domingo, 12 de dezembro de 2010

Já é noite quando me sento para redigir esta carta. Na verdade, ela já deveria estar pronta, já deveria ter sido enviada... acho até que se os prazos tivessem sido cumpridos por mim no momento em que escrevo já teria sido lida. Peço perdão. Alguns imprevistos e contratempos do percurso contribuíram para o atraso, mas agora que posso, sento e escrevo. Escrevo com satisfação. Há muito que um trabalho acadêmico não se apresenta tão interessante aos meus olhos. Fico feliz por ter participado dessa disciplina que se desenrolou de uma maneira muito gostosa ao longo do semestre e que encontrou uma maneira igualmente gostosa de se encerrar: escrever uma carta anônima! Posso afirmar com toda certeza que, muito mais do que Foucault, que foi a figura, a instituição, o autor em torno do qual nos reunimos durante esse tempo, somos nós, eu, você e os demais integrantes do grupo, os responsáveis pelo sucesso da disciplina. Uso a palavra sucesso não pensando em padrões que foram conquistados ou metas que foram atingidas, mas pensando nos encontros que foram proporcionados, nas questões que foram levantadas e nos afetos que foram produzidos.
Pensando em afetos e em todas as coisas que me mobilizaram nesse percurso nem sei se todas são transponíveis em palavras. Mas, sobre as que consigo, ou acho que consigo, falar vou recorrer inicialmente às palavras de outra pessoa, um não-anônimo, nosso conhecido:
Um dia desses você vai ficar lembrando de nós dois
e não vai acender a luz do quarto quando o sol se for
bem abraçada no lençol da cama vai chorar por nós
pensando no escuro ter ouvido o som da minha voz
vai acariciar seu próprio corpo e na imaginação
fazer de conta que a sua agora é a minha mão
mas eu não vou saber de nada do que você vai sentir
sozinha no seu quarto de dormir.¹

O trecho acima é de uma música intitulada “quarto de dormir” e me faz pensar em coisas íntimas e secretas. Essa carta, por exemplo, se não for íntima, é no mínimo secreta em função do seu caráter anônimo, apesar de ao mesmo tempo ser compartilhada por toda a turma. Já se pensarmos em nós, individualmente, se não somos secretos, não temos como renegar à intimidade que nos constitui. Nos constitui? É-nos imposta? Ou impera sobre nós? Os três não são necessariamente excludentes. Aquilo que dedicamos à esfera do nosso quarto de dormir, inclusive dormir, é parte fundamental disso que foi referido acima como individualidade e que guarda uma certa verdade sobre cada um de nós. Verdade essa que abrange inclusive nossa intimidade e nossos segredos.
Fico me perguntando se não estaria você tentando adivinhar quem sou eu. Quem, dentre as pessoas que foram seus colegas de turma durante um semestre inteiro, estaria te dedicando estas palavras? Em algum momento, para encontrar o mascarado escritor desta carta as coisas ditas precisarão se unir a uma ou mais imagens para constituir a verdade do autor. Maldita verdade que nos acompanha onde quer que formos. Por que maldita? Como uma maldição, ela permite e espera um único desfecho e aparece como única explicação, faz com que precisemos de explicação.
O fardo da verdade se estende às esferas mais íntimas e secretas da nossa vida. Eu disse “se estende”? Agora fiquei na dúvida... será que não seria mais apropriado dizer que é o próprio anseio por uma verdade que produz esferas íntimas e secretas? Sabe, se de alguma forma eu possuísse palavras de conforto diante de todas essas dúvidas que levanto eu as diria. Não sei onde o conforto nos levaria. De fato, não considero que o conforto permita qualquer tipo de movimento, no máximo ele permite que continuemos na inércia do mesmo lugar. Um lugar onde, ao mesmo tempo em que podemos ser facilmente encontrados, é inevitável que estejamos sós.
Acho que essa carta trás um pouco de proximidade... talvez um pouco de intimidade compartilhada. O que venho por meio desta compartilhar contigo, caro colega, é a minha necessidade de companhia. O que quero dizer é que não me agrada permanecer no conforto de uma vida solitária, preciso de companhia, de colegas, de parceiros. Preciso de pessoas, livros, imagens e tensões que ponham a minha vida em movimento, para que nesse movimento eu perceba que a minha vida não é só minha, que essa tal individualidade é ilusória, por que de repente eu me percebo no meio de uma deliciosa confusão muito maior que o meu alcance. Uma confusão que abre espaço para o falseamento da tão perseguida verdade e que a todo instante é invadida pelos frutos do acaso. Também de repente, percebemos que não há nada mais íntimo do que essa estranha coletividade e que os segredos não precisam se justificar, mesmo quando revelados ainda é permitido que mantenham sua aura de mistério.
Talvez essa carta assuma a aparência de palavras ao vento, ou quem sabe contenha certa frivolidade, ou possua uma grande falta de sentido. Não sei. Só o que posso afirmar é que essa é uma carta despretensiosa, não tentei resolver grandes mistérios ou inaugurar novas idéias, só tentei falar um pouco de mim para você! Espero que o prazer que senti ao escrever seja alcançado também na outra margem desse papel!
Com carinho,
Uma boa noite!

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