quarta-feira, 23 de junho de 2010

ESTAÇÃO RODOVIÁRIA GOVERNADOR LUIZ GARCIA

Placa de Inauguração - Estação Rodoviária Governador Luiz Garcia.
Foto: José de Oliveira B. Filho



Estação Rodoviária Governador Luiz Garcia.
Inaugurada em 31.01.1962.





Estação Rodoviária Governador Luiz Garcia - Aspecto externo.
Cartão Postal - Paraná-Cart. - Fotografia: José Kalkbrenner Fº.




Estação Rodoviária Governador Luiz Garcia - Aspecto externo.
Cartão Postal - Foto: Autor desconhecido.




Estação Rodoviária Governador Luiz Garcia - Plataforma Embarque/Desembarque.
Jornal Gazeta de Sergipe nr. 5.408 - 16/17/04/1976.




Estação Rodoviária Governador Luiz Garcia - Aspecto externo.
Jornal Gazeta de Sergipe nr. 5.416 - 28/04/1976.




Estação Rodoviária Governador Luiz Garcia - Obra em conclusão.
Revista da Associação Sergipana de Imprensa - 1961 nº 04.




Estação Rodoviária Governador Luiz Garcia - Em construção.
Revista da Associação Sergipana de Imprensa - 1961 nº 04.




Estação Rodoviária Governador Luiz Garcia - Em construção.
Revista da Associação Sergipana de Imprensa -1960 nº 03.




Planta da Estação Rodoviária.
Revista da Associação Sergipana de Imprensa - 1960 nº 3.





Governador Luiz Garcia.
BARRETO, Luiz Antônio. Personalidades Sergipanas. Aracaju: Typografia Editorial, 2007.





Leandro Maciel.
BARRETO, Luiz Antônio. Personalidades Sergipanas. Aracaju: Typografia Editorial, 2007.






Desmanche do Morro do Bonfim - 1956.
MELINS, Murillo. Aracaju romântica que vi e vivi anos 40 e 50 3ed. Aracaju:Unit, 2007.






Desmanche do Morro do Bonfim - 1956.
MELINS, Murillo. Aracaju romântica que vi e vivi anos 40 e 50 3ed. Aracaju: Unit, 2007.






A Estação Rodoviária Governador Luiz Garcia, popularmente conhecida como Rodoviária Velha, teve sua construção iniciada no governo de Leandro Maciel (1955-1959) e inaugurada no dia 31/03/1962, no Governo de Luiz Garcia(1959-1962), em um local onde antes existia um grande morro de areia, o Morro do Bonfim. A respeito disso, Luiz Antônio Barreto comenta:

-"E assim, obra a obra, Aracaju tomou corpo nas várias direções do seu território. Uma delas, porém, no Centro comercial, no coração mesmo da cidade, mudou completamente o traçado urbano de Aracaju: o desmonte do Morro do Bonfim, imensa duna que se espalhava por várias ruas, impedindo o agenciamento urbanístico. A grande obra foi feita no Governo de Leandro Maciel (1955-1959) e foi acompanhada, diariamente, por parte da população, e particularmente pelas crianças e jovens que faziam da duna uma diversão permanente.
As areias do Morro do Bonfim estão distribuídas por muitos lugares da cidade, aterrando os charcos, nivelando os terrenos, erguendo novas áreas residenciais, como foi o caso do Bairro Brasília, entre o Santo Antônio e o Industrial, nome que homenageou a nova capital do Brasil, construída, à época, no planalto central. Os córregos e mangues que impediam, muitas vezes, a passagem das pessoas, entre os bairros Industrial e Santo Antônio, cederam lugar às ruas e avenidas que surgiram com os aterros. Mais do que retirar de sua paisagem um morro inconveniente, Aracaju ganhou um novo bairro, justo como presente do Centenário.
O desmonte do Morro do Bonfim criou várias alternativas para a urbanização do centro comercial e das ruas centrais: Vitória (avenida Carlos Burlamaqui), Bonfim (avenida Sete de Setembro, antes Nobre de Lacerda, Getúlio Vargas) Divina Pastora, Capela, Geru, Lagarto, Santo Amaro, Itabaianinha. Nivelado, o terreno foi imediatamente ocupado, com diversas construções que foram logo incorporadas ao traçado da cidade. No Governo seguinte, de Luiz Garcia (1959-1962), foi construída a Estação Rodoviária, moderno prédio com linhas que lembravam Brasília, disciplinando o trânsito dos ônibus entre o interior do Estado e a capital. A Estação Rodoviária, que recebeu o nome de Governador Luiz Garcia, serve hoje de terminal suburbano, sendo substituído em suas funções originais pelo Terminal Rodoviário Governador José Rollemberg Leite, outra obra estadual feita no segundo Governo de José Rollemberg Leite (1975-1979).
O terreno onde existiu o Morro do Bonfim, mesmo com as construções que surgiram, serviu para a montagem de circos, dentre eles o de Zé Bezerra, circo mambembe, de forte apelo popular. No local também costumavam fazer parada noturna os caminhões que traziam carga do interior. Aos poucos novos prédios, como o do INAMPS, o do IAPC, muitas casas nas várias ruas limítrofes com a grande duna, e ordenamento do tráfego por toda aquela área, modificando a vida do centro da cidade. O desmonte do Morro do Bonfim representou, sem dúvida, a maior intervenção da engenharia no centro urbano de Aracaju".


