupado, de merda! E que pra entrar, “os caras” só vão com cigarro ou um baseado pra agüentar o cheiro...

Surge mais um e reclama também e um senhor sai cambaleando do banheiro que João brigava tentando abrir. “Tava aí era meu velho? Como é que agüentou, ein?” – diz rindo o doidão que apareceu primeiro. João estava mais inteirado com o cara, perguntando, fazendo comentários e respondendo ao que ele perguntava. Já eu tava meio de retaguarda só olhando o movimento dos outros atrás que estavam conversando. Nos despedimos e João pergunta o nome dele:
- Pra que meu nome? Nome é retrato, minha palavra é de vez.
- Tá, meu nome é João – cumprimentando com as mãos.
- Fábio, diz ele. João Carlos?
- Não, não, só João mesmo.
- João de Deus, então!

Saímos rindo e bestas com a frase que o cara disse. Não esquece não, viu? E repetimos umas duas vezes pra ficar guardada na memória.
Em direção à sorveteria, vamos ao encontro de Finha e Nininha. Finha comenta que pensara que eu tinha parado de ir à feira porque por duas sextas não aparecia. Toda simpática vem com a coca-cola, pão e queijo pra gente comer. Se senta próximo a nós, na calçada da sorveteria, enquanto Nininha, que é toda agoniada, fica pra lá e pra cá atendendo os fregueses dela e os da Finha, enquanto essa come uma empada reclamando do recheio.

Em meio a nossa distração e conversa, aparece um senhor com dois pedaços de cana na mão e um livro debaixo do braço gritando qualquer coisa de que a cana era dura e a cana era mole. Rimos e o homem fala: Ta vendo isso aqui? Só eu tenho! Só vendo por 100 reais. Se o cabra me oferecer 99 eu num dou, só vendo por 100!

Esse senhor tinha apostado uma cachaça com um outro lá no bar de que um jogador fazia ou não parte da delegação do Brasil em algum ano. Ele foi a casa buscar o livro pra provar com foto e tudo que o cara era sim e que ganhara a aposta. Nisso o cara já estava sentado do nosso lado contando toda a história, mostrando as fotos com Pelé e como tinha sido aquela copa, que nem eu nem o João éramos nascidos. O homem sai todo agoniado puxando o livro das mãos de João dizendo que vai ao bar que tem logo ali. Se despede e sai todo apressado.

Bom, hora de irmos também. Damos uma última volta por toda a feira e nos despedimos de onde saímos. Vou ao ponto de ônibus e João ao carro.

Circular indústria e comércio é quem me faz chegar em casa novamente, com sacola de hortelã e ameixas na mão.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Olhai os lírios do campo...

Curioso ler o texto anterior, da Bruna. Senti-me numa sincronicidade, à velha moda junguiana. Isto porque, assim como nossa colega, passei a enxergar os lírios do campo de pesquisa. Antes de entrar neste detalhe, coloco em crônica minhas experiências.

Fui andando, temperado sob o sol, mais uma vez. O "Era Uma Vez" de todo personagem começa, de facto, com uma andança. E, nessa destemperança encontrei, no meio do caminho, algo muito maior - e melhor! - do que pedras. Dois lindos senhores - um casal, em verdade - estavam sentados na calçada, seguros da fúria dantesca e sustenida de um Sol Maior. Reconheci, parei, sentei, conversei e conjurei mais alguns verbos em companhia deles. Falamos sobre istos, aquilos e um pouco mais.

Uma frase acertou-me, certeira, como o arqueiro inspirado por Kairós. Enquanto caminhávamos, percebi que a senhora me percebeu um pouco mais ágil do que ela e seu companheiro de pernas. Disse que "velho anda devagar, que é pra esperar outros velhos". Senti-me indigesto com aquela seta carregada de movimentos e intensidades. Enquanto eu voava, ambos continuaram a caminhar e a trilhar uma nova estrada. Começaram a falar de comida.

O Senhor pronuncia: "Eu não como peixe com escama, caranguejo, pitu..." Daí, a Senhora o interrompe: "Você não come peixe carregado, é!?" Ele finaliza: "Carregado, não! Só comprado, mesmo!" Nós três, após segundos eternos de silêncio, nos pusemos a rir. Não a gargalhada do bufão, mas o sorriso do menestrel. Riso interno, só nosso! Só meu e de meus velhos amigos!

Chegamos na arena e, como de costume, Monteiro já havia chegado. Aconchegamo-nos - os três - em lugares distintos, e procedeu-se os rituais costumeiros. Minto! Marcos parecia um pouco mais tranqüilo do que a sua essência - a nós revelada - permitia. A reunião transcorreu divertida. Peso leve e jugo suave. Curiosa, no entanto, foi a minha visada de consciência sobre duas senhoras que, enquanto todos explodiam em festividade, implodiam em sorumbatismos. Cabeças baixas que me fizeram levantar a visão para um plano de contemplação outro, tentando imaginar que metafísica as tirava daquele lugar e em que outro lugar ela as colocava.

Uma outra flor que colhi exalou miríficos odores. Falo da pequeníssima Dona Joana que, durante o encontro, lançou duas pérolas-aos-porcos. Eis a primeira, quando a abracei e elogiei seu perfume. Ela devolveu: "Velho tem que ser cheiroso. Velho e Rabugento não dá, né!?". A segunda foi quando, numa conversa-cochicho com outras senhoras, ela declama: "Não somos velhos, não! Velha é a estrada!"

