domingo, 9 de janeiro de 2011

Carta Anônima

Faz tempo que não escrevo pra mim mesma como se fosse para alguém. Qualquer pessoa que possa ler nessa “mal traçadas palavras” algo de mim, meus pensamentos, angústias, enfim, um pouco de minha vida. Já foi um hábito para mim escrever quando passava por algum momento muito delicado meio como um modo de desabafar o que estava por dizer como se fosse para dizer a alguém específico o que queria.
Agora não penso em dizer nada de tão importante, ao mesmo tempo acaba tendo algo de mim, porque de algum modo escrever é expor algo de si, ao mesmo tempo também pode ter algo de outro ou qualquer pessoa. De você que está me lendo, quem sabe não se reconheça nas divagações que pretendo escrever. Aliás, perdoe a letra ilegível, porque é um risco de hoje em dia para quem está tão habituado a digitar, teclar, apertar letrinhas, organizar bonitinho seus textos e pensamentos. A gente ou eu mesma que muitas vezes só escrevo de vez em quando sinto minha mão doer com o mínimo esforço de querer escrever ininterruptamente.
É tão engraçado ver que os hábitos do mundo mudaram, as coisas se transformaram, os modos de fazer as coisas se reconfiguraram, mudam o jeito, mas continuam. Por exemplo, falar de si, falar dos outros, pensar no mundo, na vida. Nesses pontos nos encontramos, eu, você e todo mundo.
Falar de si quase todo mundo quer, gosta, precisa. Externar os sentimentos, aflições, dúvidas, alegrias, tristezas. Essa extrema necessidade de falar de si requer confiança e intimidade como antigas cartas entre amigos e amantes do séc. XVIII. As vezes nem tanto de intimidade, quando contamos algo de alguém circunstancialmente, que estava junto.
Ou nos blogs onde se fala de um tudo de si e de qualquer coisa e todo mundo vê. Os blogs meio que substituíram os antigos diários onde se guardavam os segredos mais escondidos. Não sei se nos blogs as pessoas contam seus segredos... acho que não. Apesar de que o lema da contemporaneidade é a exposição de si nos orkuts, twitters, fotologs, etc, me parece que os segredos ainda irão existir e ainda serão escondidos como algo que só fica para si ou alguém que se confia muito.
Aliás, talvez por isso mesmo exista aquele a quem possamos contar tudo graças a uma relação contratual e ética de profissão: o Psicólogo. Profissãozinha muito doida se for pensar que aquele que depositamos nossa confiança e nos abrimos não é o nosso amigo, não passa de um contrato! Vai nos tratar, nos ajudar a pensar, cutucar feridas, consolar as tristezas, enfim, um depositário de emoções que não pode ser seu amigo, caso contrário, não pode ser seu psicólogo.
Essa idéia que recorremos ao psicólogos para trocar idéias sobre si me faz pensar no quanto parece ser raro encontrar amigos, confiar nas pessoas. O amigo poderia até assumir essa função do psicólogo, em certa medida, mas claro que em nem todos os casos. Casos patológicos nem pensar. (amigo não é especialista, mas ajuda um bocado).
Ainda divago muito quanto a saber a quem podemos considerar amigo. Amigo virou palavra banal, mas as relações se tornaram cada vez mais esporádicas, casuais, superficiais. Não gosto de generalizar, longe de mim. Poderia afirmar que essas relações rasas sejam um tendência. As pessoas tem se tornado cada vez mais desconfiadas, principalmente com o capitalismo, em que a vontade de sair no lucro, o interesse nas relações, enfim...Pode ser que esteja expondo aqui meu ressentimento com minhas amizades frustradas.
Nunca entendi muito em que medida as pessoas preferem ficar mais com umas do que com outras. Formação de grupos, afinidades, proximidade, faz com que excluam os outros sem quê nem pra quê. Hoje até compreendo que tudo isso seja resultado de todo um encadeamento de fatos historicamente construídos que de alguma forma influenciaram o fazer humano. Mesmo assim a dor permanece.
Mas não podemos achar que somos vítimas da história, que não temos condições de mudar alguma coisa, se não no macro, no micro, se não no micro, em si e ao redor de si, o que já é muito. Ser co-responsável pelas coisas que nos acontecem... muitas coisas são pelo acaso, outras são consequências de nossos atos, nossas decisões. Como é difícil decidir coisas, tomar decisões, fazer planos, traçar metas, se definir. Saber que algo que se decidi vai acarretar algo, mesmo que depois se mude de idéia, não é a mesma coisa caso tivesse tomado aquela decisão antes. O tempo passou... Queremos recuperar o tempo perdido de uma decisão mal tomada, mas isso não existe. (O tempo não para, já dizia Cazuza).
E o pior, saber que nossas decisões afetam outros, mesmo que não queira, mesmo indiretamente. Já pensei até que o melhor seria viver sozinho, não se relacionar com ninguém, não viver obrigação com ninguém. Mas isso seria impossível, afinal só se vive em relação, com tudo e com todos. Assim, devo ser responsável com aquilo que faço, ter cuidado comigo e com os outros ao meu redor. Porque o que eu faço comigo interfere nos outros. Então, o que faço de mim?
Nossa, as vezes me dou conta de quanta coisa tenho que pensar, em mim, na minha família, nos amigos ou colegas, no namorado, no animal de estimação, no animal de rua, no mendigo, nos necessitados, na rua, na universidade, no mundo, na vida. Pensar em tudo não como algo qualquer, mas entender o que passa, porque acontece, estranhar o cotidiano, problematizar as coisas mais simples, se libertar do estado de “menoridade” que faz aceitar a “autoridade”, buscar a diferença.
Mas todo esse movimento de pensar fora do automático, de problematizar e estranhar as coisas requer um esforço, cansa. Imagine então estranhar tudo o tempo todo? Olhar ao redor todo dia e se questionar de tudo e de todos, em qualquer lugar, quando então descansar? Será que devemos nos dar descanso? Descansar é o mesmo que se deixar iludir, se conformar? Afinal viver é se cansar, não é? Porém, tem vezes que sinto vontade de parar, parar de pensar, não pensar em nada.
Nossa, agora mesmo percebo o quanto divaguei, o quanto escrevi, o quanto oscilei em meus pensamentos, que podem ser de outros também, que podem ser seus. Aqui nessa carta troco com você um pouco de mim, que tem um pouco dos outros. Poderia divagar sobre tantos outros temas, mas já estou um pouco cansada. Quem sabe num outro momento, numa outra oportunidade. Mas obrigada por me ler, obrigada por chegar até aqui na carta e compartilhar de um pouco de mim. Acredito que tudo que lemos, escrevemos, trocamos, reverbera em nós, nos outros.
“A carta torna o escritor “presente para aquele que envia”...”Escrever é, portanto, ‘se mostrar’, se expor, fazer aparecer seu próprio rosto perto do outro” (Foucault, p.156, 2004).
Até breve! Inté!
Ass.: Alguém...Ninguém... Quem sabe?!