quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

diário de bordo 19/12/2008

Era uma sexta que teria de ser diferente da passada. Acabou sendo, em parte, mas não como planejado. Combinado era irmos, eu e o João, juntos novamente às 8 horas da manhã, pois o pessoal já conhecido nosso começava a estranhar e perguntar por que não íamos mais juntos. Nessa sexta mesmo, Finha perguntou pelo Joãozinho se ele apareceria ou se ia descontar da sexta anterior que eu tinha o deixado ir sozinho.

A mesma pergunta foi feita pela Nininha e seu Joselito e fazendo o comentário de que a gente só podia está brigado. Eu dei uma risada e disse que não, que só estávamos nos desencontrando e que os estudos estavam atrapalhando nossos horários.

Pois bem, seria eu sozinha naquela sexta. Sentei-me logo na sombra e quando percebi já estava gritando o preço da manga (5 por 1 real!!) para os fregueses que Finha não conseguia dar conta. Fui pegando logo uma sacola e fui socorrida por ela devido a minha falta de costume como feirante. Dei o dinheiro a ela e logo fui pegando outra sacola pra ajudá-la a colocar a jaca dentro.

Ainda assim, ela tava agoniada e deu logo uma bronca no marido e no neto (que hoje tava lá porque já estava de férias), pois eles não a ajudavam, só ficavam ali de cara pra cima vendo o povo perguntar as coisas e sem responder. A mulher ficou tão braba que mandou o marido ir dormir no carro porque ele não ajudava em nada mesmo. Fiquei olhando aquilo com sorriso de canto de boca sem querer me meter muito e sentei-me do lado do neto dela, que descascava a vagem. Bem sonolento, em um ritmo bem diferente do agitado da feira, como se não acontecesse nada ao redor.

Quem ajudava a atender os fregueses de Finha era a Nininha, mas como agora não a deixam mais trabalhar com as coisas no chão, ela tem que ficar subindo e descendo a feira pra conseguir vender alguma coisa. No final das contas perderam as duas: tanto Finha com a ajuda pra vender suas frutas quanto Nininha que antes faturava uns oitenta reais e agora não consegue chegar aos trinta direito. Um prejuízo e tanto.

Aquela região por ali da sorveteria está diferente. O lugar que Nininha ocupava com suas bugigangas agora foi tomado por um carro em que um menino vende dvd’s. Tem também música toda hora e muita gente, muita gente mesmo, comprando. Gente que sai às vezes com 10, 20 em uma sacola. Diz seu Joselito que esse menino vende por encomenda e que tem um pessoal que compra a ele pra revender por aí. E o rapa? – pergunto – não pega mesmo esse meninos? Não – responde – isso tem treta, os fiscais quando estão chegando ligam pra eles e eles saem ligando pra todos os outros e daí sai todo mundo guardando. Sem contar que eles não saem sem nada não. É tanto dinheiro que esses dvd’s dão que eles molham as mãos dos fiscais pra poder vender tranqüilo.

Não foi algo que me impressionou muito não, na verdade nunca duvidei de que o negócio pudesse ser assim mesmo. Apesar de na sexta passada, em que também estava só, enquanto acompanhava um menino que vendia DVD, o fiscal da EMSURB chegou e disse que ia levar tudo. Falou até que se não saísse logo ligava pra policia pra levar a gente. Na hora me vi no bolo sendo levada junto! Foi engraçado que só... Mas também tranqüilo porque sabia que eles não faziam nada, a função é só organizar a feira e fiscalizar.

Escutando os boatos de que a feira não seria ali por causa do Natal, saí andando a procura de alguma informação sobre isso. Parei na senhora dos biscoitinhos, que estava dormindo e acabei a acordando sem querer. Ela me deu um sorriso e perguntou o que eu iria querer. Nisso perguntava se sabia de algo sobre a feira e o natal, se mudaria alguma coisa, logo a do lado se meteu na conversa e disseram que até agora se não falaram nada é porque não mudariam.