Depois de transcorrida a reunião, Marcos se retira para a sua aula, no Campus, e abandona o campo. Ficamos uns minutinhos a mais, para apresentar nossa nova companheira de campanha e ver se colhíamos mais algumas rosas, com ou sem espinhos. Começa a se organizar um bingo, mas abandonamos o local - infelizmente - antes que ele frutificasse.

A flor mais bela que colhi nesta reunião foi perceber que o gramado não possui cercas. Antes - confesso - fazia reflexões sobre o que os idosos faziam na reunião, o que pensavam na reunião, o que falavam na reunião. Enfim, ao menos eu, fazia, pensava e falava sobre reuniões, não sobre idosos. Falava sobre lugares, danças e poemas, mas não encarava as caminhadas, as quedas e as poesias. Poesia de mim. Não quero mais colocar cercas nos meus jardins. Não mais. Olhai os lírios do campo, homens. Olhai os lírios do campo...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Estranhamento

Amiguinha, querida, meu amor. Essas foram as formas como fui chamada enquanto passava pelas bancas de venda e os vendedores me ofereciam seus produtos.
Tem dias que parece tudo que você faz é no automático. Acho que nesse dia eu estava assim. Passava por entre as barracas, já tinha um percurso certo na cabeça, sabia mais ou menos a ordem em que estas se sucediam. Via frutas, no balcão, no chão, gente, carrinhos, carregadores. Tudo numa mistura que já não me era estranha. Era como se enxergasse tudo, mas ao mesmo tempo estivesse me guiando pelo que já tinha visto não pelo que estava vendo.
Quando cheguei em casa, e parei para pensar sobre o que havia acontecido me dei conta de que a feira não era mais algo estranho pra mim, pelo contrário, já havia absorvido alguns de seus aspectos, coisas que antes eram novas , que me chamavam a atenção passavam agora despercebidas, ou melhor, como velhas conhecidas.Daí então me veio um questionamento: a feira assim como várias outras coisa com que tenho contato no meu dia- a – dia estava caindo na rotina.Deste questionamento surgiu um possível problema: talvez estivesse deixando de ver as peculiaridades da feira. Provavelmente, isso não seria uma boa coisa. Porém, depois pensei que talvez fosse precipitado da minha parte ter tal acontecimento do dia como a verdade para todos os outros.
O que mais posso falar é que foi uma visita estranha, diferente das outras. E, sem muitos detalhes a serem descritos. Acredito até que devido a forma como me encontrava no dia. No entanto, achei importante postar, mesmo que em poucas linhas o que tinha a dizer, porque esse dia me revelou um outro olhar, distinto de todos os outros que já havia tido da feira.

domingo, 9 de novembro de 2008

O dragão rei e as rainhas leoas (ou Da Felicidade...)

Mais uma vez, atraso com as minhas impressões. Desta vez, não há Máquinas, Redes ou Arquétipos à culpar. Culpo - tão somente - o espírito da indolência que de mim se apossou esta semana (isto ainda é transferêcia de culpa, certo? Ficarei calado, desta vez...).

Para melhor configurar o dia 4, relembro o 28 do passado mês. Esperando levar o novo aos velhos, pedi a estes que trouxessem aos encontros poemas ou músicas, cantigas ou anedotas, composições ou empréstimos. Enfim, faríamos algo com aquele algo já feito. Decompor a composição. Expirar a inspiração. E aqui eu demonstro meu desencanto com o feitiço que não encantou. Não foi lá estas coisas! Nem cá!!! Sem lá nem cá para colocar os pés no chão, o sonho não encontrou lugar para acordar. O próprio Monteiro não fez sua rotineira sessão de exercícios, talvez esperando que a semente frutificasse.

"A letra mata", disse Paulo De Tarso, "o espírito é que vivifica". Letras demais, alma de menos. A reunião transcorreu morgada, esperançosa que o milagre redentor do fim viesse nos elevar. E o fim chegou! Chegou junto a senhoras felinas, jubilosas com suas jubas. Inicia-se, então, uma conversa pra lá de dialéctica entre o Rei e as Rainhas. Chamas e garras, urros e rugidos, disfarçados de academicismos e afins...

Poderia terminar o relato aqui, mas não o farei. Dentre todos os poemas, todas as criações, todas as aberturas, chamou-me a atenção, em especial, este escrito da Dona Helena:

FELICIDADE

Diz o Mestre:
Muita gente tem medo da felicidade. Para estas pessoas, esta palavra significa mudar uma série de hábitos e perder sua própria identidade. Muitas vezes, nos julgamos indignos das coisas boas que acontecem conosco. Não aceitamos, pois que aceitá-los nos dá a sensação de que estamos devendo alguma coisa a Deus. Pensamos: "É melhor não provar o cálice da alegria, porque, quando este nos falta, iremos sofrer muito". Por medo de diminuir, deixamos de crescer. Por medo de chorar, deixamos de rir.

Não farei reflexões mil sobre o texto. Deixo a ascese pesada para os senhores. Mas só para bem-fechar a Gestalt, comento um comentário do Monteiro sobre a cor do tecido de uma senhora, levemente divergente aos demais: "É diferente. Mas, tudo misturado, passa batido..."

Só dançando, mesmo!

