sábado, 29 de maio de 2010

Histórias de um homem que viu Deus

Depois de uma semana, retorno ao banco disposto em frente a parada do ônibus que faz o trajeto para São Cristovão. Os ônibus carregam seu motor na parte da frente e esses em funcionamento, tremem a três passos dos bancos de espera, que são, já, o limite da passagem entre o terminal e os coletivos. Daí, quando nas paradas encontram-se todos os ônibus alinhados, forma-se um corredor ensurdecedor e de ar bastante carregado pela queima do diesel.
Acostumar-se a essa condição, para quem passa o dia ali, deve trazer em algum tempo, comprometimentos auditivos e respiratórios. Entretanto não se percebe com facilidade reclamações nesse sentido. Nem entre os ambulantes, os fiscais, os motoristas, os de passagem e outros. Pareço ser eu, o mais incomodado com essa situação. O barulhos dos infernos e o vapor das descargas dos ônibus, em uma tarde quente, provocam um certo mal estar. A pequena rodoviária, cravada no coração do centro da cidade, se incomoda pouco com isso.
Encontro um lugar no banco e sento. Preparo os ouvidos para o exercício que chamamos de “Forrest Gump as avessas”. Escutar. Sento entre duas mulheres que conversam com outras pessoas. Para a esquerda a mulher conversa com sua família e de lá escuto alguém sugerir a possibilidade de voltar para casa de Topic. Alternativas à rodoviária se fazem na sua adjacência. A senhora, com ares de cansaço e que é o centro das preocupações da família acena com uma recusa. A minha direito a outra mulher conversa com um homem, que adiante, buscará conversa comigo. Trata-se do homem que já viu Deus. Talvez essa peculiaridade tenha afastado rapidamente a mulher do banco.
Passados alguns instantes, Zé, o homem que viu Deus, já está ao meu lado e diz em voz baixa e grave dos risco de falar coisas ruins: “falar coisa ruim é ruim, falar coisa ruim é ruim...”. Não escuto bem e peço que repita e ele o faz, já trazendo a história. Disse que um homem, seu amigo, estava em coma no hospital. Levara 200 pontos na barriga, cem internos e 100 externos e que ele falava e fazia muitas coisas ruins. Que seria um matador e que encontrara sua sina; a vingança que um dia chega. Conta um pouco mais da história do matador e logo pula para a sua conversão. É disso que ele quer tratar.
Zé aparenta 40 anos. Não cheira a bebida. Camisa e bermuda bem surrada e nos pés um par de chinelos bem gastos. Moreno e na boca lhe faltam alguns dentes. Tem um fino bigode e cabelo curto e penteado. Esse homem diz que um dia fora ruim também. Que dizia e fazia coisas ruins, até que resolveu pedir a Deus uma transformação na vida. Sem apontar para ressentimentos, acerta com Deus que vai fazer e pensar coisas boas, somente. E Deus, ao seus olhos e ouvidos, parece ter aceitar o trato. Diz que morava numa casinha no pé da serra no município de Simão Dias, quando seu deu a aparição. Um homem alto, vestido de amarelo, que ficou de pé por cima de uma árvore, talvez, para Zé, como a dizer que dali em diante sua vida deviria seguir o caminho do bem.
Zé contou ainda algumas histórias com a presença de Deus em sua vida, até que um senhor, vestido a sertaneja e de chapéu senta ao lado de Zé em toma a palavra para contar de suas participações em guerras, de como sobreviveu a um acidente aéreo e das suas táticas para ganhar em jogos de azar. Apesar de ter nascido em 1935, conta das guerras de 1915 a 1945, insinuando ter combatido por ali. Zé não tem vez de voz diante de senhor de chapéu. “Olha ganhei na milhar 3447 com o acidente do avião da França. O avião era da Tam 447. Tam tem três letras. Aí botei 3, 447, trinta e quatro, quarenta e sete. Acertei a milhar. Ganhei 3 mil reais”.
Logo encosta o ônibus para São Cristovão. O velho levante e se despede e Zé me olha e diz como pode um senhor inventar tanta história. É nesse momento em que aparecem João e Maicon, e ao apresentar Zé a eles, incentivo-o a falar de sua vida espiritual para eles.
Nessa tarde ainda conversei com uma senhora que tinha três problemas graves na coluna, redução, bico de papagaio e outro, que não lembro ou ela não disse. Registro também o vendedor de bonecos do Pica-pau e a minha condição de aprendiz daquele universo de passagem. Sentar no banco e esperar as histórias pegarem outros caminhos.
PS: Zé me contou outras façanhas suas como o dia em que deus lhe deu um porco e da sua viagem a São Paulo, a pé, que durou três meses. Noutra postagem retorno com elas.

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