BARRETO, Luiz Antônio. Personalidades Sergipanas. Aracaju: Typografia Editorial, 2007.


Texto retirado do blog "aracaju antiga" em http://aracajuantigga.blogspot.com/2009/10/terminal-rodoviario-luiz-garcia.html

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Crônicas

17 de junho de 2010
Fim de jogo: ARGENTINA 4 X 1 CORÉIA DO SUL

(Em algum lugar do Brasil...)
— Hein, você é argentino?
— Eu torço pra Argentina, sim!
— Você não é brasileiro, não!?
— Ah!... De novo isso... Toda copa é assim... Caducou essa tese antropológica de que torcer pra seleção canarinho é sinônimo de patriotismo. Prefiro o carnaval de Bakhtin ao de da Matta. Também não sou cordial! — ao menos, não nos níveis que me são exigidos em função de minha nacionalidade brasileira. Isso para desespero de Sérgio Buarque de Holanda: por que será que os cientistas sociais brasileiros de re-nome têm nome aristocrático? Tampouco sou pacífico. O panelaço de nossos hermanos na Plaza de Mayo deveria ter nos ensinado algo, mas, pelo visto, o que confronta nosso ideário cordialesco é automaticamente rechaçado (recalcado?) em prol da manutenção de nossa causa identitária. Somos cordiais porque acabamos dando um jeitinho em tudo (o próprio difusor dessa lei, Gérson, era atleta e fumante!), sem necessidade de partir pro confronto direto. Agimos à surdina e nos bastidores. Daí os sem-terra tornarem-se “baderneiros” por essas bandas, ao menos é essa a imagem que a mass media brasileira, como legítima porta-voz do senso-comum e difusora da mediocridade, procura passar desse movimento. Somos coniventes com as silenciosas transgressões hodiernas (furar fila, burlar as leis de trânsito e torturar presos já são clássicos tupiniquins!) e intolerantes com os protestos barulhentos e viris, por mais justos que sejam. Coisa para baderneiros desocupados! — pensamos. Acho essa tese da cordialidade brasileira um embuste! (E não me venha com essa de dizer que o pai do Chico Buarque usou a expressão “cordial” como sinônimo de “emocional” ou “instintivo”! As palavras têm uma ação performativa para além de nossa intencionalidade e, vindo de tão eminente figura, assume nesse caso o estatuto de um autêntico ato falho.) Geralmente, somos cordiais com os estrangeiros, sobretudo os anglo-saxões e europeus que portam moeda mais valorizada do que a nossa, mesmo que estes visitem o Brasil para fins de turismo sexual infanto-juvenil; alguém já reparou como somos xenófobos para com os asiáticos de olhinhos puxados, os africanos subsaarianos e os latino-americanos hispânicos? Além disso, alimentamos torpes rivalidades e preconceitos internos para com nossos vizinhos em pleno território nacional, talvez uma má herança do sistema de capitanias hereditárias: gaúchos x catarinenses, paulistas x cariocas, mineiros x capixabas, baianos x sergipanos etc.; e desde a inauguração da atual capital do Brasil, nova rivalidade forjada artificialmente: goianos x candangos. Isso quando não discriminamos toda uma região geográfica: basta reparar a freqüência com a qual as barbeiragens no trânsito são apelidadas de “baianadas”, assim como os porteiros dos prédios chiques de Ipanema são “paraíbas”. E olha que falamos a mesma língua em todo o território nacional, os movimentos separatistas representam mera mancha histórica em nosso passado e não temos disputas étnicas significativas, diferentemente da Bélgica (onde recentemente uma miss foi vaiada por só falar a língua francesa, minoritária, e não o dialeto holandês), da Espanha (onde os bascos, por exemplo, reivindicam sua autonomia enquanto Estado independente por intermédio do grupo separatista ETA) e de Ruanda (onde massacres étnicos assumem as proporções de um genocídio). Tais rivalidades brasileiras não são sem conseqüência: quando migramos de um Estado para outro no Brasil somos impelidos a converter nossa naturalidade, tentando ser acolhidos em nossa nova morada. “Nasci em Minas, mas sou capixaba de coração” — repetia essa pérola um ex-vizinho meu à exaustão. (E haja “cariocas” ilustres nascidos em outros Estados!) Só conseguia me lembrar da máxima de Sade: “Franceses, mais um esforço se quereis ser republicanos”. Curioso que o Gugu Liberato faz suposta filantropia num dos quadros de maior audiência de seu programa de TV mandando nordestinos que residem em São Paulo “de volta pra casa”; porém, quando um paulistano, por