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Memória e Sociedade

Memória e Sociedade
Ecléa Bosi

“O velho não tem armas. Nós que temos de lutar por ele.” (Ecléa Bosi)
TEMA E VARIAÇÕES
A mulher, a criança e o velho não são classes: são antes aspectos diversificados e embutidos por entre as classes sociais. Assim como não se pode falar, com prioridade, em classes de artistas ou de cientistas. Estes, como aqueles, pertencem a uma ou outra classe social que o configura e deles exige definições.
Já se sabe: o que define a classe social é a posição ocupada pelo sujeito nas classes objetivas de trabalho. (p. 11)

1. MEMÓRIA-SONHO E MEMÓRIA-TRABALHO

AÇÃO E REPRESENTAÇÃO
O sentimento difuso d apropria corporeidade é constante e convive, no interior da vida psicológica, com a percepção do meio físico ou social que circunda o sujeito. (p. 44).
Ação e representação estariam ligadas ao esquema geral corpo-ambiente: positivamente, a ação, negativamente, a representação. (p. 45)

O “CONE” DA MEMÓRIA
A memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere o processo “atual” das representações. (p. 46)
O que o método introspectivo de Bergson sugere é o fato da conservação dos estados psíquicos já vividos; conservação que nos permite escolher entre as alternativas que um nove estímulo pode oferecer. (p. 47)
Bergson afirma: “é do presente que parte o chamado ao qual a lembrança responde”. (p. 48)

AS DUAS MEMÓRIAS
O passado conserva-se e, além de conservar-se, atua no presente, mas não de forma heterogênea. De um lado, o corpo guarda esquemas de comportamento de que se vale muitas vezes automaticamente na sua ação sobre as coisas: trata-se da memória-hábito, memória dos mecanismos motores. De outro lado, ocorrem lembranças isoladas independentes de quaisquer hábitos: lembranças isoladas, singulares, que constituiriam autênticas ressurreições do passado. (p. 48)
A memória-hábito faz parte de todo nosso adestramento cultural. (p. 49)
Na tábua de valores de Bergson, a memória pura, aquela que opera nos sonhos e na poesia, está situada no reino privilegiado do espírito livre, ao passo que a memória transformada em hábito, assim como a percepção “pura”, só voltada para ação iminente, funcionam como limites redutores da vida psicológica. A vida activa aproveita-se da vida contemplativa, e esse aproveitar-se é, muitas vezes, um ato de espoliação. (p. 51)

HALBWACHS, OU A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
Halbwachs não vai estudara memória, como tal, mas os “quadros sócias da memória”. Nessa linha de pesquisa, as relações a serem determinadas já não ficarão adstritas ao mundo da pessoa, mas perseguirão a realidade interpessoal das instituições sociais. (p. 54)
O instrumento decisivamente socializador da memória é a linguagem. (p. 56)
As convenções verbais produzidas em sociedade constituem o quadro ao mesmo tempo mais elementar e mais estável da memória coletiva. (p. 56)

A MEMÓRIA DOS VELHOS
Para Halbwachs, bem outra seria a situação do velho, do homem que já viveu sua vida. Ao lembrar o passado ele está se ocupando consciente e atentamente do próprio passado, da substância mesma da sua vida. (p. 60)
Na sociedade em que vivemos, é a hipótese mais geral de que o homem ativo (independentemente de sua idade) se ocupa menos em lembrar, exerce menos frequentemente a atividade da memória, ao passo que o homem já afastado dos afazeres mais prementes do cotidiano se dá mais habitualmente à relação do seu passado. (p. 63)

MEMÓRIA, CONTEXTO E CONVENÇÃO
A “convencionalização” é, a rigor, um trabalho de modelagem que a situação evocada sofre no contexto de idéias e valores dos que a evocam. (p. 66)
A elaboração grupal comum seria decisiva. Sem ela, tenderia a reproduzir-se com mais força o teor da “primeira impressão”, matéria daquela lembrança-imagem e da “memória pura” de Bergson. Com ela, ao contrário, a primeira impressão ficaria cancelada e substituída pelas representações e idéias dominantes inculcadas no sujeito (hipótese de Halbwachs), ou apenas amortecida no inconsciente, de onde poderia sair durante o sonho e nos raros momentos de livre evocação (hipótese de Bergson). (p. 67)
Para William Stern, a unidade pessoal conserva intactas as imagens do passado, mas pode alterá-las conforme as condições concretas de seu desenvolvimento. (p. 68)
O único modo concreto de sabê-lo é levar o sujeito a fazer sua autobiografia. A narração da própria vida é o testemunho mais eloquente dos modos que a pessoa tem de lembrar. É a sua memória (p. 68)

2. TEMPO DE LEMBRAR

MEMÓRIA E SOCIALIZAÇÃO
Integrados em nossa geração, vivendo experiências que enriquecem a idade madura, dia virá em que as pessoas que pesam como nós irão se ausentando, até que poucas, bem poucas, ficarão para testemunhar nosso estilo de vida e pensamento. Os jovens nos olharão com estranheza, curiosidade; nossos valores mais caros lhes parecerão dissonantes e eles encontrão em nós aquele olhar desgarrado com que, às vezes, os velhos olham sem ver, buscando amparo em coisas distantes e ausentes. (p. 75)
Em nossa sociedade, os fracos não podem ter defeitos; portanto, os velhos não podem errar. Deles esperamos infinita tolerância, longanimidade, perdão, ou uma abnegação servil pela família. Momentos de cólera, de esquecimento de fraqueza são duramente cobrados aos idosos e podem ser o início de seu banimento do grupo familiar. (p. 76)

