segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

diário 21 11 08 (descobrindo a associação de feirantes)

Diferente de outros dias, como havíamos resolvido na ultima sexta, fomos em dupla. Encontrei Mairla por volta de oito da manhã e voltamos pra casa próximo às onze, quase três horas se passaram sem que nos déssemos conta do tempo que o relógio marca. Nos encontramos num praça que fica por trás das bancas de frangos, a vi lá pequena sentada sozinha por trás das gentes observando. Ela me falou das pessoas que haviam notado sua presença: dois homens e suas bicicletas, quando um deles pediu para ela dar uma olhada no seu veículo enquanto comprava alguma coisa – Mairla, quem sabe virará, algum dia, guardadora de bicicletas naquela praça; os bêbados da manhã de sexta, em geral amistosos com suas garrafinhas de cachaça, pararam um instante e depois atravessaram a rua e alojaram-se na calçada do outro lado da rua. Conversamos mais um pouco sentados, quando três policiais andando como quem só toca o chão, ou talvez pisa mais forte, atravessam em meio as pessoas, os corredores da feira. As pernas nos colocaram em movimento e fomos atrás dos fardados para ver o que dava.

Seguimos mas nada se deu, imaginamos que fosse pegar ônibus no ponto para ir ao trabalho. Daí encontramos com Dona Finha e Nininha que trabalhavam sob o sol quente, como de costume, sorrisos e comovais, tudobens. Instantes depois passam novamente os policiais com dois rapazes sob os punhos cerrados e por instantes os olhos da feira voltaram-se para a cena. Perguntamos como havia sido a festa da filha de Dona Finha e Seu Juscelino sob o pretexto de comemoração de anos. Havia sido boa e fomos questionados por que não havíamos aparecido por lá, algumas desculpas e ficaprapróxima. Nininha, toda encapuzada, sob o sol quente suava, estava um tanto adoentada devido exposição solar, resolvera, então, se proteger mais enquanto no trabalho. Um tanto entristecida, porém forte, ela nos falou que na próxima semana não poderia mais vender suas coisas no chão, mesmo pagando ao fiscal o valor tributário ao uso do chão para expor mercadorias, o rapa avisara que levaria suas mercadorias apreendias se ainda estivessem utilizando o chão da manhã de sexta. Resultante, disse que venderia suas coisinhas agora no carrinho que carregava perambulando pela feira. Um problema, pois como Mairla observou, Nininha dava conta também dos produtos da banca de Dona Finha quanto esta não estava presente ou se embananava meio ao acumulo de gente.

Ah! Teve o carinha lá do carrego no dilema de levar ou não uma pochete de Nininha. Ele tentando convencê-la de pagar na próxima semana ou mais tarde, argumentou que a feira estava fraca no dia e não tinha conseguido muita coisa, o que confirmou nossa percepção anterior que a feira estava realmente mais vazia. E também algumas pessoas da fiscalização certificavam-se sobre a correta medida das balanças. Daí, de novo em movimento, fomos atrás de uma moça que, de acordo com a descrição feita a posteriori por Mairla, vestia um palmo de short e uma blusa amarela mostrando a barriga esburacada horrorosa, devo concordar com essa observação, pois vi com estes olhos que a terra há de comer. Fomos atrás, pois comentei que ela faria sucesso com os marmanjos da feira, mas não ouvimos nada e continuamos andando enquanto ela fazia suas compras. Andamos mais e passamos novamente pela praça dos banheiros químicos vendo a movimentação, alguns bebiam lá, outros descansavam, e Mairla quis voltar pela rua de trás devido olhares estranhos direcionados a nós naquela parte, mas insisti e resisti ao medo dela e voltamos pela mesma rua e nada aconteceu. Então sentamos na praça do parquinho e ficamos observando alguns homens que conversavam e tomavam pinga por ali. Penso que a feira tem mesmo destes espaços de sociabilidade que estão além da feira, juntam em um mesmo lugar crianças no parque e bêbados que bebem conversam e chamam gato, cachorro, periquito e gente de carniça. Ôh carniça! Sai daqui carniça! Então apareceu o sorveteiro pela rua e um dos meninos do carrego que estavam ali na praça comprou um e recebeu o conselho de não dar sorvete aos outros para que ele pudesse vender outros! É mole?! Demoramos-nos um bocado na praça observando ao que o corpo de Mairla respondeu com bocejos. Levantamos para acordar, enfim.

