sábado, 25 de outubro de 2008

Tricotando na feira

Do início da manhã anterior escrevo na manhã de hoje, sem a possibilidade de chuva a vista como aconteceu. Essa estação nos deixa sem saber como sair com esse chove-ou-não-chove, mas ainda assim a rotina não pára, a feira não pára e nem deixa de acontecer todas as sextas (com exceção nas eleições que foi numa quinta, lembro-me agora). Do mesmo jeito que tinha que continuar acordando mesmo quando até os sonhos nos pregam uma peça, que nem São Pedro quando resolve fazer chover quando se está sem guarda-chuva.
Como guardava resquícios de conversa da tarde anterior, que não foi comprida, mas suficiente pra me deixar sem voz, estava muito distraída sem notar direito a feira. Dei uma volta e sentei na praça. Sem perceber que estava envolvida, acompanhava os passos de dois homens que ainda arrumavam a banca com melancias, melões, abóboras e laranjas. Atrasados. Já quando toda a feira estava a postos, um ia buscar no carrinho-de-mão as frutas e verduras enquanto outro bem lentamente as arrumava da melhor maneira.
Em pouco tempo perco de vista o do carrinho-de-mão e o que arruma ainda lá como se o tempo pra ele não passasse. Arrumava as melancias de um jeito no chão, depois colocava umas em cima da outra, depois tirava... Nesse vai-e-vem de melancia o fiscal-todo-pompudo passa e diz pra ou usar a banca ou usar o chão porque estava no meio do caminho. O todo-pompudo não foi delicado e talvez nem fizesse questão de ser, e logo os olhares se voltaram para vê-lo falar. Nem sequer parou. Falando e andando.
Estava realmente tomando metade do estreito espaço de passagem e o homem-que-arrruma não se preocupava com isso ou nem prestou atenção que aquilo ali começava a engarrafar. Engarrafamento humano é engraçado, ainda bem que as pessoas não têm buzina e os obstáculos do caminho eram melancias e não buracos. Nem as reclamações do menino do carrinho-de-mão que se apertou pra passar nem o comentário maldoso do vendedor-ambulante-de-bebidas sobre o quanto estaria pagando pra deixar as coisas no meio do caminho fizeram efeito quanto o todo-pompudo. Afinal, ele tem uma camisa preta com um FISCAL enorme em letras grafais brancas.
Não faça feira de cabeça quente! Beba gelada! – grita o vendedor-ambulante-de-bebidas.
E se não tiver gelada? – grita uma voz de não-sei-onde.
Bebe uma quente!
Uma gelada! Esse aí é esperto viu. Uma gelada naquele calor até que não era mal, mas a minha viria à noite.
Saio dali pra ver o que vejo pela frente. Compro erva pra chá. Tropeço num tomate estragado. Esbarro numa pequena na frente. Desculpas. E sigo adiante. Á frente Zefinha e a mulher-das-bugingangas. Pergunto como está Zefinha que me diz que está bem, mas que se queimou com a água quente do caranguejo e me mostra o colo queimado. Diz que na sexta passada “o menino” (se referia a João) perguntou por mim e eu não voltei mais, quando disse que voltava. Logo dali vem a mulher das bugigangas dizendo que tinha pensando em mim agora e perguntou sobre o menino bonitinho do cabelo enrolado.
Chamo pra sair do sol e as duas vão sentar comigo. Conversa vai, conversa vem, o assunto sobre crochê aparece quando Naninha (é como se chama a outra) vem de lá com uma blusa e umas agulhas. Digo que aprendi a fazer essa semana e as duas desatam logo a falar que faziam de tudo! Zefinha disse mesmo que tinha um monte de linha que nunca tinha usado por pena, mas o ladrão roubou tudo. Pra usar por ela, possivelmente. Sei que foi um tricotar sem fim, mesmo o assunto sendo crochê e não tricô, já que as outras duas não sabiam fazer, só eu mesmo. Falo que queria aprender a fazer uma florzinha pra pôr no cabelo. E não é que a mulher me tira uma linha de não sei onde, parecendo gato Félix que tira tudo da bolsa, e começa a me ensinar como se faz.
Enquanto trabalhavam, eu aprendia a florzinha. Mas fui logo interrompida pela ameaça de São Pedro e me prontifiquei a ajudar Naninha nas pressas desarrumar tudo. Chuva! E das boas! Nos protegemos na banca da Zefinha e foi quando Naninha perguntou o que eu tanto fazia ali na feira toda sexta. Fui simples, a relutância em me identificar ainda está presente, e falei que era pra estudar como a feira funciona e que converso com as pessoas porque gosto. É uma pesquisa? Pesquise eu! Disse ela. Ri e levei as duas na risada comigo e não falei mais nada. Esperta essa!
Aproveitei a trégua da chuva pra ir para o ponto de ônibus. Despedi-me das duas com Zefinha me perguntando se vinha na próxima sexta e Naninha mandando levar mais linha pra me ensinar mais coisas. Explico que vou viajar e que só as vejo na outra sexta. O sol já vinha de lá pra esquentar tudo de novo. Acho graça dessa estação que não sabe o que quer e como me identifiquei na hora com isso. Entro no ônibus rindo sozinha de canto de boca. Bom dia!
Foi disso que me fiz essa sexta.

5 comentários:

Mairla disse...

meu diário da sexta 24/10.

=)

J. Thiago disse...

Adorei, como sempre! Sempre me imagino, ao ler os relatos de vocês, entre as moscas e moças de um castelo branco... Tentadora, também, foi imaginar a bolsa do Félix Catus como sacola para as coisas da feira! Seja pra botar, seja pra tirar...

Mairla disse...

não disse que ia usar a idéia do gato félix em alguma coisa, james?
hahahahaha x)
ah! e não sei se você notou as coisinhas dos sonhos e sobre a conversa que falo no início do texto...
lembra lembra?

Bruna_ disse...

poxa vc já tem uma certa intimidade com o pessoal da feira, isso é bom! :]Minha timidez dificultou um pouco isso
Gostei da espontaneidade da moça com o: pesquisa eu!

J. Thiago disse...

Notei sim, Mairla! Notei, sim... ;)