E até a hora que fiquei, que foi até o final da manhã, os fiscais da EMSURB não tinham aparecido e assim me disseram que não apareceriam mais porque eles costumam ir cedo. Nisso Nininha, que não é boba, deixou o carrinho dela de bugigangas do lado da banca de Finha e dali gritava seus produtos e ficava de olho quem chegava próximo. Falei que dava até pra ela ficar daquele jeito, que se os fiscais chegassem, dizia que tinha parado pra descansar e que estava andando pela feira. Ela me respondeu que ia fazer isso mesmo ou então que nem a mulher das melancias na frente, que quando “os homens” iam embora, ela estirava o pano de novo e pronto.
Disse que precisava ir embora. Desejei boa feira e recebi um feliz natal. Não costumo desejar bom natal, mas o fiz assim mesmo.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Despercebidos

Depois de várias sextas que por ali já tinha passado, esse meu último contato com a feira me fez pensar que eu poderia não ter percebido coisas que naquele momento me chamava demasiada atenção. Percebia um espaço, uma amplidão até então não notada. Pensei que poderia ser pela quantidade de gente. E era, em parte. O fato de ter menos gente me proporcionava uma idéia de maior espersão entre os corredores, assim como me permitia perceber lugares que até o determinado momento não havia sido explorado como o fiz.
Pequenas ruas que de tão estreitas eram ofuscadas por barracas posicionadas de uma forma que as bloqueavam vieram à tona. Não só isso, mas um salão de beleza que em dias de grande movimento apenas via a cadeira de seu estabelecimento encontrava-se totalmente visível. Podia ver o cabeleleiro sentado em um banquinho ouvindo atenciosamente um rádio encontrado à sua frente.
Durante essa mesma visita pude perceber um rosto que não me era familiar, e fiquei me perguntando se seria a primeira vez que o via ou se simplesmente não o tinha percebido ainda. Era um senhor de cabelos e longa barba grisalhos, de estatura baixa e olhar vivo. Tinha em sua cabeça um chapéu preto e enquanto mantinha uma das mãos no bolso encostava-se com a outra em uma barraca que vendia carnes. Ele não era o vendedor da barraca nem possuía nenhuma sacola de compras. Será que ele estava ali para observar? Passar o tempo? Não sei!
O cabeleleiro, as ruas, o senhor foram essas as coisas que me chamaram a atenção. O pensamento que ficou em minha cabeça foi: será que vou enxergá-los com os mesmos olhos na próxima sexta?

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Nietzsche, a Genealogia e a História

“A genealogia não se opõe à história como a visão ativa e profunda do filósofo ao olhar de toupeira do cientista; ela se opõe, ao contrário, ao desdobramento meta-histórico das significações ideais e das indefinidas teleologias. Ela se opõe à pesquisa da origem” (Foucault).

Ursprung. Encontramos, em Nietzsche, dois usos do termo. Um, enquanto busca do “aquilo mesmo”, origo da moral e da culpa, da lógica e do conhecimento. Outro, coloca a origem como invenção, artifício, fabricação. Tal distinção torna-se necessária para entendermos o porquê da recusa de Nietzsche à Ursprung, à pesquisa de origem.

O genealogista – com os pés na história e repudiando a metafísica – aprende que, por detrás do véu das coisas não há nenhuma realidade numinosa. Não há nenhuma veritas aeterna, nenhuma essência absoluta, nenhum segredo a ser velado ou desvelado. Melhor dizendo, encara que sua essência foi – tão somente – construída por figuras, forças e atravessamentos outros que nada tem de ver com uma identidade pura a ser encontrada no gênese. Se na teleologia metafísica encontramos – no começo das coisas – a preciosa perfeição duma essência pura e luminosa, na genealogia histórica destrinchamos uma verdade da ordem do discurso.

Fazer genealogia, assim, não é aventurar-se rumo aos tesouros ideais da origem. Ao contrário, é abandonar as formas da metafísica e deter-se no singular, no acidente, no acaso. É demolir os castelos da teleologia e dirigir-se aos bairros mais baixos. É referir-se aos episódios mais simplórios e, sem pudor, apontar as personas envolvidas. Destarte, termos outros – como Herkunft e Entestehung – traduzem muito melhor a atividade genealógica do que a ambivalente Ursprung.