Andando novamente, vimos uma senhora com alguns papeis em mãos, ela conversava com algumas senhoras feirantes, mas não era consumidora, estava ali com outros intuitos. Rondamos, circulamos por perto como moscas de padaria para perceber seus interesses até que, conseguimos ler na página superior que ela carregava algo como “Cadastro... Associação de Feirantes”. Aquilo nos inquietou, mas não conseguimos espaço para conversar com a tal mulher. Então fomos a uma banca que vendia beiju, tapioca e bolachas. Comprei alguns biscoitos e Mairla um beiju, aproveitamos a desculpa para perguntar a senhora vendedora sobre quem era aquela mulher e o que ela estava fazendo. Ela fez uma cara feia de desconfiada e falou que era alguma coisa da associação de feirantes que estavam inventando, porém era muito cedo para saber ou dizer alguma coisa. “É, tá muito cedo ainda, muito cedo!”

Recorremos a nossa banca de conhecidos para conversar com Dona Finha sobre a tal associação. No caminho, um detalhe emergiu do campo: já havia alguns feirantes com crachás indicando participação na tal associação de feirantes. Curioso, pois não havíamos dado conta deste detalhe anteriormente e justamente as pessoas que portavam a identificação são aquelas que fazem na feira uma outra feira, aquelas que tem outros tipos de cuidados com suas mercadorias e efetuam outro tipo de marketing. Chegando à banca de nossos amigos, conversamos com Nininha sobre o que vimos, ela nos explicou que não sabia ainda direito o que era e fazia pouco tempo que haviam começado com aquilo, mas que precisava pagar dez reais por mês e que não serviria de muita coisa, pois só dava assistência ao feirante que caia doente e “quem já viu feirante cair doente? Feirante não cai doente não”. Falou, ainda, que não estavam explicando a história direito não, sabia das coisas superficialmente e que não ia ajudar em nada a ela porque de todo modo ela deveria tirar suas mercadorias do chão após o ultimato dado pelo rapa.

Aqui nos atravessa uma história enquanto estávamos novamente sentados próximos à Dona Finha e Nininha. Um certo rapaz chamado Márcio, o qual trabalha fazendo carrego de mercadorias, nos vez rir com suas histórias da feira por algum bom tempo. Contou-nos uma história de uma “veia que paga bem, mas é chata feito o infiliz”, disse ele que ela pagava dez reais por carrego, mas quando chegava à casa dela, trancava o portão e tentava evangelizar o rapaz. “Ela me vinha com uma aguinha com açúcar sem graça e uma bíblia dizendo que eu tinha que ser testemunha de Jeová. Testemunha de quê, minha veia? Eu nem tava lá, eu nem era vivo, nem conheci esse tal Jeová! Testemunha do que eu nem vi? Vou acabar é sendo acusado! Se ainda tivesse umas coisinha, um agrado, um suco, uma filhinha, umas gracinha, mas não só tem veia! São três veias morando tudo junto. Ela paga bem, é dez reais, mas também tome cinco horas de veia lendo bíblia! Pois... ninguém daqui suporta essa veia, todo mundo foge, só um veio lá que também é crente e gosta das rezas.” Daí perguntei se tinha muito disso por lá, de pessoas que o pessoal do carrego fugia: “Vixe! Muita gente! Muita gente chata mesmo!”. Então ele saiu sem se despedir pra tirar graça com outro rapaz do carrego e depois saíram os dois para trabalhar.

