Memória e Sociedade
Ecléa Bosi
“O velho não tem armas. Nós que temos de lutar por ele.” (Ecléa Bosi)
Ecléa Bosi
“O velho não tem armas. Nós que temos de lutar por ele.” (Ecléa Bosi)
TEMA E VARIAÇÕES
A mulher, a criança e o velho não são classes: são antes aspectos diversificados e embutidos por entre as classes sociais. Assim como não se pode falar, com prioridade, em classes de artistas ou de cientistas. Estes, como aqueles, pertencem a uma ou outra classe social que o configura e deles exige definições.
Já se sabe: o que define a classe social é a posição ocupada pelo sujeito nas classes objetivas de trabalho. (p. 11)
1. MEMÓRIA-SONHO E MEMÓRIA-TRABALHO
AÇÃO E REPRESENTAÇÃO
O sentimento difuso d apropria corporeidade é constante e convive, no interior da vida psicológica, com a percepção do meio físico ou social que circunda o sujeito. (p. 44).
Ação e representação estariam ligadas ao esquema geral corpo-ambiente: positivamente, a ação, negativamente, a representação. (p. 45)
O “CONE” DA MEMÓRIA
A memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere o processo “atual” das representações. (p. 46)
O que o método introspectivo de Bergson sugere é o fato da conservação dos estados psíquicos já vividos; conservação que nos permite escolher entre as alternativas que um nove estímulo pode oferecer. (p. 47)
Bergson afirma: “é do presente que parte o chamado ao qual a lembrança responde”. (p. 48)
AS DUAS MEMÓRIAS
O passado conserva-se e, além de conservar-se, atua no presente, mas não de forma heterogênea. De um lado, o corpo guarda esquemas de comportamento de que se vale muitas vezes automaticamente na sua ação sobre as coisas: trata-se da memória-hábito, memória dos mecanismos motores. De outro lado, ocorrem lembranças isoladas independentes de quaisquer hábitos: lembranças isoladas, singulares, que constituiriam autênticas ressurreições do passado. (p. 48)
A memória-hábito faz parte de todo nosso adestramento cultural. (p. 49)
Na tábua de valores de Bergson, a memória pura, aquela que opera nos sonhos e na poesia, está situada no reino privilegiado do espírito livre, ao passo que a memória transformada em hábito, assim como a percepção “pura”, só voltada para ação iminente, funcionam como limites redutores da vida psicológica. A vida activa aproveita-se da vida contemplativa, e esse aproveitar-se é, muitas vezes, um ato de espoliação. (p. 51)
HALBWACHS, OU A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
Halbwachs não vai estudara memória, como tal, mas os “quadros sócias da memória”. Nessa linha de pesquisa, as relações a serem determinadas já não ficarão adstritas ao mundo da pessoa, mas perseguirão a realidade interpessoal das instituições sociais. (p. 54)
O instrumento decisivamente socializador da memória é a linguagem. (p. 56)
As convenções verbais produzidas em sociedade constituem o quadro ao mesmo tempo mais elementar e mais estável da memória coletiva. (p. 56)
A MEMÓRIA DOS VELHOS
Para Halbwachs, bem outra seria a situação do velho, do homem que já viveu sua vida. Ao lembrar o passado ele está se ocupando consciente e atentamente do próprio passado, da substância mesma da sua vida. (p. 60)
Na sociedade em que vivemos, é a hipótese mais geral de que o homem ativo (independentemente de sua idade) se ocupa menos em lembrar, exerce menos frequentemente a atividade da memória, ao passo que o homem já afastado dos afazeres mais prementes do cotidiano se dá mais habitualmente à relação do seu passado. (p. 63)
MEMÓRIA, CONTEXTO E CONVENÇÃO
A “convencionalização” é, a rigor, um trabalho de modelagem que a situação evocada sofre no contexto de idéias e valores dos que a evocam. (p. 66)
A elaboração grupal comum seria decisiva. Sem ela, tenderia a reproduzir-se com mais força o teor da “primeira impressão”, matéria daquela lembrança-imagem e da “memória pura” de Bergson. Com ela, ao contrário, a primeira impressão ficaria cancelada e substituída pelas representações e idéias dominantes inculcadas no sujeito (hipótese de Halbwachs), ou apenas amortecida no inconsciente, de onde poderia sair durante o sonho e nos raros momentos de livre evocação (hipótese de Bergson). (p. 67)
Para William Stern, a unidade pessoal conserva intactas as imagens do passado, mas pode alterá-las conforme as condições concretas de seu desenvolvimento. (p. 68)
O único modo concreto de sabê-lo é levar o sujeito a fazer sua autobiografia. A narração da própria vida é o testemunho mais eloquente dos modos que a pessoa tem de lembrar. É a sua memória (p. 68)
2. TEMPO DE LEMBRAR
MEMÓRIA E SOCIALIZAÇÃO