Entendemos Herkunft como a “proveniência”. Não a já gasta pertença ao grupo, ao sangue, à tradição. Não falamos, aqui, de reencontrar nos indivíduos, em suas idéias ou em seus ideais traços duma categoria maior que permita classificá-lo junto a outros, mas sim numa desconstrução de si, no desembaraçamento da rede de marcas que se nos entrecruzam. A Herkunft não funda conhecimentos. A proposta da pesquisa da proveniência é – justamente – agitar, fragmentar, mostrar a diferença no que se julgava uniforme. Verdadeira análise da articulação corpo-história, visto que é no corpo que se dão os desejos e as quedas, os movimentos e os desfalecimentos. Corpo atado e desatado, marcado e arruinado de história.

Entestehung, designamos como “emergência”. Ponto de surgimento. A metafísica acredita numa destinação escatológica que busca, desde a origem dos tempos, desde o surgimento das coisas, vir à tona. Na genealogia, entretanto, trazemos à luz os sistemas de submissão, o jogo das dominações, o lugar de afrontamento. Conceitos como liberdade, diferença de valores, lógica ou mesmo a Verdade tiveram o seu nascimento na história. História, esta, de homens contra homens, classes contra classes, dominantes contra dominados. É da guerra, do conflito, do combate que nascem as regras do jogo, que vêm para fundar – e não findar! – a violência. O grande jogo da história é, vemos aqui, aprender tais regras e utilizá-las contra aqueles que as tinham imposto. Interpretar deixa de ser buscar a realidade oculta da origem e passa a ser apoderar-se das regras do jogo – que, vale lembrar, não possuem significação em si – e moldá-las numa nova regra, num novo jogo.

A história teleológica – história atemporal – a tudo julga com uma pretensa objetividade, rumo à verdade eterna, à alma imortal, à consciência imutável. O genealogista escapa desta seara, visto que seu trabalho não se funda sob um céu absoluto. Saber, poder, conhecer – genealogicamente – não é reencontrar nem, tampouco, nos reencontrar. É construir e desconstruir, continuação e descontinuação de nosso ser sem Ser. Não se dissolve as singularidades em categorizações ideais, mas recria-se e faz-se ressurgir a “coisa” no que ela tem de única. Sem princípios originais. Sem destinações últimas. Apenas o acaso e a necessidade. Sem mais. Longe das formas elevadas, dos tipos nobres e das idéias puras, encontramos o corpo, visceral, cru, vivo. Assumindo-se perspectiva, a genealogia também se assume como uma pesquisa de baixa extração. A tudo aceita. A nada diferencia. Da plebe para a plebe.

A genealogia, enquanto sentido histórico, é assumidamente antiplatônica. É – primeiramente – paródica, carnavalesca, criadora e destruidora da realidade, opondo-se à história-reminiscência. Em segundo, é dissociativa e – novamente – destruidora da identidade, visto que não pretende encontrar as origens de um Eu qualquer, mas fazer aparecer as forças que nos atravessam, proibindo-nos toda máscara, toda tradição, todo essencialismo. Por fim, genealogia é destruição – mais uma vez, destruição! – do próprio sujeito epistêmico, do próprio eu-que-conhece, visto que todo saber é fundado em tal perspectiva do conhecimento.

Retornamos, assim, à recusa inicial do Nietzsche genealogista à pesquisa de origem. Abomina-se a Ursprung, mas não a pesquisa-proveniência ou a pesquisa-emergência. Seja Herkunft ou Entestehung, “a veneração dos monumentos torna-se paródia; o respeito às antigas continuidades torna-se dissociação sistemática; a crítica das injustiças do passado pela verdade que o homem detém hoje torna-se destruição do sujeito do conhecimento pela injustiça própria da vontade de saber” (Foucault, 1979, p.37).

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Momento

O vento corta os seres pelo meio.
Só um desejo de nitidez ampara o mundo...
Faz sol. Fez chuva. E a ventania
Esparrama os trombones das nuvens no azul.