A VELHICE NA SOCIEDADE INDUSTRIAL
A velhice é uma categoria social. (p. 77)
Quando as mudanças históricas se aceleram e a sociedade extrai sua energia da divisão de classes, criando uma série de rupturas nas relações entre os homens e na relação dos homens com a natureza, todo sentimento de continuidade é arrancado de nosso trabalho. Destruirão amanhã o que construiremos hoje. (p. 77)
Quando se vive o primado da mercadoria sobre o homem, a idade engendra desvalorização. A racionalização, que exige cadências cada vez mais rápidas, elimina da indústria os velhos operários. (p. 78)
A criança sente voltar para si os reflexos de amor que sua imagem desperta. O velho, a contrário, não pode realizar sua imagem, concebê-la como é para ou outros. (p. 79)
Como deveria ser uma sociedade para que na velhice, o homem permaneça um homem? A resposta é radicalmente para Simone de Beauvoir: “Seria necessário que ele sempre tivesse sido tratado como homem”. (p. 81)

HISTÓRIA DE VELHOS
A civilização burguesa expulsou de si a morte; não se visitam moribundos, a pessoa que vai morre é apartada, os defuntos já não são mais contemplados. (p. 88)
Os agonizantes, diz Benjamin, são jogados pelos herdeiros em sanatórios e hospitais. Os burgueses desinfetam as paredes da eternidade. (p. 88) O narrador está presente ao lado do ouvinte. Suas mãos, experimentadas no trabalho, fazem gestos que sustentam a história, que dão assa aos fatos principiados pela suas voz. Tira segredos e lições que estavam dentro das coisas, faz uma sopa deliciosa das pedras do chão, como no conto da Carochinha. A arte de narrar é um a relação alma, olho e mão: assim transforma o narrador sua matéria, a vida humana. (p. 9
O narrador vence a distância no espaço e volta para contar suas aventuras num cantinho do mundo de onde suas peripécias têm significados:
Quando no mundo é mocidade,
verde a árvore, moça a natureza;
e cada ganso te parece um cisne;
e cada rapariga um princesa;

Venham minhas esporas, meu cavalo!
Vou correr mundo em busca da alegria!
O sangue moço quer correr, ardente,
e cada criatura quer seu dia...

Nas frias tardes da velhice, quando
é parda toda árvore que vive;
em que todo desporto é já cansaço,
e toda a roda corre na declive;

Oh! Volta, à casa, busca o teu cantinho,
vai, mesmo assim, cansado e sem beleza:
lá acharás o rosto que adoravas
quando era jovem toda a natureza.
(Holderlin, em trad. De Manuel Bandeira)
Meu dia outrora principiava alegre,
No entanto, à noite eu chorava. Hoje, mais velhos,
Nascem-me em dúvida os dias, mas
Findam sagrada, serenamente.

Outro poema, sem autor
Ficou no adulto a nostalgia dos sentidos novos:
Tendo perdido as ânforas da infância,
ânforas que tomadas ou aspiradas
derramavam no ar a substância
de que as coisas bebiam inebriadas;

tendo perdido o verde som dos bortos
descer pelas ramagens nos silentes
degraus, ainda vejo no sol posto
o fruto ou flor fechada e rescendente.

Sonho com as espigas debulhadas
Com grãos que a luz unia ou separava
Para cobrir o chão de áureo tecido

E meus pés afundavam na dureza
Macia desses grãos que me fugia
Sem que ouvisse no ar o seu gemido.
(Clemente Rebora)
Os amigos mortos revivem em ti
E as mortas estações

Versos ditos por um velho entrevistado por Ecléa
A mão tremula é incapaz
De ensinar o apreendido

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A chama do dragão!!

Apesar de realizar todos os esforços cabíveis para chegar à reunião antes de Marcos foi em vão. não consegui. Ao chegar lá estava ele começando com o aqueciemento, os exercícios corriqueiros. eu entrei, sentei-me, e fui também me exercitar.
As brincadeiras também naõ sairam da rotina. Porém nesta terça o grupo possuía uma face nova, aliás para mim 2, mas o grupo parecia que só um senhor que lá estava era estranho. Ele paricipou do aquecimento. Entretanto, ao começar as danças, ele se sentou e não participou, alhova de uma foram para aqueles velhos dançando, rindo, de uma forma que para mim parecia indecifrável. O outro senhor qeu também não conhecia participou de tudo, demonstrava muita disposição, além de estar vestido a caráter para exercício, este senhor parecia ser muito próximo do outro que não participou.
Fiquei ali olhando para Dona Joana e Doma Francisca, duas mulheres que demonstram serem tão diferentes. Dona Joana toda arrumada, Enquanto Dona Francisca toda simples, e às vezes até condena as atitudes da amiga. Porém sempre estão ali juntas, uma amizade que as diversidades parece só acrescentar.
O senhor que terça passada recebeu aguá na boca da esposa resolveu ficar em casa dormindo. Será que para ela ir até aquele grupo, possui o mesmo significado que para sua esposa?
E dona Sefa... Mais uma vez fez questão de frisar que sua alegria é tanto por fora, quanto por dentro... E que alegria... alegria que inspira, que alivia, que oferece forças...
Marcus pediu a Dona Sefa que escolhesse 4 pessoas pra dançar com ela, na tercira rodada e ela escolheu uma senhora, a qual havia levado a neta, quando aquela de levantou para dançar, sua neta a acompanhou, mas as outras senhoras não deixaram dissendo: é só sua vó.
Esta terça, o pessoal do Lions chegou muito cedo, o que impossibilitou de ficarmso mais tempo lá. Quando James perguntou a eles se haviam levado o poema, ninguém lembrou de levar. E alguns idosos vieram me perguntar o que era um poema.
BOm, após relatar o contato com os idosos, agora posso explicar o porquê da chama do dragão. Como o pessoal do lions chegaram mais cedo e já ficaram lá com os idosos, voltamos com Marcus. Ele entrou no carro e nós saímos do clube, ao chegar na porta ele já havi aligado o carro, e nós estávamos na porta, até que ele gritou: venham! E nós entramos no carro. ele perguntou-nos: pensou qeu iria deixar vocês? e assim completou: Eu não. Marcus Monteiro só tem um, eu sou único...
Adorei essa pérola, e como disse james: imagine se tivesse 2?

