sábado, 23 de agosto de 2008

Analisar, teorizar, educar...

Muito nos inquirimos - ou, ao menos, deveríamos - sobre a nossa persona de pesquisadores. Perquirimos, investigamos e analisamos nossos objetos quaisquer. E é até engraçada a manipulação, ainda que em idéias, da dicotomia sujeito-objeto; da relação do tão-somente-eu com o totalmente-outro. Nos espantamos com a diferença, mas não nos deixamos trans-formar por ela. Ao contrário! Já nos in-formamos sobre todas as paragens destes terrenos desconhecidos, dando-lhes uma trajetória não tão estranha a nossos olhos e - por que não? - objetivos.

Este jogo de formas é curioso. Mais curiosa, ainda, é a análise que fazemos disto tudo. Análysis, em língua helena, é dissolver. Dissecar. Separar. Analisarmos nossos objetos, em tal lógica, seria dissolver os seus ditos e feitos. Dissecar seu jeitinho peculiar de ser. Separá-los deles mesmos e de nós! Que fria esta tal de análise!!! Destrói nossos próprios objetos! Distancia-os de nós! O que faz-nos correr o risco de perdermo-nos a nós mesmos...

Fazemos isto - simples! - para teorizar. Não, não exclamarei sobre Foucalt, dispositivos de vigilância e panoptismos! Acho que já estamos plenamente nutridos de tais (des)caminhos. Sendo não menos pernóstico e saciando quedinhas pessoais pela Antiguidade, retornarei aos helenos. Theoria, para os bons gregos, significa visão, contemplação. Não seria bom sermos bons como os helenos e perdermo-nos na beleza de nossos objetos? Deixarmo-nos encantar pelo vislumbramento do estranho? Contemplarmos o nosso objeto e nos perdermos em sua justa medida? Ideias e ideais do Verdadeiro não ouso buscar, mas não seria mais "teórico" deixar tal objeto ser como se é, ao invés de sujeitar-lhe com o nosso próprio ser?

Talvez os patrísticos romanos e sua gnose possam lucificar-nos um pouco. Para estes, toda instrução ou conhecimento deveriam ser voltados para a educação. Explico-me. Educação é Educere, pôr para fora, transbordar-se de si mesmo. A educação, aqui, é uma realização da razão-de-ser do próprio homem. Filosofias a parte, fechemos nossas asas. Mas gostaria de compartilhar com os senhores um interessante ocorrido.

Há algum tempo atrás (julho de 1742...), os estadunidenses condados de Virginia e Maryland assinaram um tratado de paz com os índios das Seis Nações. Em nome da maravilhosa, superior e filantrópica democracia norte-americana, píncaro da humanidade, os governantes mandaram cartas aos índios, para que enviassem alguns de seus jovens para estudar nas escolas dos brancos. Os "Chefes" se pronunciaram, numa carta-resposta. Eis um trecho:

"... Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa... Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens."

Parece tudo muito complicado. E de fato o é. Pôr de lado a persona de analisador é pôr de lado nosso próprio ego. Pergunto-me até - confesso - se isto é possível. Bem-teorizar, como os antigos, idem. Está aí um bom desafio que deveríamos encarar. Educar e sermos educados. Conhecer e não somente fazer conhecer. Agir, sim, mas deixando espaço para o ser de outros...

2 comentários:

Bruna_ disse...

cocordo que a distinção que se tenta fazer entre puramente sujeito e totalmente objeto ainda é muito forte... mas o quê que acontece quando o próprio sujeito passa a ser um objeto?

Juaum disse...

Acho que é mesmo isso que você diz no último parágrafo, é um desafio. político, eu diria, e é bem importante enveredar nessa reflexão para que não nos percamos imersos em dados, resultados e verdades. é exercitar os olhos para que não nos percamos de vista, já que se apagar também não é possível como muitos tentaram e ainda tentam. aqui fica a proposta, retomar os gregos não dá, aquilo servia a eles num dado contexto e saudosismo pode engessar, então podemos nos aventurar mais e inventar o novo justamente no presente.
acho que é isso que tinha a dizer.