Ninguém chega a ser um nesta cidade,
As pombas se agarram nos arranhacéus, faz chuva.
Faz frio. E faz angústia... É este vento violento
Que arrebenta dos grotões da terra humana
Exigindo céu, paz e alguma primavera.

(Mário de Andrade)





aproveitando o momento de chuva que temos hoje em nossa cidade e o desejo de se completar que é reforçado pela natureza.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Diário 28 11 08 ou sobre as estórias que nos contam.

Seu Juscelino é o marido de Dona Finha, vendedora de frutas, verduras e algumas raízes. São pessoas sempre presentes em nossos relatos. Bom, desta vez que estive na feira sozinho, após andar um pouco por entre as gentes, como de costume faço, sentei próximo ao referido homem perguntando se lembrava de mim, respondeu que sim com um sorriso amistoso. Perguntei, pois era a segunda vez que encontrava com ele por lá, não é de seu costume ir à feira e ficar por lá como me relatou novamente, gostava de ir de vez em quando e observar o movimento. Não tinha o dom para ser feirante.

Desta vez conversamos mais um tanto e ele me falou coisas da feira e coisas da vida. Enquanto falávamos da festa de aniversário de sua filha, Dona Finha chegou com um saco de fava e entregou para seu Juscelino debulhar. Aproximei-me e ficamos assim os dois trabalhando para a senhora enquanto ela vendia os produtos. Não sabia que sabia debulhar fava, nunca tinha feito isso, foi algo de intuitivo e na terceira já havia entendido a melhor forma de fazê-lo: primeiro arranca uma ponta, depois retira o fio que une um lado a outro e abre para jogar os grãos na bolsa. Durante este trabalho conversamos sobre algumas coisas bastante interessantes.

Primeiro conversamos sobre a história da feira. Ele me contou que a vinte anos atrás não existia feira em Aracaju, pelo menos não daquele jeito que é agora. Falou que feira daquele tipo com bancas organizadas e acontecendo em todos os bairros havia sido trazida de fora por algum prefeito que ele não lembrava o nome, mas que já existia fora do estado, que ele já havia visto em São Paulo e no Rio quando era mais novo e viajava bastante. Disse que já morou próximo a uma feira livre lá em São Paulo e estranhou quando viu aquele tipo de coisa, pois aqui em Aracaju só existiam três feiras: uma no bairro América, outra no mercado lá no centro e mais uma chamada oficinas no Siqueira Campos. Havia mais ou menos vinte anos somente que as feiras de rua adentraram os bairros por obra de algum prefeito que copiou de fora, isso ficou burilando na minha cabeça porque pensava que a feira sempre existira nas ruas e o estado entrava a posteriori para controlar o espaço. No mínimo uma coisa curiosa.

Enquanto lá estávamos a debulhar favas, um senhor apoiado sobre uma bengala, manco, passa e cumprimenta Dona Finha e seu Juscelino. Rindo ele me conta a estória daquele senhor amarrando-a na antiga feira do mercado central. Disse que ele era conhecido antigamente como Baiano das cobras, pois, em dias de feira, portava duas cobras e uma banca vendendo remédios milagrosos, daqueles que curam de tudo, e era assim que ganhava a vida fazendo arte no passeio público. Isso ele dizia para todos, não gostava de trabalhar, não havia nascido para isso, por isso fazia remédios e arte, era na verdade um ator. Um ator, ressaltou seu Juscelino, um ator, tanto que ele continuava atuando: contou-me que não era manco nem nada, andava pela feira pedindo dinheiro dizendo-se aleijão, pois não trabalhava, antes ganhava a vida assim desde que a proibiram sua arte com as cobras. Proibiram sua arte, então ele criou outra que fosse aceita no mesmo espaço. No entanto caminhava perfeitamente, era um ator, um ator.