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Diário de um Bardo...

Primeiro, minhas sinceras desculpas. O meu computador - que possui mais personalidade que eu - não me deixava registrar, aqui, os meus (di) sabores. Meu acesso à internet estava, até agora, limitado pela vontade arbitrária da Placa-Mãe, arquetípica ou não. Então, numa Segunda-Feira à noite, aproveito o bom humor da minha Máquina, e consigo ter acesso aos nossos preciosos arquivos. Relato, agora, as minhas experiências de quase-uma-semana atrás. Eis a minha parte desta Terça...

Chego no Lyons. Sim! Começemos pelo começo, ao menos desta vez. A descrição de meus caminhamentos, literais ou não, já foram expressos em impressos anteriores (e interiores...). Focarei, neste escrito, os ocorridos na atividade e tão somente nela. Entro no clube antes das duas horas, marco sagrado para o início do ritual, mas uma conversa já estava sendo estruturada entre Marcos e os demais. Sim, os demais! Afinal, ele é que se sobressai nestes colóquios. Ouço sua lalação infinita - verdadeiro discurso ex catedra - enquanto noto os balançares de cabeça dos senhores, como uma ladainha litúrgica proferida diante do altar. Entre auto-elogios, egos inflados e megalomanias, percebo que o sumo sacerdote estava a falar de uma visita à praia, que ocorreria na Sexta, dia 24. Os velhos olhos vidravam com o passeio em potência (em ônibus da Universidade, vale salientar...), mas parece que a possibilidade pura não encontrou manifestação. Encontrando Marcos, no RESUN, Quinta, soube que o passeio estava adiado (Terças, Quintas, Sextas... partes e repartes demais...).

Voltemos. Depois da retórica nada gorgiana de nosso orador, começamos os rotineiros exercícios. Mas tentei um observar diferente. Tentei ver o que ainda não tinha visto, intrometer-me no que julgava não ser meu problema, dar importância ao que antes jogava fora. Vi o Reginaldo, menino de rugas todo franzino, receber - na boca! - um copo d´água das mãos de sua mulher. Ri com as peripécias do Seu Óto e os comentários da Cumadi Jô. Escutei, atento, as reclamações de Heloísa sobre o vestido encomendado para os eventos do grupo não possuir medidas cartesianas ao seu corpo. E, falando em corpo, embasbaquei-me com a nonidecenária Joana, tocando o chão sem dobrar os joelhos... Bem, após mais uma homilia sobre os benefícios da correta respiração, eu respiro. Suspiro. Inspiro e sou inspirado pelo que ocorre depois...

Entra em palco, cheio de atores e suas experiências, uma criança. Bela. Entre todos aqueles Serafins e Potestades, surge um querubim. Nasceu em mim, naquele agora, uma dualidade que quase me fez reminescer as idéias puras do Platão velho. Deixar o devaneio e a metáfora de lado seria o mesmo que mentir. O menino entra na roda, atravessa nossos corpos e vai até o canto do salão, buscar uma cadeira. Salta o degrau, alto demais para suas pretensões e, fechadas suas asas, fica a observar aquela realidade que não é a sua. Aquela distopia que, para ele, nunca virá-a-ser lugar comum. O menino pregou uma peça em mim, uma peça que eu não soube encenar naquele mágico teatro. E eu fiquei a vislubrar o mundo outro vivenciado por aquela criança. Olhos cansados mirando o infante. Olho vidrado fitando o além. Olhos querendo fechar e olho querendo se abrir para o que ainda não se é. Outros olhos...

