quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Diário de Campo - 04.09.09

Após um ano morando à cerca de 500 metros da feira do Castelo Branco, fui a ela pela segunda vez. Engraçado como passei tantas vezes ao lado de, mas não por ela, e a sensação que esta diferente experiência causa. A rua pela qual costumo cortar caminho quando volto para casa de alguns lugares, não parece a mesma, some em meio a tantas imagens e sons.
Não que eu fosse totalmente “virgem” desse espaço repleto, ou melhor, atropelado, de gente, frutas, verduras, carnes, sensações. Costumava ir a feira com minha mãe há alguns anos quando morava em outro bairro, e embora não gostasse de acordar cedo aos sábados ia contente carregar as sacolas (aquele mingau que fazia de meu café da manhã, o iogurte de ameixa que levava para casa e o modo como os feirantes atendiam seus clientes sempre me chamavam atenção).
Bom, nesta minha segunda experiência ainda me sinto meio deslocado, não sei, tenho a impressão de que sou notado pelos olhares como um estranho... talvez seja só uma impressão.
Logo que chego, enquanto espero João - andar com ele parece me dá mais conforto, já que ele já não é um “estranho no ninho” – dou de cara com o carro da Emsurb no inicio da feira. Em seguida vejo um fiscal discutindo com um feirante enquanto outro “confisca” sua cesta de abacaxis. Como já fiquei sabendo não é permitido colocar produtos naquele local – no chão do início da feira.
Observo a cena: o mesmo feirante que teve seus abacaxis “confiscados” retira suas outras mercadorias para não perdê-las também, um vendedor de morangos diz que se eles vierem tomar a sua, ele joga no chão e pisa, mas não deixa eles levarem, o rapaz que vende Cd e Dvd aguarda os fiscais irem embora para abrir o porta malas e expor sua mercadoria enquanto seu som toca.
Enfim, observo tudo – que parece já pertencer ao cotidiano da feira – mas ainda meio distanciado. Ensaio ir conversar com o feirante do abacaxi mas acabo não indo, fico esperando João chegar.
João chega e vamos caminhar pela feira, alguns olhares de reconhecimento e acenos parecem dirigir-se para nós. Seu Ulisses, que eu já tinha conhecido em outra oportunidade, diz que as coisas “vão indo”. Fala da impossibilidade de atender algumas recomendações do Estado, pois o mesmo não dá condições para isso. "Como colocar freezer aqui, se não tem energia? Olha os “gatos” E estes banheiros? Ficam longe, sujos, são usados para o consumo de drogas."
Passamos pela banca do presidente da Associação dos Feirantes, mas o mesmo não se encontrava lá. João, então, resolve perguntar por Seu Antônio. Segundo sua irmã, Eleonora, ele estava em uma reunião e ela, que trabalha na Associação visitando as feiras e cadastrando o pessoal, estava substituindo-o nesse dia.
Ao falarmos da nossa pesquisa ela se mostrou interessada, a fim de conversar. Enquanto conversávamos algo interessante aconteceu: a pessoa que recebe o pagamento do aluguel das bancas de metal (os feirantes até então pagavam seis reais pelo dia) passa e para surpresa de Dona Eleonora a taxa tinha aumentado para sete reais, sem ninguém ter sido avisado. Ela diz que não irá pagar e liga para seu Antônio para saber se ele havia sido informado do aumento. Ele também não sabia e reafirma que não é para ninguém pagar.
Alguns feirantes que estavam próximos, depois de ela ter dito para eles não pagarem, falaram, preocupados, da possibilidade de serem deixados sem banca na outra semana. Ela continuou afirmando para não pagarem, que deixassem sem banca.
Por fim, depois de algumas manifestações de preocupação de serem deixados sem banca, ela concluiu: “Quem é associado não vai pagar, quem não for que pague!”.
Após esse ocorrido, nos despedimos dela e voltamos a caminhar pela feira em direção a saída. Olhei para João mas não disse nada, e ele com um balançar de cabeça e um sorriso confirmou que algo interessante perpassava aquela fala.
Fomos embora então, mas com a impressão de que, como disse João, a associação é dos associados.

5 comentários:

Kleber disse...

A feira se movimenta via satélite no dizer de Elton. Faz política pelo celular. "Ninguém paga". A feira é viva, muito viva; feita de uma mistura que atualiza o arcaico em nós. As boas memórias da infância que não precisa saber, passeiam pela feira agora. Adiante companheiro!