Seu Juscelino inferiu algumas constatações: a feira do mercado não era mais feira, segundo ele, agora ela era chata e feira tinha que ser divertida; o mercado passou por uma transformação, mas ainda tem algumas pessoas mais antigas que fazem questão de ir comprar lá, saem com cestos enormes vazios na cabeça e voltam com eles cheios. Disse novamente que na feira é preciso ter ginga para vender, ao que ele chamou de dom de feirante, um saber conquistar o freguês. Então, contou-me da sua jornada junto à dona Finha antes de ir à feira do Castelo Branco às sextas. Começam na quinta-feira a tarde comprando produtos no Ceasa, depois voltam com as coisas no carro e passam por alguns sítios próximos de onde moram para arranjar produtos mais baratos, enfim, em casa arrumam o que é de sua produção própria no carro para de manhã bem cedo, em torno de 04:00, saírem de casa e chegar às 04:30 no local da feira, só aí arrumam a barraca e esperam pela gente. Disse que essa rotina cansa e que já havia dormido duas vezes no carro desde que chegara.

Antes de sair, explicou-me ainda que dava pra viver com o dinheiro que fazia na feira, ali é sempre o começo para quem quer crescer como comerciante. E se eu me juntasse a algum amigo poderia montar uma sociedade e fazendo três feiras por semana, o que significaria três turnos numa semana, pagar a faculdade e ainda sobrava um dinheirinho pra viajar. Então depois de algum tempo de silêncio, me despedi, enquanto ele brincava com o neto que também estava por lá no dia. Disse que na próxima festa que fariam era para eu aparecer e chamar a menina, no caso mairla. Consenti com a cabeça e saí...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

diário 21 11 08 (descobrindo a associação de feirantes)

Diferente de outros dias, como havíamos resolvido na ultima sexta, fomos em dupla. Encontrei Mairla por volta de oito da manhã e voltamos pra casa próximo às onze, quase três horas se passaram sem que nos déssemos conta do tempo que o relógio marca. Nos encontramos num praça que fica por trás das bancas de frangos, a vi lá pequena sentada sozinha por trás das gentes observando. Ela me falou das pessoas que haviam notado sua presença: dois homens e suas bicicletas, quando um deles pediu para ela dar uma olhada no seu veículo enquanto comprava alguma coisa – Mairla, quem sabe virará, algum dia, guardadora de bicicletas naquela praça; os bêbados da manhã de sexta, em geral amistosos com suas garrafinhas de cachaça, pararam um instante e depois atravessaram a rua e alojaram-se na calçada do outro lado da rua. Conversamos mais um pouco sentados, quando três policiais andando como quem só toca o chão, ou talvez pisa mais forte, atravessam em meio as pessoas, os corredores da feira. As pernas nos colocaram em movimento e fomos atrás dos fardados para ver o que dava.

Seguimos mas nada se deu, imaginamos que fosse pegar ônibus no ponto para ir ao trabalho. Daí encontramos com Dona Finha e Nininha que trabalhavam sob o sol quente, como de costume, sorrisos e comovais, tudobens. Instantes depois passam novamente os policiais com dois rapazes sob os punhos cerrados e por instantes os olhos da feira voltaram-se para a cena. Perguntamos como havia sido a festa da filha de Dona Finha e Seu Juscelino sob o pretexto de comemoração de anos. Havia sido boa e fomos questionados por que não havíamos aparecido por lá, algumas desculpas e ficaprapróxima. Nininha, toda encapuzada, sob o sol quente suava, estava um tanto adoentada devido exposição solar, resolvera, então, se proteger mais enquanto no trabalho. Um tanto entristecida, porém forte, ela nos falou que na próxima semana não poderia mais vender suas coisas no chão, mesmo pagando ao fiscal o valor tributário ao uso do chão para expor mercadorias, o rapa avisara que levaria suas mercadorias apreendias se ainda estivessem utilizando o chão da manhã de sexta. Resultante, disse que venderia suas coisinhas agora no carrinho que carregava perambulando pela feira. Um problema, pois como Mairla observou, Nininha dava conta também dos produtos da banca de Dona Finha quanto esta não estava presente ou se embananava meio ao acumulo de gente.