sábado, 25 de outubro de 2008

Tricotando na feira

Do início da manhã anterior escrevo na manhã de hoje, sem a possibilidade de chuva a vista como aconteceu. Essa estação nos deixa sem saber como sair com esse chove-ou-não-chove, mas ainda assim a rotina não pára, a feira não pára e nem deixa de acontecer todas as sextas (com exceção nas eleições que foi numa quinta, lembro-me agora). Do mesmo jeito que tinha que continuar acordando mesmo quando até os sonhos nos pregam uma peça, que nem São Pedro quando resolve fazer chover quando se está sem guarda-chuva.
Como guardava resquícios de conversa da tarde anterior, que não foi comprida, mas suficiente pra me deixar sem voz, estava muito distraída sem notar direito a feira. Dei uma volta e sentei na praça. Sem perceber que estava envolvida, acompanhava os passos de dois homens que ainda arrumavam a banca com melancias, melões, abóboras e laranjas. Atrasados. Já quando toda a feira estava a postos, um ia buscar no carrinho-de-mão as frutas e verduras enquanto outro bem lentamente as arrumava da melhor maneira.
Em pouco tempo perco de vista o do carrinho-de-mão e o que arruma ainda lá como se o tempo pra ele não passasse. Arrumava as melancias de um jeito no chão, depois colocava umas em cima da outra, depois tirava... Nesse vai-e-vem de melancia o fiscal-todo-pompudo passa e diz pra ou usar a banca ou usar o chão porque estava no meio do caminho. O todo-pompudo não foi delicado e talvez nem fizesse questão de ser, e logo os olhares se voltaram para vê-lo falar. Nem sequer parou. Falando e andando.
Estava realmente tomando metade do estreito espaço de passagem e o homem-que-arrruma não se preocupava com isso ou nem prestou atenção que aquilo ali começava a engarrafar. Engarrafamento humano é engraçado, ainda bem que as pessoas não têm buzina e os obstáculos do caminho eram melancias e não buracos. Nem as reclamações do menino do carrinho-de-mão que se apertou pra passar nem o comentário maldoso do vendedor-ambulante-de-bebidas sobre o quanto estaria pagando pra deixar as coisas no meio do caminho fizeram efeito quanto o todo-pompudo. Afinal, ele tem uma camisa preta com um FISCAL enorme em letras grafais brancas.
Não faça feira de cabeça quente! Beba gelada! – grita o vendedor-ambulante-de-bebidas.
E se não tiver gelada? – grita uma voz de não-sei-onde.
Bebe uma quente!
Uma gelada! Esse aí é esperto viu. Uma gelada naquele calor até que não era mal, mas a minha viria à noite.
Saio dali pra ver o que vejo pela frente. Compro erva pra chá. Tropeço num tomate estragado. Esbarro numa pequena na frente. Desculpas. E sigo adiante. Á frente Zefinha e a mulher-das-bugingangas. Pergunto como está Zefinha que me diz que está bem, mas que se queimou com a água quente do caranguejo e me mostra o colo queimado. Diz que na sexta passada “o menino” (se referia a João) perguntou por mim e eu não voltei mais, quando disse que voltava. Logo dali vem a mulher das bugigangas dizendo que tinha pensando em mim agora e perguntou sobre o menino bonitinho do cabelo enrolado.
Chamo pra sair do sol e as duas vão sentar comigo. Conversa vai, conversa vem, o assunto sobre crochê aparece quando Naninha (é como se chama a outra) vem de lá com uma blusa e umas agulhas. Digo que aprendi a fazer essa semana e as duas desatam logo a falar que faziam de tudo! Zefinha disse mesmo que tinha um monte de linha que nunca tinha usado por pena, mas o ladrão roubou tudo. Pra usar por ela, possivelmente. Sei que foi um tricotar sem fim, mesmo o assunto sendo crochê e não tricô, já que as outras duas não sabiam fazer, só eu mesmo. Falo que queria aprender a fazer uma florzinha pra pôr no cabelo. E não é que a mulher me tira uma linha de não sei onde, parecendo gato Félix que tira tudo da bolsa, e começa a me ensinar como se faz.
Enquanto trabalhavam, eu aprendia a florzinha. Mas fui logo interrompida pela ameaça de São Pedro e me prontifiquei a ajudar Naninha nas pressas desarrumar tudo. Chuva! E das boas! Nos protegemos na banca da Zefinha e foi quando Naninha perguntou o que eu tanto fazia ali na feira toda sexta. Fui simples, a relutância em me identificar ainda está presente, e falei que era pra estudar como a feira funciona e que converso com as pessoas porque gosto. É uma pesquisa? Pesquise eu! Disse ela. Ri e levei as duas na risada comigo e não falei mais nada. Esperta essa!
Aproveitei a trégua da chuva pra ir para o ponto de ônibus. Despedi-me das duas com Zefinha me perguntando se vinha na próxima sexta e Naninha mandando levar mais linha pra me ensinar mais coisas. Explico que vou viajar e que só as vejo na outra sexta. O sol já vinha de lá pra esquentar tudo de novo. Acho graça dessa estação que não sabe o que quer e como me identifiquei na hora com isso. Entro no ônibus rindo sozinha de canto de boca. Bom dia!
Foi disso que me fiz essa sexta.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Cidade e Campo

Segui Marco Polo, o viajante veneziano, por alguns poucos quilômetros até chegarmos à Contemporânea, cidade do atual. Sob o sol escaldante procuramos um lugar para comer e dormir; bastava-nos isso, aquilo que é fundamental ao corpo, o simples e básico. Porém, encontramos suntuosos hotéis sem cama, onde havia festa o dia inteiro e ninguém dormia ou se alimentava. Buscamos em grande parte, mas vencidos pelo cansaço, alojamo-nos numa praça ao anoitecer.

A cidade não parava, mergulhada em seu movimento não éramos notados pelos olhos que saltavam sobre nós; indiferentes cada hora que passava pareciam ainda mais distante. Então, como que em balbucios, Polo diz: - Das cidades que visitei, Contemporânea é a que se distancia mais depressa, são estes seus signos, esta é sua simbologia. Pensei sobre aquela frase com cuidado até que minhas ultimas forças sumissem. Guardei-a comigo.

Pela manhã acordamos em meio à movimentação frenética. Era uma feira! Será que Contemporânea havia se distanciado em demasia durante a noite abrindo um buraco no espaço e tempo onde havíamos caído sem nem ao menos perceber? Caminhamos abobalhados com tamanho paradoxo entre as imagens e as sensações do atual e da noite anterior, quando a cidade ficava mais e mais distante. Eis que vimos um velho senhor sentado em um banco com seu violão contando versos para algumas crianças, logo, paramos para atentar.

As palavras musicadas diziam sobre História, uma cidade mais antiga que Contemporânea e bastante diferente. História era uma cidade de proximidades, nada além de dois quilômetros de distância, todos se sentiam visinhos, a vida se dava nos arredores. Sua arquitetura e urbanismo falavam de relações das pessoas que a habitavam, ruas estreitas, pequenas casas variadas de um só cômodo, separação pouco nítida entre o público e o privado – talvez até mesmo desconhecida. A cidade era o símbolo do encontro, aonde as pessoas iam para trocar, a cidade era o símbolo dos símbolos. Porém, ainda não distante daquilo que garantia sua condição de ser vivo: o campo.