exemplo, “volta pra casa” após ter residido no nordeste, ele é um ingrato, quando não um traidor, que não amou suficientemente a nordestinidade. Considera-se este turista e aqueles vagabundos - diria Bauman. Ledo equívoco! No fim, sempre haverá um caminho de volta pra casa após o término dos sonhos dourados. Quanto à tese da pacificidade, ainda é possível sustentá-la frente os atuais índices de criminalidade que assolam a nação? Recentemente, vi um noticiário brasileiro que apresentava os alarmantes índices de criminalidade da cidade de Johanesburgo, na África do Sul, alertando para os perigos do lugar aos participantes da Copa do Mundo da FIFA. Chocou-me constatar que tais índices são semelhantes (até mesmo ligeiramente menores!) aos das grandes metrópoles brasileiras, como Rio e São Paulo. Dizem que cada país tem a violência que merece e, no caso do Brasil, ela é generalizada e sua banalização aproxima-se da barbárie. Não adianta culpar as drogas, como a mídia faz atualmente. Baudelaire, sábio escritor e perspicaz usuário de entorpecentes, já dizia no século XIX, antecipando argumentos do movimento psicodélico, que elas só realçam aquilo que já somos. Se as drogas forem mesmo um espelho da alma, os brasileiros estão muito mal “almados”. Quanto ao tráfico, já são outros quinhentos e não é evitando o debate em torno da legalização das drogas ilícitas que nos livraremos dele. Também não basta culpar a colonização portuguesa pelas nossas mazelas: o Congo é Belga, a Namíbia é alemã, a Líbia é italiana, a Índia é inglesa, o Suriname é holandês, o Haiti é francês, só pra citar alguns, e nenhum desses países é menos problemático que o Brasil. Por muito tempo tive que conviver, apesar de discordar desde minha infância, com o mito de que se tivéssemos tido senhores mais generosos (Casagrandes mais hospitaleiras), estaríamos em melhores condições hoje em dia. Típica lógica da subserviência que perpassava as senzalas brasileiras, com honrosas exceções, cujo ícone da resistência é Zumbi dos Palmares. Aliás, você sabia que até hoje nem 10% dos municípios brasileiros decretam feriado no Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro? Enquanto isso pululam feriados juninos em dias santos pelo Brasil afora... Se Zumbi fosse católico ele provavelmente já teria sido canonizado por martírio. Católico é assim: acredita na bondade das pessoas, em culpa, arrependimento e perdão, desde que você venere os santos oficiais e tenha como princípio ético a busca da santidade em vida (quando Santo Agostinho se converteu ele já contava mais de 30 anos de vida profana e boêmia!); desconfio que o juiz que libertou o maníaco de Luziânia seja um bom católico (mesmo que não-praticante), isto é, ingênuo o bastante pra acreditar na regeneração de um pederasta em pleno sistema prisional brasileiro. Acreditar em remissão espontânea da crueldade no “inferno” é demais pra mim! Dizer que só "aplicou a lei" também é ingênuo e kafkiano demais pro meu gosto! Já os evangélicos são mais céticos quanto à pureza da condição humana, senão não haveria necessidade de imprimir tamanha vigilância (cujo modelo é o panóptico, de Bentham) sobre a vida dos crentes. Aliás, essa vigília já deve vir inclusa na taxa do dízimo, o qual, no caso dos evangélicos, é compulsório. Até porque sendo a certeza da salvação um mistério, você só tem como confirmar que é um eleito para ser salvo prosperando ($$$) em vida; e quanto mais você prospera, maior é o seu dízimo e maior é a vigilância sobre você. Essa indissociação entre riqueza material e salvação espiritual deu aos fiéis um álibi pra incorporar a lógica do capitalismo sem culpa. Aos católicos resta enriquecer com culpa e, no máximo, com arrependimento e perdão. Quanto a mim, sou ateu, ou melhor, agnóstico, como se diz atualmente, pois soa menos agressivo e é expressão politicamente correta, digna de figurar na controversa cartilha do Lula. Conheço muitos ateus que levam uma vida mais digna do que muitos religiosos. Só acreditaria num Deus que soubesse dançar, apesar de não ver motivos para o batuque dos tambores assumir privilégios musicais. Já não bastam as vuvuzelas?
— Ainda acho que você não é brasileiro...
— VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO!?
— Ô dotô, desculpe! Achei que você fosse argentino por conta da sua camisa! Senta aí e toma uma com a gente, chefe!