Diego disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diego disse...

Burlesco e ao mesmo tempo interessante : “Quem é associado não vai pagar, quem não for que pague!”.
Li o texto uma vez, fechei a net, fiz o que tinha que fazer, mas a danada da frase não me saía da cabeça. Ela ainda ricocheteava aqui dentro, até que me acertou de vez. Isso me fez pensar em algumas considerações, Elton, as quais eu confesso que não seria capaz de fazer um ano atrás.
Comecemos pelo burlesco. Imaginei a cena: alguém do outro lado da linha. Alguém desse lado da linha. Alguém pagando. Alguém sem pagar. Dois alunos de psicologia no meio de tudo; sem uma faca de tratar peixe nas mãos, sem aventais, sem troco nos bolsos (talvez até com alguma coisa nos bolsos), tentando entender o que se passava por ali. É um tanto quanto engraçado, mas não é ainda onde quero chegar.
A grande vantagem, se é que se pode encarar assim, de ter algum conhecimento - pelo menos o formal que estamos habituados na universidade -, é que ele faz com que pensemos sobre algo que poderia ser simples, mas de um modo diferente. Esse seria o "problematizar" a que tanto o Helmir se referia lá nas aulas do primeiro período, e que acho só agora fazer mais sentido. Há um ano, eu teria encarado o evento (você que pague, já que não filiado), como algo rude, grosseiro e arcaico; inerente ao ambiente da feira. No entanto, o que acontece agora, é que vislumbro aí, uma série de questões que nos atingem, e que, de fato, faz-nos questionar nosso lugar no mundo como estudantes e participantes de uma dinâmica social. Essas seriam: como a psicologia poderia encarar o fato? Compete à psicologia fazer algo que melhore a situação? O que se tem escrito sobre isso? Existe um limite entre uma psicologia prática e uma teórica? O que faremos ali, na feira? Vamos apenas olhar os fatos, como observadores não participantes?
Por trás daquela que fala, existe toda uma história (assim penso) que vai além da feira: ela é mãe, líder, esposa, sogra, eleitora, ou talvez não seja nada disso. O ponto é que, nem sempre as coisas são o que parecem, e coisas simples podem se tornar complexos em uma segunda análise.
Pelo que conheço de espaço urbano e a forma como ele se organiza, percebo nas feiras, mas não somente nelas, um jogo com pelo menos dois interesses. Por um lado temos os feirantes e, do outro, um Estado que impõe certas regras. O primeiro, conta com um grupo mais ou menos coeso, detentor de conhecimentos mais técnicos e teóricos. Já no caso dos feirantes, essa pretensa falta de conhecimento pode ser equilibrada pela formação de um grupo de pessoas com interesses em comum. Ao meu ver, quando se diz que quem nem é associado que pague, é mais uma forma de afirmar o poder desse grupo do que uma simples falta de consideração com os que não fazem parte dele.
Bom, existe muito o que se retirar do diário de campo, e a maior parte diz respeito a nós mesmos.

Lázaro disse...

Oooops!

Acho eu que o estanhamento é quase inerente ao ser-pesquisador. Por isso, por experiencia digo-lhe, Diego, que se perguntar é o jeito mais sincero consigo mesmo de lembrarmos do que estamos fazendo...

Sobre o lugar da psicologia nas coisas, depende de que psicologia se trata. No meu modo de ver (de novo!!!) uma psicologia do "como algo rude, grosseiro e arcaico" talvez pudesse achar um lugar na feira. Porque trabalharia com a feira como ela é. uma psicologia dos polidos, por seu lado, retira o brilho da feira.

Mairla disse...

verdade lazaro... acho que o maior exercicio que tiramos disso tudo é o se perguntar a todo momento.
se perguntar sobre o que está ouvindo, falando, pensando, fazendo... e ainda mais, se questionar que psicologia é essa!

é bom ver a feira sempre com outros olhos. tanto diferente quanto os de criança quanto pelos relatos de outros. também ia muito à feira quando criança, com minha avó, e não era deslumbrada quando das primeiras visitas à feira com a pesquisa (vide meus primeiros diários de bordo).

numa manhã dessas apareço pra lhes fazer companhia e uma vista :)