Não entendi ao certo se o velho disse que Contemporânea apareceu da palavra distante, ou se tudo se deu ao contrário, quando apareceu Contemporânea fundou-se a palavra distante. No entanto, a relação entre História e Contemporânea era conflituosa, pouco a pouco a primeira, submetida à força da segunda, viu suas práticas e símbolos desaparecerem ou serem capturados. Contemporânea substituiu gradualmente o conjunto simbólico que era característico de História, implementando práticas e símbolos do distanciamento: enquanto História tinha ruelas estreitas, o que tornava as pessoas mais próximas, Contemporânea alarga suas ruas, distancia suas margens de passantes menos abastados permitindo o fluxo de veículos abastados transitar rapidamente, por exemplo. As duas dizem de modos de subjetivação diferentes, o que significa que nem uma, nem outra devem ser naturalizadas, porém circunstanciais.

A feira acabou, e o que a substituiu foi um fluxo louco de carros e gentes indo nas mais diversas direções sem dar nó, era Contemporânea que não havia sumido apenas distanciado. Marco Polo sugeriu irmos à próxima cidade, pois estas são feitas de folhas, flores e frutos, quase nada têm de raiz. Disse-lhe que é preciso demorar-se e ver nas fissuras as cidades invisíveis dentro da cidade.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Quintana para ruminar...

Do Mal da Velhice
Chega a velhice um dia... E a gente ainda pensa
Que vive... E adora ainda mais a vida!
Como o enfermo que em vez de dar combate à doença
Busca torná-la ainda mais comprida...


Das Corcundas
As costas de Polichinelo arrasas
Só porque fogem das comuns medidas?
Olha! Quem sabe não serão as asas
De um anjo, sob as vestes escondidas...

O Velho do Espelho
Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse

Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto...é cada vez menos estranho...
Meu Deus, Meu Deus...Parece
Meu velho pai - que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar - duro - interroga:
"O que fizeste de mim?!"
Eu, Pai?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga...Que importa? Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!-
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...

Recordo ainda
Recordo ainda... e nada mais me importa...

Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Dois ditos

Bruna diz:

Neste dia, 10/10 enquanto me dirigia à feira decidi que a minha prioridade seria conversar com os feirantes. Assim que cheguei me deparei com uma senhora que vendia panos e perguntei por onde começava a feira, ela disse: “Começa daqui!”( do lado da caixa de água) agradeci e segui em frente.
Enquanto caminhava por entre as barracas em um dia pouco movimentado, pois era um dia de chuva resolvi parar e conversar com dois senhores que vendiam bugigangas. Assim que me aproximei deles me identifiquei como estudante de psicologia que estava ali fazendo um trabalho. Posso dizer que da conversa sairam coisas bem interessantes como, por exemplo, um deles me disse que a feira não tem como deixar de existir senão aquele povo todo não teria em que trabalhar, disse também que supermercado é coisa para rico que quer tudo empacotadinho e mais caro., que com eles é diferente, se o que eles vendem tem um preço quando o comprador pede eles dão um jeitinho e fazem por um preço mais barato.
Adiante, já na parte central da feira, parei para conversar com outra vendedora, perguntei a ela por onde começava a feira. Ela disse que para ela começava do lado da avenida (lado oposto ao que a primeira vendedora me respondeu). Mesmo já tendo para si sua definição de início e fim ela me disse que na realidade tanto fazia, podia ser de um lado ou do outro.
O que posso dizer é que com essa minha última visita me senti diferente das outras vezes. Não me sentii como uma estranha dentro de um grupo mas alguém que estava começando a sentir e interagir com tudo aquilo que estava a sua volta.

João diz:

Por volta de 8:30 cheguei para mais um dia de feira, na já conhecida rua, porém não menos causadora de estranhamentos. Conhecida sim, enquanto seus entornos geográficos e algumas de suas caras, suas regularidades que configuram um cotidiano matutino da sexta-feira, no entanto aberta ao acaso. Parei o carro onde parei na semana passada, na rua em frente à sorveteria separada da avenida de grande movimentação. Desta vez, como da outra, dois garotos me abordaram oferecendo uma olhada no carro, um deles disse para o outro – esse é meu porque tomei conta dele na semana passada. Desci do carro rindo e perguntei – lembra de mim, rapaz? – lembro sim, meu patrão... Teci uma rápida conversa com ele enquanto andava pela rua perguntando se eles decidiam a respeito dos carros sempre assim, se eles ficavam sempre por ali e se conheciam os outros garotos que tomavam conta dos carros no outro lado da rua, ao que ele respondeu dizendo que quando um carro chegava por ali, era de quem falasse primeiro, e que ficavam sim sempre daquele lado e não conheciam o pessoal do outro lado não.
Ao entrar na feira, vejo Mairla sentada nas escadas da sorveteria atrás duma banca conversando com um senhor e uma senhora, finjo não perceber e ando um pouco mais para frente, mas a curiosidade é grande e resolvo voltar. Sento também ao lado e parecem bem entrosados e animados na conversa. O senhor, Seu Joselito se não me engano, é bastante receptivo. Me informo do que mairla já havia feito até o momento e me sinto um tanto deslocado frente a relação e as conversas em formação ali, lembro então que precisava procurar limões. Daí, saio andando tranqüilo por entre as barracas em busca de limão, mas os poucos que encontro estavam muito miúdos, noto que também as tangerinas de cor laranja vivo e casca engraçada estão em falta. Ando mais até a praça dos banheiros químicos, estavam lá e eram três, de portas fechadas, não sei se em uso ou trancados por outros motivos. Os bares abrem suas portas bem cedo (a checar se somente às sextas), e sempre tem gente bebendo, isso me chama bastante atenção, por ser uma cena para mim bonita. Andando vejo alguns fiscais entregando tickets aos feirantes em troca de uma quantidade em dinheiro. Volto para a banca da frente onde estavam conversando mairla e o seu joselito.
Minha participação na conversa começa ainda afrouxada, parece que precisei ligar algo ainda desligado da sociabilidade, no entanto, após certo tempo, produzimos um bom diálogo. Falamos não só da feira, mas também de seus filhos e seu modo de criação bastante solto, como dizia ele: não adianta a pessoa estudar uma coisa e não gostar, forçar o cara entrar na faculdade e trabalhar pra ganhar dinheiro... cada um tem um dom e sabe pra o que nasceu. Contou então de uma filha que também trabalhava lá com a esposa e que até hoje perguntam o porquê dela não ir mais à feira do castelo branco. Isso porque ela tinha a ginga, tinha a manha que se deve ter para vender na feira, coisa que ele próprio não tem, disse, e por isso ninguém parava na barraca – no momento a esposa tinha ido falar com uma prima que também trabalhava na feira o que demorou um bocado até -, de fato o movimento não foi intenso enquanto eu estive conversando com ele. Disse ainda que trabalha como eletricista em uma empresa, mas não tava afim de ir trabalhar, daí pediu dispensa e foi ajudar a mulher na feira naquele dia – ele havia levado as mercadorias de carro, mas geralmente ela ia de ônibus, em um ônibus especial onde as pessoas entulhavam de coisas para vender na feira. Perguntei se era ele mesmo que plantava o que ele vendia e disse que só o limão não havia sido plantado por ele e que todos os outros produtos foram retirados do próprio sítio, então conversamos sobre isso e ele me afirmou que a maioria das pessoas que vendem na feira não planta mais, elas simplesmente compram no Ceasa para revender nas feiras. Retomando o assunto do limão perguntei se estava em falta, ele disse que sim, que cada coisa tem sem tempo e que as pessoas não sabem respeitar esse tempo, que na entre safra ficam caros e desaparecem quase que por completo da feira. Também perguntei sobre a disposição das mesas, ao que ele me falou que cada feirante pagava por volta de oito reais por feira, uma parte à prefeitura pelo “aluguel do chão” e outra parte à empresa que disponibiliza as armações em ferro, falou também que cada feirante tem direito a faltar três dias e após o prazo as bancas vagas são remanejadas para outras pessoas. Presenciei pela primeira vez a cobrança do valor que cada um deveria pagar, primeiro veio fiscal da prefeitura e cobrou dois reais de seu joselito, pois este usava além do espaço da banca o chão com alguns produtos, um real para cada espaço, depois veio o fiscal das bancas e cobrou sete reais pela utilização da armação.
Conversa vai conversa vem, a esposa de seu joselito, dona finha, voltou com uma garrafa de água que fora comprada em algum dos bares. Não me ofereceram, pelo contrário puseram água em um copo e me deram, dividiram a água entre as pessoas mais chegadas ali, outros vendedores, alguns garotos do carrego de mercadorias e os dois meninos que estavam tomando conta do meu carro. Havia pão também em cima da banca, para consumo próprio, e dona finha também trouxera alguns pedaços de requeijão. Um dos meninos do carrego saiu em direção à mercearia do outro lado da avenida e voltou com uma coca-cola. Pronto, aquele foi o lanche de algumas pessoas que estavam ali, cada qual com seu pedaço de pão com requeijão e um copo de refrigerante, os meninos que tomavam conta do meu carro também comeram, dessa vez me ofereceram, mas não aceitei. Então começou a chover.
Uma cena que ainda não tinha visto na feira aconteceu, a chuva era forte e a feira parou. Todos muito junto desprevenidos procurando proteger-se da água que caía forte, feirantes, carregadores, consumidores, meninos dos carros, todos apinhados embaixo das frágeis lonas que cobriam as armações de ferro. Os corredores da feira esvaziados e os corpos movendo-se sutilmente em busca da melhor proteção. Algo havia fraturado os movimentos da feira. No entanto, após o “dilúvio” veio o burburinho, foi a chuva dando trégua e as pessoas retornando aos movimentos e afazeres. Aproveitei o momento para andar novamente por trás das barracas, despedi-me de seu joselito e voltei a andar pelos quintais da feira. Muita água empoçada, lama, restos “ruins” das mercadorias jogadas atrás das bancas, escamas, ossos, alguns cabos de máquinas elétricas utilizadas pelos feirantes estendidos no chão por entre o lixo e a lama, vários baldes de água com múltiplas utilidades – desde lavar pratos até reservatório de facas -, alguns cães devorando os restos de carnes que haviam caído anteriormente e a cara de estranhamento de alguns poucos feirantes que percebiam meu trajeto não natural de comprador. Andando, vi um esgoto que borbulhava entupido, transbordando água que corria para o outro lado da rua, por trás das bancas carregando mais dejetos e entupindo outras entradas. Após a chuva, o cheiro de lixo fortalece, mas mesmo assim não é motivo para interromper a feira que parece não se incomodar. Volto ao trajeto normal pelo corredor entre as barracas e vou andando em direção ao carro. Os garotos prontificam-se a me ajudar a sair da rua e recebem cada um um real, e eu recebo um “até sexta que vem”.