terça-feira, 14 de junho de 2011

A PESQUISA ETNOGRÁFICA EM PSICOLOGIA SOBRE A COMPLEXA REALIDADE DO COTIDIANO

Bibliografia: SATO, Leny; SOUZA,Marilene Proença Rebello de. Contribuindo para desvelar a complexidade do cotidiano através da pesquisa etnográfica em Psicologia. Psicol. USP. São Paulo, v. 12. N. 2., 2011.


Esse texto vem trazer algumas idéias a partir do artigo de Leny Sato em que trata da abordagem etnográfica em pesquisa nos locais de trabalho em contextos urbanos na sociedade ocidental. Enfatiza sobre dois aspectos: o estar no campo e a coleta de dados. Sato faz no final de seu artigo uma distinção de “dado” como “algo imediato e não construído”, por “fato”, que designa “coisa ou ação feita”, preferindo este seguindo uma concepção construtivista. Eu acredito na produção coletiva desses dados, já que etnografia afirma a convivência do pesquisador no campo, construindo uma experiência de onde se depreenderia tais “dados”.

Sato vem afirmar que a etnografia é um método de pesquisa que tem origem na Antropologia Social baseada em observação participante e/ou registros permanentes da vida diária no campo. Atenta-se para os vestígios e contradições dos múltiplos processos de construção histórica, contrapondo uma suposta coerência de um sistema social ou cultural, sendo interessante levar em consideração a história local do campo.

Algumas perguntas são levantadas por Sato no trabalho de campo e as coloco da seguinte forma: o que acontece naquele cenário particular?, Que significados têm tais ações para seus atores?, Como essas e outras pessoas se relacionam nesse local?. Essa autora traz ainda a partir de Rockwell algumas características das quais algumas dou destaque: permanecer longamente no campo (faz sentido já que deve passar bastante tempo no campo e com tudo que faz parte dele) e integrar conhecimentos locais a elaboração da descrição (compreendo que esses conhecimentos são obtidos no convívio com o campo ou com alguma leitura sobre o local).

Sato traz uma idéia de universalização do exótico e do diferente encontrado no campo de que não vejo porquê acontecer, qual seu objetivo, por acaso produzir um conhecimento generalizante das particularidades? Sato traz ainda uma afirmação em seu artigo que diz de uma postura em pesquisa que merece cuidado, sobre o fato de se querer produzir hipóteses, querer interpretar a realidade, enfim, concepções que não condizem com quem acredita numa construção e invenção do conhecimento e não descobrimento de uma verdade.

Por outro lado, concordo com Sato ao mencionar que tanto o pesquisador como as pessoas do local pesquisado são pesquisadores, pois ambos fazem parte do processo de pesquisa, da experiência no campo. É claro que cada qual tem suas questões específicas como no caso das pessoas do local se interessarem em saber quem é aquele que pesquisa, porque está ali, como se pesquisa, o assunto, etc. Mas quando se tem uma convivência com o campo e seus atores, é possível afirmar que essa separação vai se desfazendo. Ao mesmo tempo é possível afirmar que não existe neutralidade no campo, bem como no processo de conhecimento, pois há uma afetação mútua de que pesquisa e é pesquisado, co-produção e transformação de ambos.

A autora menciona a possibilidade de existirem no campo pessoas interessadas e colaboradoras privilegiadas da pesquisa, que buscam informações sobre esse pesquisar, sobre a vida acadêmica, querem ajudar e contribuir com o estudo. É possível que exista(m) esse(s) personagem(ns), mas não deve ser algo convocado, mas que surja espontaneamente.

Sato ressalta também o cuidado com a inserção no campo, devendo se informar de detalhes do campo que podem fazer a diferença, mas que a meu ver se trata de uma antecipação do campo que não faz sentido, pois cada pessoa ou pesquisador constrói seu modo de estar no campo a partir do que vivencia nele. É querer fazer do campo algo em si que não cabe, pois o campo é mutável tanto quanto as pessoas que o compõem.

De fato, na experiência no campo se enfrenta dificuldades, constrói-se estratégias para lidar com aquilo que surge no campo, situações e problemas diversos. Nem por isso a inquietação deve acabar, a experiência no campo não deve ser tranquila, deve-se promover a problematização daquilo que acontece no campo, mantendo uma atenção desfocada, observar e interagir com tudo que é possível, sem se ocupar apenas em “colher informações”.

A autora levanta a questão da não utilização de instrumentos pelo pesquisador, o que traz algumas questões quanto ao o que olhar, o que registrar, etc. Essas questões, de acordo com Sato, chama a uma disciplina e rigor metodológico, devendo se norteado pela delimitação do objetivo e objeto, atenção aos diálogos no campo e acontecimentos, percebendo as contradições e ambiguidades. Sato salienta um cuidado com a diversidade dos acontecimentos como algo que dificultasse as conclusões devessem ser feitas, que devesse ser apreendido e tivesse um significado a ser desvendado. A autora afirma ainda que “os ‘acontecimentos’ independem do pesquisador, se processam e conformam o dia-a-dia do local estudado”. Nesse sentido, os “dados” se transformariam em “fatos” a partir de um processo interpretativo para se produzir sínteses da realidade estudada.

Mas me pergunto diante dessas informações: é possível antecipar o objetivo ou qualquer coisa antes de vivenciar o campo? A diversidade do campo como empecilho ou potência quanto àquilo que deve estar sendo ressaltado nas descrições? Como assim interpretar o campo, produzir um significado, impor uma verdade àquilo que acontece? Acredito que estas são posturas que dizem de uma pretensa autoridade de produção de conhecimento generalizante e simplificadora de vida social que deve ser deixada de lado, e precisam ser trocadas a favor de uma simples e atenta descrição da experiência local e particular no campo, bem como dos seus múltiplos componentes heterogêneos.