segunda-feira, 1 de setembro de 2008

As três ecologias - Fichamento... Ou não!

GUATTARI, Félix; As três ecologias; trad. Maria Cristina F. Bittencourt; rev. Suely Rolnik; 4ª edição; Campinas; Papirus Editora; 1993.


Nossos lifestyles, sejam individuais ou coletivos, parecem nos levar a uma progressiva deterioração do cosmos, do outro e de nós mesmos. Dialética excessivamente contraditória, esta, na qual toda evolução e progresso conduz-nos a nossa própria destruição! Só uma articulação entre a ética e a política - nomeada "ecosofia" por Guattari - entre as três instâncias ecológicas (a saber, a "natureza", o social e o sujeito humano) pode fazer afronta a tal desafio. Para o autor, a única resposta à nossas crises ecológicas (vale salientar a existência de três ecologias..) só se dará numa revolução - em escala planetária - não só política, mas social e cultural, alterando os objetos e objetivos da produção de bens (materiais ou não...)!

Os Estados - tradicionais mediadores - vêem sua função tornar-se cada vez mais reduzida, colocando-se como simples instrumentos do mercado mundial e seus complexos industriais. Os antagonismos leste-oeste, antigos formadores de subjetividade, cedem lugar a uma problemática norte-sul, decorrente da instauração de zonas de miséria nas grandes potências capitalísticas. Uma verdadeira terceiro-mundialização dentro do próprio Primeiro Mundo! Frutos do - como diria Guattari - Capitalismo Mundial Integrado!

Tais dualismos tradicionalistas, no entanto, não correspondem mais às problemáticas do agora. Os conflitos "atuais" são multipolares, sem ideologias a proclamar, sem bandeiras a carregar, sem maniqueísmos a introjetar. O rock é um ótimo exemplo. Nas palavras do autor, a cultura rock "desempenha o papel de uma espécie de culto iniciático que confere uma pseudo-identidade cultural a massas consideráveis de jovens, permitindo-lhes constituir um mínimo de Territórios existenciais (Guatarri, 1993)."

Destarte, devemos trabalhar nos dispositivos de produção de subjetividade; fugir da criação de sentidos da mídia, buscando novos caminhos de re-singularização, seja individual seja coletiva. Numa nova maneira de operar, devemos nos afastar do típico profissional "psi", retirarmos nossos jalecos brancos, nosso jargão pseudo-científico - enfim - desfazermos de nossa própria maneira de ser. Não se trata - a obra deixa claro - de esquecermos para todo o sempre de nossos sistemas e teorias, mas de re-orientá-los para uma nova prática, um novo uso. Devemos - isso sim - desancorá-los de seus terrenos passados. Igualmente, cada instituição, seja médica assistencial, pedagógica deve se preocupar em fazer evoluir sua teoria em busca de uma nova práxis.


Não podemos - proclama Guattari - nos deixar guiar pelos aparelhos de Estado, regidos - essencialmente - pelo princípio da economia de lucro. O Capitalismo Mundial Integrado - pós-industrial - descentrou seu focus de poder dos bens de produção para a produção de signos e de sentidos. O CMI não é tão somente produtivo-econômico, mas produtivo-subjetivo. Enquanto que a lógica capitalística dos conjuntos discursivos se propõe a limitar, esquadrinhar seus objetos, a eco-lógica, lógica das intensidades, considera apenas o movimento dos processos evolutivos, apreendendo o mundo através das três ecologias.


Essa ecosofia é insistentemente comparada, pelo autor, à obra do artista que, devido a um acontecimento qualquer, bifurca sua jornada inicial, levando-a para além do inicialmente planejado. Nesta nova lógica, consideramos os sintomas, doenças, desvios normativos como indicadores de uma nova subjetividade em potência. Os Territórios existenciais com que nos confrontamos tornam-se, aqui, não uma realidade fechada em-si, mas como um sutil para-si, para além de si. Na ecosofia, saímos da repetição, da ordem, do ritornelo existencial e caímos na imaginarização inventiva, que nos impede de cristalizar o real.


Tal ecologia social anseia a transição dessa "era da mídia" para uma "era pós-mídia". Uma reapropriação da mídia pela multidão de sujeitos e grupos-sujeito capazes de gerir a máquina midiática em busca de uma ressingularização dos valores. Não se trata, claro, de um novo modelo de sociedade "pronto para consumo". Trata-se, acima disto, de cedermos lugar às desterritorializações do social e de nós mesmos, levando-nos não a uma resolução milagrosa de nossos desastres, mas a um laisse-faire ativo, um deixar-se transbordar, conversão e reconversão de nossos Agenciamentos.


