quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Dois ditos

Bruna diz:

Neste dia, 10/10 enquanto me dirigia à feira decidi que a minha prioridade seria conversar com os feirantes. Assim que cheguei me deparei com uma senhora que vendia panos e perguntei por onde começava a feira, ela disse: “Começa daqui!”( do lado da caixa de água) agradeci e segui em frente.
Enquanto caminhava por entre as barracas em um dia pouco movimentado, pois era um dia de chuva resolvi parar e conversar com dois senhores que vendiam bugigangas. Assim que me aproximei deles me identifiquei como estudante de psicologia que estava ali fazendo um trabalho. Posso dizer que da conversa sairam coisas bem interessantes como, por exemplo, um deles me disse que a feira não tem como deixar de existir senão aquele povo todo não teria em que trabalhar, disse também que supermercado é coisa para rico que quer tudo empacotadinho e mais caro., que com eles é diferente, se o que eles vendem tem um preço quando o comprador pede eles dão um jeitinho e fazem por um preço mais barato.
Adiante, já na parte central da feira, parei para conversar com outra vendedora, perguntei a ela por onde começava a feira. Ela disse que para ela começava do lado da avenida (lado oposto ao que a primeira vendedora me respondeu). Mesmo já tendo para si sua definição de início e fim ela me disse que na realidade tanto fazia, podia ser de um lado ou do outro.
O que posso dizer é que com essa minha última visita me senti diferente das outras vezes. Não me sentii como uma estranha dentro de um grupo mas alguém que estava começando a sentir e interagir com tudo aquilo que estava a sua volta.

João diz:

Por volta de 8:30 cheguei para mais um dia de feira, na já conhecida rua, porém não menos causadora de estranhamentos. Conhecida sim, enquanto seus entornos geográficos e algumas de suas caras, suas regularidades que configuram um cotidiano matutino da sexta-feira, no entanto aberta ao acaso. Parei o carro onde parei na semana passada, na rua em frente à sorveteria separada da avenida de grande movimentação. Desta vez, como da outra, dois garotos me abordaram oferecendo uma olhada no carro, um deles disse para o outro – esse é meu porque tomei conta dele na semana passada. Desci do carro rindo e perguntei – lembra de mim, rapaz? – lembro sim, meu patrão... Teci uma rápida conversa com ele enquanto andava pela rua perguntando se eles decidiam a respeito dos carros sempre assim, se eles ficavam sempre por ali e se conheciam os outros garotos que tomavam conta dos carros no outro lado da rua, ao que ele respondeu dizendo que quando um carro chegava por ali, era de quem falasse primeiro, e que ficavam sim sempre daquele lado e não conheciam o pessoal do outro lado não.
Ao entrar na feira, vejo Mairla sentada nas escadas da sorveteria atrás duma banca conversando com um senhor e uma senhora, finjo não perceber e ando um pouco mais para frente, mas a curiosidade é grande e resolvo voltar. Sento também ao lado e parecem bem entrosados e animados na conversa. O senhor, Seu Joselito se não me engano, é bastante receptivo. Me informo do que mairla já havia feito até o momento e me sinto um tanto deslocado frente a relação e as conversas em formação ali, lembro então que precisava procurar limões. Daí, saio andando tranqüilo por entre as barracas em busca de limão, mas os poucos que encontro estavam muito miúdos, noto que também as tangerinas de cor laranja vivo e casca engraçada estão em falta. Ando mais até a praça dos banheiros químicos, estavam lá e eram três, de portas fechadas, não sei se em uso ou trancados por outros motivos. Os bares abrem suas portas bem cedo (a checar se somente às sextas), e sempre tem gente bebendo, isso me chama bastante atenção, por ser uma cena para mim bonita. Andando vejo alguns fiscais entregando tickets aos feirantes em troca de uma quantidade em dinheiro. Volto para a banca da frente onde estavam conversando mairla e o seu joselito.
Minha participação na conversa começa ainda afrouxada, parece que precisei ligar algo ainda desligado da sociabilidade, no entanto, após certo tempo, produzimos um bom diálogo. Falamos não só da feira, mas também de seus filhos e seu modo de criação bastante solto, como dizia ele: não adianta a pessoa estudar uma coisa e não gostar, forçar o cara entrar na faculdade e trabalhar pra ganhar dinheiro... cada um tem um dom e sabe pra o que nasceu. Contou então de uma filha que também trabalhava lá com a esposa e que até hoje perguntam o porquê dela não ir mais à feira do castelo branco. Isso porque ela tinha a ginga, tinha a manha que se deve ter para vender na feira, coisa que ele próprio não tem, disse, e por isso ninguém parava na barraca – no momento a esposa tinha ido falar com uma prima que também trabalhava na feira o que demorou um bocado até -, de fato o movimento não foi intenso enquanto eu estive conversando com ele. Disse ainda que trabalha como eletricista em uma empresa, mas não tava afim de ir trabalhar, daí pediu dispensa e foi ajudar a mulher na feira naquele dia – ele havia levado as mercadorias de carro, mas geralmente ela ia de ônibus, em um ônibus especial onde as pessoas entulhavam de coisas para vender na feira. Perguntei se era ele mesmo que plantava o que ele vendia e disse que só o limão não havia sido plantado por ele e que todos os outros produtos foram retirados do próprio sítio, então conversamos sobre isso e ele me afirmou que a maioria das pessoas que vendem na feira não planta mais, elas simplesmente compram no Ceasa para revender nas feiras. Retomando o assunto do limão perguntei se estava em falta, ele disse que sim, que cada coisa tem sem tempo e que as pessoas não sabem respeitar esse tempo, que na entre safra ficam caros e desaparecem quase que por completo da feira. Também perguntei sobre a disposição das mesas, ao que ele me falou que cada feirante pagava por volta de oito reais por feira, uma parte à prefeitura pelo “aluguel do chão” e outra parte à empresa que disponibiliza as armações em ferro, falou também que cada feirante tem direito a faltar três dias e após o prazo as bancas vagas são remanejadas para outras pessoas. Presenciei pela primeira vez a cobrança do valor que cada um deveria pagar, primeiro veio fiscal da prefeitura e cobrou dois reais de seu joselito, pois este usava além do espaço da banca o chão com alguns produtos, um real para cada espaço, depois veio o fiscal das bancas e cobrou sete reais pela utilização da armação.
Conversa vai conversa vem, a esposa de seu joselito, dona finha, voltou com uma garrafa de água que fora comprada em algum dos bares. Não me ofereceram, pelo contrário puseram água em um copo e me deram, dividiram a água entre as pessoas mais chegadas ali, outros vendedores, alguns garotos do carrego de mercadorias e os dois meninos que estavam tomando conta do meu carro. Havia pão também em cima da banca, para consumo próprio, e dona finha também trouxera alguns pedaços de requeijão. Um dos meninos do carrego saiu em direção à mercearia do outro lado da avenida e voltou com uma coca-cola. Pronto, aquele foi o lanche de algumas pessoas que estavam ali, cada qual com seu pedaço de pão com requeijão e um copo de refrigerante, os meninos que tomavam conta do meu carro também comeram, dessa vez me ofereceram, mas não aceitei. Então começou a chover.
Uma cena que ainda não tinha visto na feira aconteceu, a chuva era forte e a feira parou. Todos muito junto desprevenidos procurando proteger-se da água que caía forte, feirantes, carregadores, consumidores, meninos dos carros, todos apinhados embaixo das frágeis lonas que cobriam as armações de ferro. Os corredores da feira esvaziados e os corpos movendo-se sutilmente em busca da melhor proteção. Algo havia fraturado os movimentos da feira. No entanto, após o “dilúvio” veio o burburinho, foi a chuva dando trégua e as pessoas retornando aos movimentos e afazeres. Aproveitei o momento para andar novamente por trás das barracas, despedi-me de seu joselito e voltei a andar pelos quintais da feira. Muita água empoçada, lama, restos “ruins” das mercadorias jogadas atrás das bancas, escamas, ossos, alguns cabos de máquinas elétricas utilizadas pelos feirantes estendidos no chão por entre o lixo e a lama, vários baldes de água com múltiplas utilidades – desde lavar pratos até reservatório de facas -, alguns cães devorando os restos de carnes que haviam caído anteriormente e a cara de estranhamento de alguns poucos feirantes que percebiam meu trajeto não natural de comprador. Andando, vi um esgoto que borbulhava entupido, transbordando água que corria para o outro lado da rua, por trás das bancas carregando mais dejetos e entupindo outras entradas. Após a chuva, o cheiro de lixo fortalece, mas mesmo assim não é motivo para interromper a feira que parece não se incomodar. Volto ao trajeto normal pelo corredor entre as barracas e vou andando em direção ao carro. Os garotos prontificam-se a me ajudar a sair da rua e recebem cada um um real, e eu recebo um “até sexta que vem”.

