quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Como por o tempo a nosso favor

O vento tem mania em querer anunciar o tempo. O vento muitas vezes confunde tempo e clima. Por certo o vento não se aplicou nas aulas de geografia, mas como não havia muito vento na tarde de terça-feira, dia 14/10/08...
Estávamos eu, Áurea, Lázaro e Thiago sentados no Lodinho no meio da tarde. Conversávamos sobre o que havia acontecido, alguns instantes antes: nossa participação na atividades de grupo de 3ª idade no Lions Club.
Chegamos juntos ao Club. A música já era entoada. Marcus batucando e uma senhora-pássado bradando sua melodia pelo galpão. Pararam para receber e conhecer o professor Kleber, que chegava ali para trazer a Psicologia para a rotina daquela atividade. Era assim que o Marcus, o professor Marcus, apresentava seu colega de trabalho. Havia também os estudantes: Thiago, Lázaro e Áurea.
Abraços e apertos de mão. A energia em acolher foi das melhores. A simpatia espontânea dos velhinhos fazia sucumbir o tom que os rituais de recebimento proclamam. O contágio era alimentado por uma disposição de bem-querer. O professor Kleber se pôs no muro e preferiu deixar acertos semântico-institucionais para depois, junto ao professor Marcus. Talvez por desconfiar que conversa entre dragões, muitas vezes é regada a fogo. A tarde já era mordacenta e não requeria calores outros além daquilo que se transfigurava numa humanidade despretensiosa dos velhinhos.
Iniciaram-se as atividades fim. Formação de uma roda, alongamentos e exercícios. Marcus puxava a musculatura do grupo, preparando-o para as danças que se seguiriam. Alongamento; essa é uma palavra importante. Tão importante que interrompe a descrição e leva essas linhas para fora desse tempo. Essa é uma palavra que pode mover as lógicas fisio e psico num aprendizado junto ao grupo dos velhinhos.
Marcus alonga-os para que cantem e dancem dispostos e também para que seus corpos não se lastimem quando o sangue esfriar e já estejam em casa, talvez desacompanhados. Velhos de até 94 anos. Velhos já bastante alongados por experiências de dificuldade que parecem guardar em comum. As suas fisio-nomias denunciam essa condição.
Já as sua psico-logias alongam-se noutra órbita. Difícil uma representação que se adéqüe rapidamente a um sentido que se faça verdade neles e não naquele que lhes quer interpretar. A psicologia, através de um professor e três alunos, precisa de mais tempo para lidar com essa condição.
Estranho que quando se precisa de mais tempo, ele se escasseia mais rapidamente. Os minutos passam como se fossem segundos. Não é simples efetuar traduções quando se trabalha contra o relógio. Daí a possibilidade de trabalhar com o tempo a nosso favor, que se deve problematizar.
Sou estagiário nessa matéria, mas o que creio ter aprendido, vou repartir aqui. Até para saber se esse é um saber que valha a pena.
Érico Veríssimo construiu linda obra articulando O tempo e o vento. Nessa obra, lembro de Um certo capitão Rodrigo. Homem de batalhas e sem tempo para o re-pouso. Homem que não acreditava em ventos que sopravam em uma única direção e tinham a pretensão de anunciar o tempo por viver.
_ Se tem governo, sou contra!
Ele era contra o instituído e centralizado, mas não fugia das batalhas.
A psicolofia-ufs não sabe ainda o que é governo instituído e centralizado no galpão do Lions.
Precisamos batalhar para saber do governo instituído e do governo de si (ascese) do que ali se faz. Precisamos soprar quando não há vento e algumas vezes fincar os pés no chão quando este quer carregar aquilo que não podemos perder.
Não é fácil ou simples, mas precisamos aprender a aprender as pessoas. Elas se movem, por isso é tão difícil. Entretanto, com o tempo a nosso favor...
Foi isso que aprendi!

4 comentários:

Juaum disse...

Bonito texto, kleber...
me vi meio angustiado por esses dias tentando deixar meu diário o mais descritivo possível... e o que consegui perdeu um tanto de sua beleza, para mim pelo menos, enquanto texto.
o seu indica uma conciliação entre essa ética da escrita sem perder o carater descritivo de um diário.
tento eu, agora encontrar essa balança desmedida.

Lázaro disse...

Tempo, ne? Acho que, em se tratando de idosos, nada melhor.

J. Thiago disse...

Aeon... Kronós... Kairós... Tempos demais; tempo de menos. Que Fernando Pessoa fale por mim (coisa que ele faz melhor do que eu mesmo...):

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

Mairla disse...

ficou bonito mesmo esse texto.

lendo agora sobre os alongamentos e as danças... fico pensando se chego a uma idade quase assim, não uns 94 anos que acho pouco provável, mas um pouquinho menos, pra passar por um caminho de lama e ir dançar.
estranho pensar que talvez a minha geração não tenha essa disposição pro futuro, porque já vou colocando os impedimentos de agora.
será que quando esses senhores eram jovens ficavam se imaginando nessa idade dançando um samba de coco?
ai minha velhice numa roda de samba! com todos os seus convenientes, claro!
como o vento foi muito mas o tempo não acompanhou, finco meus pés no chão e continuo me alogando até que a idade chegue...

aprender a aprender as pessoas, isso é realmente muito difícil. é aprender o tempo de cada um, que este está além do cronológico porque não diz apenas sobre suas idades. é muito mais. é vento em todas as direções da rosa-dos-ventos.