domingo, 7 de dezembro de 2008

Diário 28 11 08 ou sobre as estórias que nos contam.

Seu Juscelino é o marido de Dona Finha, vendedora de frutas, verduras e algumas raízes. São pessoas sempre presentes em nossos relatos. Bom, desta vez que estive na feira sozinho, após andar um pouco por entre as gentes, como de costume faço, sentei próximo ao referido homem perguntando se lembrava de mim, respondeu que sim com um sorriso amistoso. Perguntei, pois era a segunda vez que encontrava com ele por lá, não é de seu costume ir à feira e ficar por lá como me relatou novamente, gostava de ir de vez em quando e observar o movimento. Não tinha o dom para ser feirante.

Desta vez conversamos mais um tanto e ele me falou coisas da feira e coisas da vida. Enquanto falávamos da festa de aniversário de sua filha, Dona Finha chegou com um saco de fava e entregou para seu Juscelino debulhar. Aproximei-me e ficamos assim os dois trabalhando para a senhora enquanto ela vendia os produtos. Não sabia que sabia debulhar fava, nunca tinha feito isso, foi algo de intuitivo e na terceira já havia entendido a melhor forma de fazê-lo: primeiro arranca uma ponta, depois retira o fio que une um lado a outro e abre para jogar os grãos na bolsa. Durante este trabalho conversamos sobre algumas coisas bastante interessantes.

Primeiro conversamos sobre a história da feira. Ele me contou que a vinte anos atrás não existia feira em Aracaju, pelo menos não daquele jeito que é agora. Falou que feira daquele tipo com bancas organizadas e acontecendo em todos os bairros havia sido trazida de fora por algum prefeito que ele não lembrava o nome, mas que já existia fora do estado, que ele já havia visto em São Paulo e no Rio quando era mais novo e viajava bastante. Disse que já morou próximo a uma feira livre lá em São Paulo e estranhou quando viu aquele tipo de coisa, pois aqui em Aracaju só existiam três feiras: uma no bairro América, outra no mercado lá no centro e mais uma chamada oficinas no Siqueira Campos. Havia mais ou menos vinte anos somente que as feiras de rua adentraram os bairros por obra de algum prefeito que copiou de fora, isso ficou burilando na minha cabeça porque pensava que a feira sempre existira nas ruas e o estado entrava a posteriori para controlar o espaço. No mínimo uma coisa curiosa.

Enquanto lá estávamos a debulhar favas, um senhor apoiado sobre uma bengala, manco, passa e cumprimenta Dona Finha e seu Juscelino. Rindo ele me conta a estória daquele senhor amarrando-a na antiga feira do mercado central. Disse que ele era conhecido antigamente como Baiano das cobras, pois, em dias de feira, portava duas cobras e uma banca vendendo remédios milagrosos, daqueles que curam de tudo, e era assim que ganhava a vida fazendo arte no passeio público. Isso ele dizia para todos, não gostava de trabalhar, não havia nascido para isso, por isso fazia remédios e arte, era na verdade um ator. Um ator, ressaltou seu Juscelino, um ator, tanto que ele continuava atuando: contou-me que não era manco nem nada, andava pela feira pedindo dinheiro dizendo-se aleijão, pois não trabalhava, antes ganhava a vida assim desde que a proibiram sua arte com as cobras. Proibiram sua arte, então ele criou outra que fosse aceita no mesmo espaço. No entanto caminhava perfeitamente, era um ator, um ator.

Seu Juscelino inferiu algumas constatações: a feira do mercado não era mais feira, segundo ele, agora ela era chata e feira tinha que ser divertida; o mercado passou por uma transformação, mas ainda tem algumas pessoas mais antigas que fazem questão de ir comprar lá, saem com cestos enormes vazios na cabeça e voltam com eles cheios. Disse novamente que na feira é preciso ter ginga para vender, ao que ele chamou de dom de feirante, um saber conquistar o freguês. Então, contou-me da sua jornada junto à dona Finha antes de ir à feira do Castelo Branco às sextas. Começam na quinta-feira a tarde comprando produtos no Ceasa, depois voltam com as coisas no carro e passam por alguns sítios próximos de onde moram para arranjar produtos mais baratos, enfim, em casa arrumam o que é de sua produção própria no carro para de manhã bem cedo, em torno de 04:00, saírem de casa e chegar às 04:30 no local da feira, só aí arrumam a barraca e esperam pela gente. Disse que essa rotina cansa e que já havia dormido duas vezes no carro desde que chegara.

Antes de sair, explicou-me ainda que dava pra viver com o dinheiro que fazia na feira, ali é sempre o começo para quem quer crescer como comerciante. E se eu me juntasse a algum amigo poderia montar uma sociedade e fazendo três feiras por semana, o que significaria três turnos numa semana, pagar a faculdade e ainda sobrava um dinheirinho pra viajar. Então depois de algum tempo de silêncio, me despedi, enquanto ele brincava com o neto que também estava por lá no dia. Disse que na próxima festa que fariam era para eu aparecer e chamar a menina, no caso mairla. Consenti com a cabeça e saí...

4 comentários:

Juaum disse...

Só pra lembrar que o texto O Funcionamento da Atenção no Trabalho do Cartografo da Virgínia Kastrup já está disponível aqui no blog na parte dos links logo alí ao lado.

Mairla disse...

hahahaha
acredita que algumas das coisas que ia relatar dessa sexta, que também fui só, apareceram aí no seu texto?

o seu juscelino me falou sobre essa história que a feira é nova aqui em aracaju e me disse também que vc não sabia. eu até falei a ele que não sabia também e ele achou até engraçado!

e o tal do bainano das cobras eu cheguei a conhecer também. ele se apresentou pra mim e contou que o ibama tomou as cobras todinhas.
disse que tinha 32 cobras em casa e levaram todas também. falou até do filho que pegou no mato uma cobra de 8 metros. perguntei se tava seguindo o caminho do pai e ele me respondeu que espera que não porque ele não quer ser preso.
aí quando cheguei em casa perguntei a minha mãe se lembrava dele... ela disse que quando era mais nova esse cara já exitia chamando atenção do povo com a cobra, no mercado e no centro. disse que todo mundo ficava em volta vendo ele dizer que a cobra era domesticada enquanto tirava no baú de madeira, colocava no pescoço, pedia pro povo tocar e por aí vai.

e as favas eu não cheguei a debulhar não! mas até que ia gostar viu! kkkkkkk x)

Lázaro disse...

Gostar...

Pense um verbo que eu gosto. E parece que o povo da feira (que nao precisa ser feirante) tambem gosta.
Inclusive de voces, tiremos como exemplo os sr JK que lembra da menina Mirla quando ela nao se se preentifica fisicamente...

Kleber disse...

entre linhas e meadas os sentidos vão se compondo. por gostos, por necessidades, por coisas (forças) sem muita explicação. penso que se a feira é nova, o hábito pór ser velho. falo desse hábito que relacionamos às biopolícias e tecnologias de higiene social. a natureza guarda suas favas em favos. há máquinas cibernéticas que debulham e condicionam em silêncio. há máquinas heteropoiéticas que debulham contando histórias, fazendo outras ainda por vir. são como favos. abraço!