Ah! Teve o carinha lá do carrego no dilema de levar ou não uma pochete de Nininha. Ele tentando convencê-la de pagar na próxima semana ou mais tarde, argumentou que a feira estava fraca no dia e não tinha conseguido muita coisa, o que confirmou nossa percepção anterior que a feira estava realmente mais vazia. E também algumas pessoas da fiscalização certificavam-se sobre a correta medida das balanças. Daí, de novo em movimento, fomos atrás de uma moça que, de acordo com a descrição feita a posteriori por Mairla, vestia um palmo de short e uma blusa amarela mostrando a barriga esburacada horrorosa, devo concordar com essa observação, pois vi com estes olhos que a terra há de comer. Fomos atrás, pois comentei que ela faria sucesso com os marmanjos da feira, mas não ouvimos nada e continuamos andando enquanto ela fazia suas compras. Andamos mais e passamos novamente pela praça dos banheiros químicos vendo a movimentação, alguns bebiam lá, outros descansavam, e Mairla quis voltar pela rua de trás devido olhares estranhos direcionados a nós naquela parte, mas insisti e resisti ao medo dela e voltamos pela mesma rua e nada aconteceu. Então sentamos na praça do parquinho e ficamos observando alguns homens que conversavam e tomavam pinga por ali. Penso que a feira tem mesmo destes espaços de sociabilidade que estão além da feira, juntam em um mesmo lugar crianças no parque e bêbados que bebem conversam e chamam gato, cachorro, periquito e gente de carniça. Ôh carniça! Sai daqui carniça! Então apareceu o sorveteiro pela rua e um dos meninos do carrego que estavam ali na praça comprou um e recebeu o conselho de não dar sorvete aos outros para que ele pudesse vender outros! É mole?! Demoramos-nos um bocado na praça observando ao que o corpo de Mairla respondeu com bocejos. Levantamos para acordar, enfim.

Andando novamente, vimos uma senhora com alguns papeis em mãos, ela conversava com algumas senhoras feirantes, mas não era consumidora, estava ali com outros intuitos. Rondamos, circulamos por perto como moscas de padaria para perceber seus interesses até que, conseguimos ler na página superior que ela carregava algo como “Cadastro... Associação de Feirantes”. Aquilo nos inquietou, mas não conseguimos espaço para conversar com a tal mulher. Então fomos a uma banca que vendia beiju, tapioca e bolachas. Comprei alguns biscoitos e Mairla um beiju, aproveitamos a desculpa para perguntar a senhora vendedora sobre quem era aquela mulher e o que ela estava fazendo. Ela fez uma cara feia de desconfiada e falou que era alguma coisa da associação de feirantes que estavam inventando, porém era muito cedo para saber ou dizer alguma coisa. “É, tá muito cedo ainda, muito cedo!”

Recorremos a nossa banca de conhecidos para conversar com Dona Finha sobre a tal associação. No caminho, um detalhe emergiu do campo: já havia alguns feirantes com crachás indicando participação na tal associação de feirantes. Curioso, pois não havíamos dado conta deste detalhe anteriormente e justamente as pessoas que portavam a identificação são aquelas que fazem na feira uma outra feira, aquelas que tem outros tipos de cuidados com suas mercadorias e efetuam outro tipo de marketing. Chegando à banca de nossos amigos, conversamos com Nininha sobre o que vimos, ela nos explicou que não sabia ainda direito o que era e fazia pouco tempo que haviam começado com aquilo, mas que precisava pagar dez reais por mês e que não serviria de muita coisa, pois só dava assistência ao feirante que caia doente e “quem já viu feirante cair doente? Feirante não cai doente não”. Falou, ainda, que não estavam explicando a história direito não, sabia das coisas superficialmente e que não ia ajudar em nada a ela porque de todo modo ela deveria tirar suas mercadorias do chão após o ultimato dado pelo rapa.

