Do início da manhã anterior escrevo na manhã de hoje, sem a possibilidade de chuva a vista como aconteceu. Essa estação nos deixa sem saber como sair com esse chove-ou-não-chove, mas ainda assim a rotina não pára, a feira não pára e nem deixa de acontecer todas as sextas (com exceção nas eleições que foi numa quinta, lembro-me agora). Do mesmo jeito que tinha que continuar acordando mesmo quando até os sonhos nos pregam uma peça, que nem São Pedro quando resolve fazer chover quando se está sem guarda-chuva.
Como guardava resquícios de conversa da tarde anterior, que não foi comprida, mas suficiente pra me deixar sem voz, estava muito distraída sem notar direito a feira. Dei uma volta e sentei na praça. Sem perceber que estava envolvida, acompanhava os passos de dois homens que ainda arrumavam a banca com melancias, melões, abóboras e laranjas. Atrasados. Já quando toda a feira estava a postos, um ia buscar no carrinho-de-mão as frutas e verduras enquanto outro bem lentamente as arrumava da melhor maneira.
Em pouco tempo perco de vista o do carrinho-de-mão e o que arruma ainda lá como se o tempo pra ele não passasse. Arrumava as melancias de um jeito no chão, depois colocava umas em cima da outra, depois tirava... Nesse vai-e-vem de melancia o fiscal-todo-pompudo passa e diz pra ou usar a banca ou usar o chão porque estava no meio do caminho. O todo-pompudo não foi delicado e talvez nem fizesse questão de ser, e logo os olhares se voltaram para vê-lo falar. Nem sequer parou. Falando e andando.
Estava realmente tomando metade do estreito espaço de passagem e o homem-que-arrruma não se preocupava com isso ou nem prestou atenção que aquilo ali começava a engarrafar. Engarrafamento humano é engraçado, ainda bem que as pessoas não têm buzina e os obstáculos do caminho eram melancias e não buracos. Nem as reclamações do menino do carrinho-de-mão que se apertou pra passar nem o comentário maldoso do vendedor-ambulante-de-bebidas sobre o quanto estaria pagando pra deixar as coisas no meio do caminho fizeram efeito quanto o todo-pompudo. Afinal, ele tem uma camisa preta com um FISCAL enorme em letras grafais brancas.
Não faça feira de cabeça quente! Beba gelada! – grita o vendedor-ambulante-de-bebidas.
E se não tiver gelada? – grita uma voz de não-sei-onde.
Bebe uma quente!
Uma gelada! Esse aí é esperto viu. Uma gelada naquele calor até que não era mal, mas a minha viria à noite.
Saio dali pra ver o que vejo pela frente. Compro erva pra chá. Tropeço num tomate estragado. Esbarro numa pequena na frente. Desculpas. E sigo adiante. Á frente Zefinha e a mulher-das-bugingangas. Pergunto como está Zefinha que me diz que está bem, mas que se queimou com a água quente do caranguejo e me mostra o colo queimado. Diz que na sexta passada “o menino” (se referia a João) perguntou por mim e eu não voltei mais, quando disse que voltava. Logo dali vem a mulher das bugigangas dizendo que tinha pensando em mim agora e perguntou sobre o menino bonitinho do cabelo enrolado.
Chamo pra sair do sol e as duas vão sentar comigo. Conversa vai, conversa vem, o assunto sobre crochê aparece quando Naninha (é como se chama a outra) vem de lá com uma blusa e umas agulhas. Digo que aprendi a fazer essa semana e as duas desatam logo a falar que faziam de tudo! Zefinha disse mesmo que tinha um monte de linha que nunca tinha usado por pena, mas o ladrão roubou tudo. Pra usar por ela, possivelmente. Sei que foi um tricotar sem fim, mesmo o assunto sendo crochê e não tricô, já que as outras duas não sabiam fazer, só eu mesmo. Falo que queria aprender a fazer uma florzinha pra pôr no cabelo. E não é que a mulher me tira uma linha de não sei onde, parecendo gato Félix que tira tudo da bolsa, e começa a me ensinar como se faz.
Enquanto trabalhavam, eu aprendia a florzinha. Mas fui logo interrompida pela ameaça de São Pedro e me prontifiquei a ajudar Naninha nas pressas desarrumar tudo. Chuva! E das boas! Nos protegemos na banca da Zefinha e foi quando Naninha perguntou o que eu tanto fazia ali na feira toda sexta. Fui simples, a relutância em me identificar ainda está presente, e falei que era pra estudar como a feira funciona e que converso com as pessoas porque gosto. É uma pesquisa? Pesquise eu! Disse ela. Ri e levei as duas na risada comigo e não falei mais nada. Esperta essa!
Aproveitei a trégua da chuva pra ir para o ponto de ônibus. Despedi-me das duas com Zefinha me perguntando se vinha na próxima sexta e Naninha mandando levar mais linha pra me ensinar mais coisas. Explico que vou viajar e que só as vejo na outra sexta. O sol já vinha de lá pra esquentar tudo de novo. Acho graça dessa estação que não sabe o que quer e como me identifiquei na hora com isso. Entro no ônibus rindo sozinha de canto de boca. Bom dia!
Foi disso que me fiz essa sexta.
sábado, 25 de outubro de 2008
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5 comentários:
meu diário da sexta 24/10.
=)
Adorei, como sempre! Sempre me imagino, ao ler os relatos de vocês, entre as moscas e moças de um castelo branco... Tentadora, também, foi imaginar a bolsa do Félix Catus como sacola para as coisas da feira! Seja pra botar, seja pra tirar...
não disse que ia usar a idéia do gato félix em alguma coisa, james?
hahahahaha x)
ah! e não sei se você notou as coisinhas dos sonhos e sobre a conversa que falo no início do texto...
lembra lembra?
poxa vc já tem uma certa intimidade com o pessoal da feira, isso é bom! :]Minha timidez dificultou um pouco isso
Gostei da espontaneidade da moça com o: pesquisa eu!
Notei sim, Mairla! Notei, sim... ;)
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