Integrados em nossa geração, vivendo experiências que enriquecem a idade madura, dia virá em que as pessoas que pesam como nós irão se ausentando, até que poucas, bem poucas, ficarão para testemunhar nosso estilo de vida e pensamento. Os jovens nos olharão com estranheza, curiosidade; nossos valores mais caros lhes parecerão dissonantes e eles encontrão em nós aquele olhar desgarrado com que, às vezes, os velhos olham sem ver, buscando amparo em coisas distantes e ausentes. (p. 75)
Em nossa sociedade, os fracos não podem ter defeitos; portanto, os velhos não podem errar. Deles esperamos infinita tolerância, longanimidade, perdão, ou uma abnegação servil pela família. Momentos de cólera, de esquecimento de fraqueza são duramente cobrados aos idosos e podem ser o início de seu banimento do grupo familiar. (p. 76)
A VELHICE NA SOCIEDADE INDUSTRIAL
A velhice é uma categoria social. (p. 77)
Quando as mudanças históricas se aceleram e a sociedade extrai sua energia da divisão de classes, criando uma série de rupturas nas relações entre os homens e na relação dos homens com a natureza, todo sentimento de continuidade é arrancado de nosso trabalho. Destruirão amanhã o que construiremos hoje. (p. 77)
Quando se vive o primado da mercadoria sobre o homem, a idade engendra desvalorização. A racionalização, que exige cadências cada vez mais rápidas, elimina da indústria os velhos operários. (p. 78)
A criança sente voltar para si os reflexos de amor que sua imagem desperta. O velho, a contrário, não pode realizar sua imagem, concebê-la como é para ou outros. (p. 79)
Como deveria ser uma sociedade para que na velhice, o homem permaneça um homem? A resposta é radicalmente para Simone de Beauvoir: “Seria necessário que ele sempre tivesse sido tratado como homem”. (p. 81)
HISTÓRIA DE VELHOS
A civilização burguesa expulsou de si a morte; não se visitam moribundos, a pessoa que vai morre é apartada, os defuntos já não são mais contemplados. (p. 88)
Os agonizantes, diz Benjamin, são jogados pelos herdeiros em sanatórios e hospitais. Os burgueses desinfetam as paredes da eternidade. (p. 88) O narrador está presente ao lado do ouvinte. Suas mãos, experimentadas no trabalho, fazem gestos que sustentam a história, que dão assa aos fatos principiados pela suas voz. Tira segredos e lições que estavam dentro das coisas, faz uma sopa deliciosa das pedras do chão, como no conto da Carochinha. A arte de narrar é um a relação alma, olho e mão: assim transforma o narrador sua matéria, a vida humana. (p. 9
A mulher, a criança e o velho não são classes: são antes aspectos diversificados e embutidos por entre as classes sociais. Assim como não se pode falar, com prioridade, em classes de artistas ou de cientistas. Estes, como aqueles, pertencem a uma ou outra classe social que o configura e deles exige definições.
Já se sabe: o que define a classe social é a posição ocupada pelo sujeito nas classes objetivas de trabalho. (p. 11)
1. MEMÓRIA-SONHO E MEMÓRIA-TRABALHO
AÇÃO E REPRESENTAÇÃO
O sentimento difuso d apropria corporeidade é constante e convive, no interior da vida psicológica, com a percepção do meio físico ou social que circunda o sujeito. (p. 44).
Ação e representação estariam ligadas ao esquema geral corpo-ambiente: positivamente, a ação, negativamente, a representação. (p. 45)
O “CONE” DA MEMÓRIA
A memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere o processo “atual” das representações. (p. 46)
O que o método introspectivo de Bergson sugere é o fato da conservação dos estados psíquicos já vividos; conservação que nos permite escolher entre as alternativas que um nove estímulo pode oferecer. (p. 47)
Bergson afirma: “é do presente que parte o chamado ao qual a lembrança responde”. (p. 48)
AS DUAS MEMÓRIAS
O passado conserva-se e, além de conservar-se, atua no presente, mas não de forma heterogênea. De um lado, o corpo guarda esquemas de comportamento de que se vale muitas vezes automaticamente na sua ação sobre as coisas: trata-se da memória-hábito, memória dos mecanismos motores. De outro lado, ocorrem lembranças isoladas independentes de quaisquer hábitos: lembranças isoladas, singulares, que constituiriam autênticas ressurreições do passado. (p. 48)
A memória-hábito faz parte de todo nosso adestramento cultural. (p. 49)
Na tábua de valores de Bergson, a memória pura, aquela que opera nos sonhos e na poesia, está situada no reino privilegiado do espírito livre, ao passo que a memória transformada em hábito, assim como a percepção “pura”, só voltada para ação iminente, funcionam como limites redutores da vida psicológica. A vida activa aproveita-se da vida contemplativa, e esse aproveitar-se é, muitas vezes, um ato de espoliação. (p. 51)
HALBWACHS, OU A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