Aqui nos atravessa uma história enquanto estávamos novamente sentados próximos à Dona Finha e Nininha. Um certo rapaz chamado Márcio, o qual trabalha fazendo carrego de mercadorias, nos vez rir com suas histórias da feira por algum bom tempo. Contou-nos uma história de uma “veia que paga bem, mas é chata feito o infiliz”, disse ele que ela pagava dez reais por carrego, mas quando chegava à casa dela, trancava o portão e tentava evangelizar o rapaz. “Ela me vinha com uma aguinha com açúcar sem graça e uma bíblia dizendo que eu tinha que ser testemunha de Jeová. Testemunha de quê, minha veia? Eu nem tava lá, eu nem era vivo, nem conheci esse tal Jeová! Testemunha do que eu nem vi? Vou acabar é sendo acusado! Se ainda tivesse umas coisinha, um agrado, um suco, uma filhinha, umas gracinha, mas não só tem veia! São três veias morando tudo junto. Ela paga bem, é dez reais, mas também tome cinco horas de veia lendo bíblia! Pois... ninguém daqui suporta essa veia, todo mundo foge, só um veio lá que também é crente e gosta das rezas.” Daí perguntei se tinha muito disso por lá, de pessoas que o pessoal do carrego fugia: “Vixe! Muita gente! Muita gente chata mesmo!”. Então ele saiu sem se despedir pra tirar graça com outro rapaz do carrego e depois saíram os dois para trabalhar.

Também nos levantamos e fomos procurar saber mais sobre a tal associação de feirantes junto ao pessoal que já portava o crachá. Uma mulher que vendia verduras trazia escrito em seu indicativo “Diretoria”, paramos junto a ela para conversar sobre a associação e ela nos indicou ao senhor que vende queijos na banca ao lado: “Olhe fale com Antônio pra ele explicar melhor pra vocês, ele é o presidente, quem teve a idéia e criou a associação”. Antônio vende queijos em sua maior parte, mas também castanhas e biscoitos, já havíamos percebido algo diferencial em sua postura de comerciante frente aos outros feirantes: a organização da sua banca e o manejo com as mercadorias indicavam sua diferença, algo sutil, que poderia até ser chamado de “mais limpo”, mas também um outro jogo relacional com o cliente algo que trabalha também pela propaganda. Ele nos falou que criou a associação para fortalecer a classe dos feirantes que, segundo ele, estavam correndo risco, pois a prefeitura junto aos grandes supermercados estava tentando acabar com as feiras livres e transformá-las no que tinham feito com as feiras do mercado central, do augusto franco e do orlando dantas. Disse ainda que a feira é “um patrimônio cultural da humanidade” e que não poderia morrer. Além disso, falou que os associados tinham benefícios garantidos, tais quais lazer no clube cotinguiba e assistência médica na rua Bahia. A associação foi criada há apenas um mês e não possui filiações políticas, segundo o presidente, e tudo feito com iniciativa e dinheiro dele próprio. “Já existe sede com computador e tudo, inclusive e-mail, mas ainda é muito novo, a gente ainda ta conversando com o pessoal”.

Disso voltamos para a banca de Dona Finha e conversamos com Nininha contando do que ficáramos sabendo. Mesmo assim ela não mostrou muita confiança e falou que se fosse assim mesmo a idéia seria boa, mas “tem que ver, tem que ver...”. Fomos então embora, após quase três horas de feira, sem nem ao menos termos nos dado conta do tempo que o relógio marca.

Confusão de sentimentos.

