sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Diario de campo 30/09 (na falta de um titulo melhor)



Até onde vai minha pouca experiência, acredito que escrever um diário pressupõe certa continuidade dos relatos. Um texto servindo ao seguinte como ponto de apoio, uma experiência servindo a outra exatamente como experiência.. Mas, como debutante de pesquisador, também me vejo tentado a arriscar-me no exercício da autonomia. Não se trata de abandonar uma via que parece mais ou menos pavimentada (como bem atestam as postagens de Tiago), trata-se, antes, de alargar tal via: buscar dentro dela outros caminhos, assumir riscos, exortar Dragões e enterrar fantasmas.
Foi com esse pensamento que decidi na terça-feira, dia 30/09, ir ao Lions Club Serigy para mais uma das reuniões do grupo de idosos a pé, desprezando a carona do professor Marcos Monteiro. Aliás, quero crer que essa será a única vez que farei menção a ele, afinal, não é seu trabalho, arrogância ou frustração acadêmica que nos interessa...
O fiz em parte também porque tenho a leve impressão que, mesmo interessado em estudar os motivos subjacentes que levam tais idosos a se reunirem, não podemos deixar de atestar o fato de esse senhores e senhoras só poderem ser referidos se considerados como atores e agentes da realidade daquele lugar.
Bom, enquanto torrava sob o sol escaldantes e prendia a respiração para afastar a ojeriza que me causavam os esgotos a céu aberto do Rosa Elze, tentava conceber outros modos de enxergar o grupo de idosos. Resolvi que talvez fosse uma possibilidade chegar ao encontro um pouco antes e observá-los “fora” do ambiente festivo que a reunião sempre assumia.
Em muito ajudado pela necessidade de ver-me seguro, apertei o passo e consegui chegar vinte minutos antes do horário previsto para o início das atividades. Mas, diferente daquilo que imaginava, o inicio da reunião não obedece (pelo menos para os idosos) a convenções ou horários fixos. Lá estavam 11 senhores e senhoras dançando e entoando canções do samba de coco. E eu que pensava ter chegado cedo... De verdade, isso não me causou tristeza, aguçou a pontinha de inveja curiosa que tenho em relação a esta gente.
Minha presença foi notada, mas não notabilizada. Lembrei-me, com uma ponta de decepção egoísta, da afirmação de Kleber de não sermos importantes para o grupo: eu estar ali 13: 40 ou depois das duas parecia não fazer a menor diferença. Os idosos não dançam pra mim ou para o Lions. Para quem dançam?
Quase trinta integrantes já haviam chegado e as atividades prosseguiram animadas como de costume. Fiquei algum tempo sentado, na esperança de ser chamado por alguém para a dança. Isso só reforçou minha constatação da pouca importância que minha presença tem para o grupo. Não é ter ou não um par na dança, assim como não é a música que os fazem freqüentar as reuniões. De novo, a interrogação ficou em suspenso: então, o que os motivam?
No embalo do bolero que rolava no som, levantei-me e apenas com um olhar convidei dona Helena (viúva, que mora sozinha por opção, numa casa alugada por opção) para dançar. Depois do animado bolero, ela vira-se pra mim e diz “Ai, meus tempos de nova”!. Enquanto me afasto fico pensando na frase e quase não presto atenção em Áurea elogiando a desenvoltura da idosa. À parte a grande habilidade de dançarina de Dona Helena, até agora não sei o que ela quis dizer, embora me incline a acreditar que ela se referia aos bailes de outros tempos. Nostalgia ou decepção? Não pude perguntar.
Enquanto tirava as fotos sem sequer ser percebido(L), prestava atenção aos idosos que não podiam/queriam participar das atividades. Lógica curiosa essa: andar sobre um sol de escaldar, para ficar sentado durante uma hora, apenas assistindo. Fiquei com vontade de perguntar se eles se divertiam estando ali, mas não podia.
Fiquei ainda um pouquinho assistindo as atividades desenvolvidas pela direção do Lions, esperando encontrar não sabia o quê. De repente, tomei noção de que já havia encontrado aquilo que nem sabia que procurava. Cheguei com a pretensão de achar respostas, sai com ainda mais perguntas. O que me fez ver isso? Uns versinhos declamados por dona Zefa, de noventa e quatro anos:
“Quando eu lhe tinha, apartei
No riacho da alegria.
Quando choravam meus olhos,
O riacho corria.”
Decidi ir embora, mas antes de sair fui lá pertinho dela e pedi pra ela declamar novamente, enquanto copiava. Ela riu com desdém e falou pausadamente. Agradeci, dei-lhe um beijo e sai. Guardei a folha. Quero ver se aprendo.

3 comentários:

J. Thiago disse...

Bom! Muito bom texto, Lázaro! É uma pena não termos refletido (sobre) as luzes que em nós caíram neste último dia de Setembro. Adorei suas intuições e, quando bons tempos chegarem a mim, poderei ruminar minhas próprias compreensões...

Aurea disse...

foi muito divertido esse dia, especialmente o tango que dancei. a cada dia qúe passa nossos questionamentos aumentam.

Kleber disse...

quando algo dá em poesia, aposto que seja bom para avida. Mesmo que não agrade ao imediato.
Reflexão e relato juntos dão um tom interessante aos textos que estão sendo produzidos. Temos que ter atenção para aquilo que se quer filosofia e poesia, não se faça psicologia. Temos também que fazer antropologia. Abraço!