Halbwachs não vai estudara memória, como tal, mas os “quadros sócias da memória”. Nessa linha de pesquisa, as relações a serem determinadas já não ficarão adstritas ao mundo da pessoa, mas perseguirão a realidade interpessoal das instituições sociais. (p. 54)
O instrumento decisivamente socializador da memória é a linguagem. (p. 56)
As convenções verbais produzidas em sociedade constituem o quadro ao mesmo tempo mais elementar e mais estável da memória coletiva. (p. 56)
A MEMÓRIA DOS VELHOS
Para Halbwachs, bem outra seria a situação do velho, do homem que já viveu sua vida. Ao lembrar o passado ele está se ocupando consciente e atentamente do próprio passado, da substância mesma da sua vida. (p. 60)
Na sociedade em que vivemos, é a hipótese mais geral de que o homem ativo (independentemente de sua idade) se ocupa menos em lembrar, exerce menos frequentemente a atividade da memória, ao passo que o homem já afastado dos afazeres mais prementes do cotidiano se dá mais habitualmente à relação do seu passado. (p. 63)
MEMÓRIA, CONTEXTO E CONVENÇÃO
A “convencionalização” é, a rigor, um trabalho de modelagem que a situação evocada sofre no contexto de idéias e valores dos que a evocam. (p. 66)
A elaboração grupal comum seria decisiva. Sem ela, tenderia a reproduzir-se com mais força o teor da “primeira impressão”, matéria daquela lembrança-imagem e da “memória pura” de Bergson. Com ela, ao contrário, a primeira impressão ficaria cancelada e substituída pelas representações e idéias dominantes inculcadas no sujeito (hipótese de Halbwachs), ou apenas amortecida no inconsciente, de onde poderia sair durante o sonho e nos raros momentos de livre evocação (hipótese de Bergson). (p. 67)
Para William Stern, a unidade pessoal conserva intactas as imagens do passado, mas pode alterá-las conforme as condições concretas de seu desenvolvimento. (p. 68)
O único modo concreto de sabê-lo é levar o sujeito a fazer sua autobiografia. A narração da própria vida é o testemunho mais eloquente dos modos que a pessoa tem de lembrar. É a sua memória (p. 68)
2. TEMPO DE LEMBRAR
MEMÓRIA E SOCIALIZAÇÃO
Integrados em nossa geração, vivendo experiências que enriquecem a idade madura, dia virá em que as pessoas que pesam como nós irão se ausentando, até que poucas, bem poucas, ficarão para testemunhar nosso estilo de vida e pensamento. Os jovens nos olharão com estranheza, curiosidade; nossos valores mais caros lhes parecerão dissonantes e eles encontrão em nós aquele olhar desgarrado com que, às vezes, os velhos olham sem ver, buscando amparo em coisas distantes e ausentes. (p. 75)
Em nossa sociedade, os fracos não podem ter defeitos; portanto, os velhos não podem errar. Deles esperamos infinita tolerância, longanimidade, perdão, ou uma abnegação servil pela família. Momentos de cólera, de esquecimento de fraqueza são duramente cobrados aos idosos e podem ser o início de seu banimento do grupo familiar. (p. 76)
A VELHICE NA SOCIEDADE INDUSTRIAL
A velhice é uma categoria social. (p. 77)
Quando as mudanças históricas se aceleram e a sociedade extrai sua energia da divisão de classes, criando uma série de rupturas nas relações entre os homens e na relação dos homens com a natureza, todo sentimento de continuidade é arrancado de nosso trabalho. Destruirão amanhã o que construiremos hoje. (p. 77)
Quando se vive o primado da mercadoria sobre o homem, a idade engendra desvalorização. A racionalização, que exige cadências cada vez mais rápidas, elimina da indústria os velhos operários. (p. 78)
A criança sente voltar para si os reflexos de amor que sua imagem desperta. O velho, a contrário, não pode realizar sua imagem, concebê-la como é para ou outros. (p. 79)
Como deveria ser uma sociedade para que na velhice, o homem permaneça um homem? A resposta é radicalmente para Simone de Beauvoir: “Seria necessário que ele sempre tivesse sido tratado como homem”. (p. 81)
HISTÓRIA DE VELHOS
A civilização burguesa expulsou de si a morte; não se visitam moribundos, a pessoa que vai morre é apartada, os defuntos já não são mais contemplados. (p. 88)
Os agonizantes, diz Benjamin, são jogados pelos herdeiros em sanatórios e hospitais. Os burgueses desinfetam as paredes da eternidade. (p. 88) O narrador está presente ao lado do ouvinte. Suas mãos, experimentadas no trabalho, fazem gestos que sustentam a história, que dão assa aos fatos principiados pela suas voz. Tira segredos e lições que estavam dentro das coisas, faz uma sopa deliciosa das pedras do chão, como no conto da Carochinha. A arte de narrar é um a relação alma, olho e mão: assim transforma o narrador sua matéria, a vida humana. (p. 9
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