25/11/2008, sai da UFS ás 01h15min, com a esperança de chegar super cedo no Lions e não perder nada do último dia das reuniões lá neste ano de 2008.
Pela primeira vez consegui chegar antes de Marcus, e este por incrível que pareça chegou faltando pouco para as 14h,
Sentei com Thiago e fiquei ali, olhando para aquelas senhoras, todas arrumadas, usando brincos, batom, sandálias novas, colares, uma que me chamou muito a atenção foi dona Francisca, sempre tão simples, estava de colar, brincos, sandálias novas, saia diferente da habitual. Todas ali, com seus adereços simples e pouco perceptíveis àqueles que não convivem com elas, mas ao mesmo tempo tão significativos para elas, pois estavam em dia de festa, e tão curioso para mim, já que com minha ignorância esquece que elas ,também, são mulheres e como tais possuem sutilezas especiais para uma festa.
Porém, continuava ali, sentada, apenas olhando, as aparências, as fases, os gestos, não entendia o que se passava, ou melhor, não entendia o que sentia.
Dona Zefa como sempre cantava, cantava, sozinha, todo o restante permaneciam sentados, e àqueles que iam chegando, também iam se acomodando. Mas, não parecia um dia de festa, tava tudo muito quieto. Houve umas brincadeirinhas aqui, outra ali. Em certo momento, D. Zefa cantou uma música, a qual fazia alusão a homem que era mais mulher que homem, porém ela cantou perto de um velho, o qual virou pra ela disse; “E o que é isso?”. D. Zefa toda descontraída disse: “E ta se doendo?”, e continuou a cantar, só que dessa vez olhando diretamente para ele.
Quando Marcus chegou, foi logo começando a tocar e todos começaram a se animar e a se levantar. Uma mulher, que creio ser convidada de D. Helena, olhava com desdém e ria ironicamente, não sei por que, mas aquilo me incomodou tanto, ao ponto de focar meus olhos nos dela, para intimidá-la a não continuar com tal comportamento.
A família real foi chegando, o amigo secreto foi sendo organizado, e nós infelizmente, ficamos ser ter aonde sentarmos, dessa forma acabamos do lado dos leões. Entretanto, agora me pergunto, o porquê de termos parado lá. Falando por mim, no momento olhando para os idosos não me sentia fazendo parte do grupo, era a festa deles, talvez isso tenha influenciado para ter sentado no “altar”. Enfim, acabamos lá, porém nunca imaginei que o olhar de cima fosse tão amedrontador e humilhante, pelos comentários todos estávamos se sentindo muito mal ali. Parecia uma corte, os leões, ou melhor, os reis e as rainhas no seu altar, e os súditos servindo de bobos da corte, o momento em que estavam recompensando a família real, pelos benefícios prestados.
Fiquei chocada com a disputa de predominância pelo dragão, e pela família real, pois o dragão fazia questão que todos usassem as roupas, que havia mandando fazer, e pagado claro, já a realeza queria que seus súditos usassem as blusas do Lions. Parecia um duelo para mostrar quem fez mais benefícios.
Marcus não perderia a oportunidade de citar a Universidade, seu trabalho, a psicologia, então com nós de pé falou nossos nomes, nosso curso, e blá, blá, blá. Uma leoa nos agradeceu, o que me surpreendeu. Depois mudou seu foco para as idosas, agradecendo a uma senhora, a qual sem ela aquilo não existiria, D. Zefa que já estava de pé, já ia se aproximando, mas calma D. Zefa ainda não era a senhora, mas sim D. Joana, a mais velha, 94 anos, quanta vida... Enfim, chegou e Marcus agradeceu a nossa tão prestigiada artista D. Zefa.
As leoas abraçavam as senhoras, falavam com todos, mas a fronteira era bem definida.
Apesar da confusão da roupa, a apresentação Marcus saiu. Nós fomos ajudar a organizar, “Thiaguinho”, claro, foi nosso fotógrafo profissional, mas você Thiaguinho, é gente fina, só que dessa vez, eu também, recebe uma tarefinha, passava para Marcus qual era a ordem das músicas. E as velhas com seus vestidos quase iguais, os velhos com suas blusas iguais, dançando, cantando. Um episódio muito curioso aconteceu, no meio da apresentação, uma leoa entrou no meio dançando, parecendo não sei lá o quê, e Marcus lá sem entender nada, olhando como se fosse pular em cima dela.
Após o momento dançante, veio o lanche, depois que as leoas haviam distribuído bolo e refrigerante, Bruna e James distribuíam paezinhos de queijo que havíamos levado. Todos comeram inclusive nós. Depois seria o amigo secreto, e outras coisas, as quais não vimos, porque eu precisava ir para o mestrado, já que dia de terça trabalho à tarde.
No outro dia conversando com João e falando o que tinha acontecido, e minhas impressões, ele simplesmente me questionou: “E os idosos?”. Não soube o que responder e, aliás, ainda não sei, na verdade, nem sei o que senti, uma confusão, uma vontade de ir, e de ficar, os sentimentos se misturavam quando tinha alguma leoa por perto. Talvez, meus colegas tenham conseguido definir mais nitidamente seus sentimentos. E assim acrescentem...