A subjetividade, enfim, instaura-se tanto no meio ambiente, nos Agenciamentos do social e, ao mesmo tempo, nas mais desconhecidas paisagens do indivíduo. Essa tal ecosofia, prática e especulativa, ética e estética, deveria substituir os antigos militantismos instituídos, sejam religiosos, políticos, associativos ou o que seja. "Assim, toda uma catálise da retomada de confiança da humanidade em si mesma está para ser forjada passo a passo e, às vezes, a partir dos meios os mais minúsculos. Tal como esse ensaio que quereria, por pouco que fosse tolher a falta de graça e passividade ambiente (Guattari, 1993)."

4 comentários:

Juaum disse...

Bom, como havia dito, vou aqui meio que devorar o texto que james fez pra cuspir de volta alguns questionamentos, problematizações e provocações... vou seguindo na ordem de escrita do próprio texto.
De cara lanço uma provocação, existe a possibilidade de uma ética ou uma política pura? digo, desconectada do mundo, dos modos de existir, da própria ética ou política e vice versa?
Outra, quando se diz sobre "uma única solução" ou "uma revolução em escala planetária", não estariamos a reatualizar os (micro)facismos, só que a nosso modo? é possível falar em unidade e universalidade e ao mesmo tempo falar em re-singularização das subjetividades?
Uma outra coisa que tem me incomodado ultimamente é essa coisa de falar das lógicas enquanto entidades, explico, quando se diz O Mercado, O CMI, O Estado, parece que continuamos tirando de nós aquilo que nos atravessa, a luz é por demais intensa para que seja somente direcionada/localizada para o canto escuro da sala. Nós somos estas lógicas que nos atravessam e que reproduzimos no invisível do cotidiano, mas também somos a possibilidade de criar outras luzes em outros tons, ou mesmo sons, e intensidades.
Bom acho que por hora é isso... só para tentar começar uma conversa sobre esse bonito texto.

Kleber disse...

Uma escala planetária. Das questões postas pelo João, vou me pegar a essa, agora. Há facismo nessa proposta? Pode ser que sim, se for uma proposta. Mas e se for outra coisa. Digamos que seja apenas, em vontade, uma provocação? Uma provocação não deve primar por reatualizações, posto que ela demanda movimentos, que sabe, não pode controlar. Isso coloca essa provocação diante de uma questão ética. Quem somos para dizer quem é o que? O que fazemos de nós para querer que se faça nos outros?
Dizer não é fácil nesses tempos de controle. Abraço!

J. Thiago disse...

De cara lanço uma provocação, existe a possibilidade de uma ética ou uma política pura?

Pois bem! Sinto o sabor de platonismos e imperativos kantianos quando vislumbro PUREZA. Mesmo assumindo uma quedinha epistêmica por estes pensadores, não é disto que quis tratar. A eco-lógica, lógica das intensidades, apreende o "movimento" dos processos, mas não se propõe a limitá-los. Achei ótima as comparações feita pelo Guattari entre a Ecosofia e a obra de arte, nas quais um dado acontecimento bifurca a jornada inicial, nos levando para além de nós mesmos...

Outra, quando se diz sobre "uma única solução" ou "uma revolução em escala planetária", não estariamos a reatualizar os (micro)facismos, só que a nosso modo?

Não! Ao menos, não necessariamente! Não foi proposta uma nova politéia, pronta e acabada, natural e universal. Basta cedermos lugar às desterritorializações do social, um deixar-transbordar de nossas próprias potências.

...é possível falar em unidade e universalidade e ao mesmo tempo falar em re-singularização das subjetividades?

É, sim! A "universalidade" proposta tem sabor de convite. Não falo da convocação do militar mas, justamente, da fuga do ritornelo existencial. Somos convidados, sim, mas a escrever nossas próprias melodias!

Uma outra coisa que tem me incomodado ultimamente é essa coisa de falar das lógicas enquanto entidades, explico, quando se diz O Mercado, O CMI, O Estado, parece que continuamos tirando de nós aquilo que nos atravessa, a luz é por demais intensa para que seja somente direcionada/localizada para o canto escuro da sala.

Adorei! Mesmo! :D

Juaum disse...

Bom bom...
=)

Lembrei agora do diálogo derradeiro no Matrix 3 entre o Oráculo e o Arquiteto... ele, o segundo, diz sobre uma possibilidade. e acho que é isso que tiro do livro e dessa nossa conversa. penso que não adianta força-los a serem "livres". acho sim que isso se torna uma outra violência.
Porém, concordo quando diz do transbordamento da potência, o deixar-se transbordar no registro das possibilidades e do por vir...
coninuemos...