sábado, 19 de junho de 2010

Novos links aí na coluna à direita... coloquei alguns sites que acho que podem servir nos nossos descaminhos. a quem interessar possa.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

As Coletividades Pensantes e o Fim da Metafísica

Uma substância unitária, racional e atenta para focar todas as dobras do mundo, que se apresentam como claras e distintas possibilidades de escolha a nossa livre faculdade do arbítrio. Essa é a alma caduca e nada humana que Descartes tanto trabalhou para lapidar, e que nós - pelas bandas de cá - já cansamos de malhar. Freud - outro que adoro mal falar - propõe um modelo do psiquísmo que até tem suas interessâncias. Uma delas é a diversidade de instâncias que compõem seu aparelho anímico, interagindo e negociando de maneira mais ou menos conflituosa. O que a psicanálise introduziu na vida emocional, a psicologia do contemporâneo o fez no plano do cognitivo. Coloquemos duas teses desta psicologia que fazem oposição à alma cartesiana: um, a multiplicidade da mente; dois, a limitação da consciência.
A unidade da alma é questão diretamente ligada à inconsciência das operações mentais. Se todas as funções psíquicas estivessem sob o jugo da consciência, suporíamos uma linguagem comum às diferentes partes da mente. Entretanto, se a vida psíquica situa-se quase inteiramente fora da zona da consciência, a tese da multiplicidade da mente passa a fazer mais sentido, visto que tais diferentes partes não partilham da mesma lógica de funcionamento.
Marvin Minsky, pesquisador de inteligência artificial da MIT, sugere a mente como o agrupamento de milhares de agentes em agências, que competem, cooperam e conversam entre si por recursos limitados, divergência de objetivos e situações afins. O psiquismo é pintado como uma sociedade cosmopolita, não um sistema coerente e harmônico reduzido a uma substância una. Muitos artistas - de Platão a Nietzsche, de Freud a Jung, de William James a James Hillmann, de Deleuze a Guattari - retratam, cada um com suas matizes, a mesma sociedade profusa que ferve por detrás do véu de cada pensamento frio. Piaget pode ter entendido a inteligência como um conjunto de habilidades lógico-matemáticas aplicáveis a todos os domínios do viver. Howard Gardner, por sua vez, espartilha o problema e sugere múltiplas inteligências para além da geometria: linguística, musical, espacial, corporal, inter e intrapessoal. Boa notícia descobrir que não somos ignorantes como um todo! Multiplicamos as formalidades, verdade, mas favorecemos pensar as pessoas como grupos, e o psíquico como uma sociedade da mente. Tratar a alma como substância individual seria como facultar julgamentos sobre um grupo sem uma boa distinção das partes que o compõem.
Um coração, um olho ou uma mão cumprem seu papel numa estrutura sistêmica. Assim sendo, Noam Chomsky proposiciona a existência de órgãos mentais. Argumenta: e por que o cérebro seria a única entidade indiferenciada do mundo biológico!? Este pontuamento anula uma teoria da aprendizagem que se proponha comum a todos os domínios do psíquico, já que cada órgão da mente possui seu próprio desenvolvimento histórico independente dos demais. Entrando na onda de Chomsky, Jerry Fodor fala de módulos cognitivos que funcionam fora da zona de controle da consciência. A faculdade linguística e os módulos perceptivos podem ser tomados como exemplo. Enquanto escrevo este texto na janela de edição de postagens do blogspot, passo