Também nos levantamos e fomos procurar saber mais sobre a tal associação de feirantes junto ao pessoal que já portava o crachá. Uma mulher que vendia verduras trazia escrito em seu indicativo “Diretoria”, paramos junto a ela para conversar sobre a associação e ela nos indicou ao senhor que vende queijos na banca ao lado: “Olhe fale com Antônio pra ele explicar melhor pra vocês, ele é o presidente, quem teve a idéia e criou a associação”. Antônio vende queijos em sua maior parte, mas também castanhas e biscoitos, já havíamos percebido algo diferencial em sua postura de comerciante frente aos outros feirantes: a organização da sua banca e o manejo com as mercadorias indicavam sua diferença, algo sutil, que poderia até ser chamado de “mais limpo”, mas também um outro jogo relacional com o cliente algo que trabalha também pela propaganda. Ele nos falou que criou a associação para fortalecer a classe dos feirantes que, segundo ele, estavam correndo risco, pois a prefeitura junto aos grandes supermercados estava tentando acabar com as feiras livres e transformá-las no que tinham feito com as feiras do mercado central, do augusto franco e do orlando dantas. Disse ainda que a feira é “um patrimônio cultural da humanidade” e que não poderia morrer. Além disso, falou que os associados tinham benefícios garantidos, tais quais lazer no clube cotinguiba e assistência médica na rua Bahia. A associação foi criada há apenas um mês e não possui filiações políticas, segundo o presidente, e tudo feito com iniciativa e dinheiro dele próprio. “Já existe sede com computador e tudo, inclusive e-mail, mas ainda é muito novo, a gente ainda ta conversando com o pessoal”.

Disso voltamos para a banca de Dona Finha e conversamos com Nininha contando do que ficáramos sabendo. Mesmo assim ela não mostrou muita confiança e falou que se fosse assim mesmo a idéia seria boa, mas “tem que ver, tem que ver...”. Fomos então embora, após quase três horas de feira, sem nem ao menos termos nos dado conta do tempo que o relógio marca.

3 comentários:

Juaum disse...

Digerimos esse dia à dois pelo msn, deu um tanto de trabalho pra reescrever nossa conversa sobre o que aconteceu naquela manhã. Aqui vou deixar alguns comentários tecidos durante a conversa que não entraram diretamente no texto do diário:

a gente podia explorar mais esse assunto (da associação) na feira.. to achando que não tão levanto com bons olhos isso não. eu acho que se eu fosse feirante não levaria não kkkk
mas pode ser pq a galera não tá entendendo ainda como que isso funciona. ou não tão explicando direito as coisas...
como a mulher disse: nãão, tá cedo.
é. e tem a questão que eles tem que pagar 10 reias por mês...
vc viu... os que já tava de crachá pareciam ser mais espertos, marketeiros, como diz kleber.
aqueles dois que já tavam, que vendem biscoito... eles tão sempre ali e com camisa de uma loja que eles parecem ter.
são pessoas mais informadas..
sem querer chamar os outros de tabaréus...
mas eu vejo uma diferença entre vendedores ali também.
é, isso de pagar já deixa meio pé atrás tb. dá margem a pensar que se é pra defender a gente aqui na feira pra que esse dinheiro? vai fazer o que com isso?
sim sim...
o acaso é engraçado...
essa insurgência justamente na feira que estamos frequentando
num é?
a gente vai acompanhar de perto a movimentanção desde o inicio...
isso é bom.
to achando é muito bom! haha

Mairla disse...

eu gostei muito desse ralato e desse dia.
percebeu como nossas descrições ficam bem ricas quando vamos em grupo? é muito mais divertido e sem contar que dá pra ficar comentando as coisas e não deixar o outro enjoar ou ficar com sono.

esse dia foi bom demais! muita coisa acontecendo que fez a gente esquecer das horas mesmo... só percebi o quanto tinhamos ficado na feira quando cheguei em casa porque passei o dia sem relógio!

a associação surgindo agora também foi muita sorte. além de ser mais uma forma de nos aproximarmos das pessoas, é uma questão política surgindo na feira que nos fez perceber como existem diferenças entre os próprios feirantes. o que a frequência faz né? desmistifica tudo o que imaginávamos e também nosso primeiro olhar lá no comecinho das visitas...

gostei mesmo desse relato. muito pela forma como ele foi escrito, né jão? conversamos no msn e depois você transcreveu pra cá. eu senti como se tivesse sido eu escrevendo! hahaha

e guardadora de bicicleta daquela praça foi boa viu! kkkkkkk eu apareci naquela praça essa sexta esperando aparecer alguém de bike e não veio ninguém. sai até frustada! hahahaha :P

J. Thiago disse...

WOW!!! Quanta coisa! MESMO!!! Fiquei até inebriado com o excesso de experiências que me desceram garganta abaixo! Este foi um dos relatos mais... mais-alguma-coisa que já apareceu por aqui! O excesso de exclamações não me deixa mentir, né!? Continuem, assim. Continuemos, assim...