quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Cidade e Campo

Segui Marco Polo, o viajante veneziano, por alguns poucos quilômetros até chegarmos à Contemporânea, cidade do atual. Sob o sol escaldante procuramos um lugar para comer e dormir; bastava-nos isso, aquilo que é fundamental ao corpo, o simples e básico. Porém, encontramos suntuosos hotéis sem cama, onde havia festa o dia inteiro e ninguém dormia ou se alimentava. Buscamos em grande parte, mas vencidos pelo cansaço, alojamo-nos numa praça ao anoitecer.

A cidade não parava, mergulhada em seu movimento não éramos notados pelos olhos que saltavam sobre nós; indiferentes cada hora que passava pareciam ainda mais distante. Então, como que em balbucios, Polo diz: - Das cidades que visitei, Contemporânea é a que se distancia mais depressa, são estes seus signos, esta é sua simbologia. Pensei sobre aquela frase com cuidado até que minhas ultimas forças sumissem. Guardei-a comigo.

Pela manhã acordamos em meio à movimentação frenética. Era uma feira! Será que Contemporânea havia se distanciado em demasia durante a noite abrindo um buraco no espaço e tempo onde havíamos caído sem nem ao menos perceber? Caminhamos abobalhados com tamanho paradoxo entre as imagens e as sensações do atual e da noite anterior, quando a cidade ficava mais e mais distante. Eis que vimos um velho senhor sentado em um banco com seu violão contando versos para algumas crianças, logo, paramos para atentar.

As palavras musicadas diziam sobre História, uma cidade mais antiga que Contemporânea e bastante diferente. História era uma cidade de proximidades, nada além de dois quilômetros de distância, todos se sentiam visinhos, a vida se dava nos arredores. Sua arquitetura e urbanismo falavam de relações das pessoas que a habitavam, ruas estreitas, pequenas casas variadas de um só cômodo, separação pouco nítida entre o público e o privado – talvez até mesmo desconhecida. A cidade era o símbolo do encontro, aonde as pessoas iam para trocar, a cidade era o símbolo dos símbolos. Porém, ainda não distante daquilo que garantia sua condição de ser vivo: o campo.

Não entendi ao certo se o velho disse que Contemporânea apareceu da palavra distante, ou se tudo se deu ao contrário, quando apareceu Contemporânea fundou-se a palavra distante. No entanto, a relação entre História e Contemporânea era conflituosa, pouco a pouco a primeira, submetida à força da segunda, viu suas práticas e símbolos desaparecerem ou serem capturados. Contemporânea substituiu gradualmente o conjunto simbólico que era característico de História, implementando práticas e símbolos do distanciamento: enquanto História tinha ruelas estreitas, o que tornava as pessoas mais próximas, Contemporânea alarga suas ruas, distancia suas margens de passantes menos abastados permitindo o fluxo de veículos abastados transitar rapidamente, por exemplo. As duas dizem de modos de subjetivação diferentes, o que significa que nem uma, nem outra devem ser naturalizadas, porém circunstanciais.

A feira acabou, e o que a substituiu foi um fluxo louco de carros e gentes indo nas mais diversas direções sem dar nó, era Contemporânea que não havia sumido apenas distanciado. Marco Polo sugeriu irmos à próxima cidade, pois estas são feitas de folhas, flores e frutos, quase nada têm de raiz. Disse-lhe que é preciso demorar-se e ver nas fissuras as cidades invisíveis dentro da cidade.

3 comentários:

Bruna_ disse...

repito o comentário de baixo: que texto bonito!

Kleber disse...

O texto tá lindo João. Seria bom que usássemos o recurso da nota-comentário em suas passagens; assim como faz Luis Antonio. Mas consegui r4espirar o texto cidade e campo no seu. Abraço!

Aurea disse...

Disse-lhe que é preciso demorar-se e ver nas fissuras as cidades invisíveis dentro da cidade. Achei essa passagem fantástica. Como Kléber mesmo falou em uma reunião, que é preciso acompanhar a feira desde a sua construção, o armar e, o desarmardas baracas. POis esse também possui suas regras,, suas normas. É uma cidadezinha com seus personagens,estórias, como vcs mesmos relatam. Além de ser um observar vivenciando demorado...