meus olhos pelos parágrafos grifados num livro e escuto a sinfonia Eroica. Sou incapaz de passar os olhos pelo livro e ver uma simples sequência de impressões negras e rabiscadas. Também constato a minha impossibilidade de escutar uma simples sequência ruidosa a ser executada pelo Windows Media Player. Sou obrigado a, olhando para o livro, ler e perceber algumas sentenças chave do capítulo, como sociedade cosmopolita, modularidade mental ou ecologia cognitiva, assim como também sou obrigado a, apertando o ícone Play/Executar do meu reprodutor de mídia, escutar a terceira de Beethoven regida pelo perfeccionismo de Toscanini. Tais módulos escapam à consciência! São seus resultados que chegam até a zona de atenção mental, mas os processos operados não são nem um pouco transparentes no tocante a qualquer tentativa de controle dos mesmos.
E o que seria a consciência, para bem precisarmos nossa discussão? Sendo curto, mas grosso: é o agente responsável pela enunciação da memória de curto prazo. Nossa cognição processa inúmeras operações ao mesmo tempo, mas é difícil estar consciente a vários eventos ao mesmo tempo. Tais operações, por estarem fora do campo da atenção, são inconscientes. E, por escaparem da vontade, são automáticas; o que nada tem de ver com o determinismo típico de nossas inteligências eletrônicas. Determinismo e automatismo não são sinônimos. Os processos são classificados como autônomos, justamente, por serem independentes uns dos outros. Grande parte da mente é - neste e somente neste sentido - maquinal, visto que composta por inúmeradas partes e peças e pedaços. É este automatismo inconsciente que cria condições para a sobrevivência de nossas unidades biológicas.
Mecanismo, inconsciência, multiplicidade, exterioridade. Todos formam a base constitutiva da vida mental. Partindo daqui, não seria de todo estranho inferir a participação de mecanismos e processos não biológicos na formação do pensamento - dispositivos técnicos e instituições sociais, em exemplo - o que torna impossível fazer do pensamento a resultante duma substância única e transcendente. Uma ecologia cognitiva deve ocupar o lugar das antigas metafísicas! Subjetividade e objetividade não podem ser categorias puras e bem definidas pois, de um lado, temos inúmeros mecanismos e objetos operando na produção das subjetividades e, doutro, as objetividades constituídas pelo imaginário e pelo suor dos homens. O id fala, mas não a lingua de Freud ou de Lacan. Falamos, mas não cuspimos, tão somente, recalques, traumas e complexos porém multidões inteiras - de pessoas e de coisas - que falam em nós. Dando um passo com nossa outra perna, podemos fazer uma segunda inferência: não há mais estranheza nenhuma em pensar que um grupo ou uma instituição pensem, visto ser o pensamento a realização dum coletivo!
Pensar, numa frase, é um devir coletivo de homens e coisas. Assim como os aparatos cognitivos individuais, os dispositivos sociais também são encapsulados. Imaginemos uma empresa e alguns de seus setores. O pessoal do secretariado, o pessoal da contabilidade, o pessoal da comunicação. Os dois primeiros podem ser substituídos por, digamos, softwares computacionais, enquanto o último pode ser dispensado pelo uso de correios eletrônicos. Isto porque tais segmentos burocráticos intencionam - quase fenomenologicamente! - funcionar como máquinas. Tanto o cérebro quanto o socius são compostos por muitos e muitos módulos maquinais encapsulados.