6 comentários:

Juaum disse...

O dito de mairla foi boicotado pelas tecnologias... e só encontrei com ela hoje e fiquei sabendo disso.
bom... como o de bruna era curto, resolvir colocar os dois na integra.

Kleber disse...

Um real pra cada? Vai inflacionar o mercado de segurança, eim? brincadeira. Boas experiência na feira. É hora de começar a conversar mais e trazer a conversa para cá. Os detalhes parecem mais com a conversa que com o olhar. Vai que a observação seja uma coisa da fala trocada, mais que da vista solitária. Adiante então com a feira do Castelo Branco. Ditador envergonhado de si dos anos 60. Dizem que morreu de morte matada e não de morte morrida. Acho que foi um "acidente" de avião. Cearense e sem pescoço. Abraço!

Mairla disse...

é, quando a gente conversa com pesoas na feira a descrição fica muito mais detalhada. é mais coisa pra se dizer mesmo.
ainda falta os meus relatos. colocarei aqui em breve, pois estou com um computador temporário enquanto não chega o meu de verdade.

Jão, o que vc você conversou com o marido da finha foi muito parecido com o que ele falou pra mim. hahaha
mas diferente de você, eu comi pão com queijo, coca-cola e castanha.

ah! e só pra adiantar: última sexta eu fui novamente de carro pra feira e lembrando do que kleber tinha dito sobre a minha dificuldade, coloquei o carro já lá dentro da feira! to ficando boa nisso já!
hahahaha
:)

Juaum disse...

Eu não gosto de coca-cola, e já tinha toma do café da manhã, então fiquei na água mesmo.

Juaum disse...

ps: o nome dele é Jocelino, na verdade

Bruna_ disse...

acho que com as conversas tô me sentindo mais absorvida pela feira.