A consciência gosta de se apresentar como o mais importante aspecto da inteligência, mas nem de longe representa a sua essência! Ela pode ser considerada, isto sim, uma interface entre o organismo e o que lhe é ambiente, interface enquanto manutenção do seu próprio funcionamento e do seu sistema cognitivo. Os processos conscientes - controlados - são menos céleres que suas contrapartes automáticas, mas compensam a falta de potência com flexibilidade. Esta flexibilidade sensível também está presente nos grupos. Não como consciência, claro, mas por meios outros que tomam a sua função; um debate visando chegar a uma deliberação pode ser tomado como exemplo. Na biologia do cérebro, a nível neuronal, a multiplicidade das entidades e seu funcionamento paralelo e inconsciente são traços constitutivos da arquitetura cognitiva. A consciência, ao bradar "eu penso, eu existo, eu sou", reclama para si uma importância que pertence a um agenciamento social, complexo, cósmico que ultrapassa seus limites encapsulados e individuais, não passando dum simples ponto desta ecologia cognitiva que é o pensamento. A consciência é individual, mas o pensamento é coletivo!
Mesmo agora, quando admitimos que grupos humanos possuem sua cognição, ainda resistimos à idéia dum coletivo misto, que abarca não só pessoas, mas coisas. E pulula a pergunta: como é que, diabos, uma coisa poderia participar da inteligência!? É fácil caírmos na solução da passividade objetal, considerando os instrumentos enquanto extensões inertes de nossa mente. A alma humana, entretanto, não é um núcleo central ao redor do qual as tecnologias da inteligência circulam, mas é o agenciamento aparentemente sistêmico desses inúmeros satélites. Não o sol, mas todo um universo de frágeis relações a se coadunarem! O que seria da grandiosa mente, por exemplo, sem a linguagem - misto sujeito-objeto - fruto e árvore das conversações, dos nossos grupos sociais, das nossas tecnologias da memória?
As tecnologias da inteligência estão fora de nós. Tudo bem! Digito este texto em meu modesto PC, processado por um Intel Celeron 220; seguro um livro meio amassado do Pierre Lévy, publicado pela editora 34; e, tendo acabado a Eroica, pús-me a escutar o álbum Awake, do Dream Theater. Entidades claramente distintas de mim, de você e delas mesmas. Não obstante - uso a conjunção preferida do Dr. Cooper! - o advérbio "fora" nos parece - a mim e ao Pierre - mal colocado, sendo preferível a partícula "entre". Afinal, escrevo numa postagem que (assim espero) será lida por outrem, em seu computador pessoal; leio e comento um livro escrito por um judeu tunísio que mora na França; aprecio uma música em mp3 (The Silent Man, a balada do CD) editada pela Elektra Records, uma das muitas gravadoras da Warner. Os objetos não só conectam os sujeitos, mas estruturam a rede cognitiva que permite a sua existência. Mesmo quando sozinhos e de mãos vazias estamos na presença de muitos, sejam homens, mulheres, infantos e velhos, sejam falas, regras, lógicas e imagens. O sujeito só o é na imbricação dos objetos! Sujeitos atravessados de objetividade e objetos recheados de subjetividade, numa rede louca, complicada, heterogênea, imenso entrelaçamento articulado de subjetividades fractais e tecnologias intelectuais! Homens-coisas...
LÉVY, Pierre; As coletividades pensantes e o fim da metafísica; In As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; Trad. Carlos Irineu da Costa; Rio de Janeiro; Ed. 34; 1993; pp.163-175.