sábado, 23 de agosto de 2008

Por uma antropologia dos mundos contemporâneos (Marc Augé)

Prólogo

O paradoxo de hoje assinala que toda ausência de sentido evoque sentido, assim como toda uniformização evoca diferença. É nesse jogo complexo de chamados e respostas que o antropólogo encontra agora seus novos objetos de reflexão (pág. 8).

Capítulo 1
O espaço histórico da Antropologia e o tempo antropológico da História

Na época que a Antropologia se definia como o estudo das sociedades longínquas e diferentes, o problema era conciliar a idéia de um esquema geral da evolução humana com a realidade de configurações culturais e sociais particulares (pág.10).

Se a história da História, que é por um lado a história da relação entre História e Antropologia, acabou por definir as condições de uma “história do presente”, a Antropologia não deve interpretar essa evolução como um sinal imperialista de uma concorrência desleal, mas como um sintoma mais significativo ainda por ter sua fonte na reflexão de historiadores por definição especialista do tempo (pág.11).

É a especificidade da área que faz a das disciplinas ou se não são, ao contrário, os passos disciplinares que constroem as áreas às quais se aplicam (pág.12).

A distinção das disciplinas abrangeria a distinção dos objetos que elas se outorgam, as sociedades com história (no sentido de consciência histórica) em um caso, e as sociedades sem história (sem consciência histórica) no outro. (pág.12)

A mudança não é necessariamente História nem uma sociedade sai da História porque ela vive um período de relativa estabilidade. A História enquanto disciplina científica não nasce necessariamente em épocas ou em sociedades marcadas por uma forte consciência histórica (pág. 12 e 13).

Antropologia, cujo nascimento está ligado ao período colonial, define-se como o estudo do presente de sociedades longínquas. Em contrapartida a História, originalmente uma história nacional ou local, define-se como o estudo do passado de sociedades não muito remotas (pág. 13)

Mas as duas disciplinas estão, entretanto, numa relação de proximidade que remete à natureza de seu objeto: o espaço enquanto matéria da Antropologia, é um espaço histórico, o tempo como matéria-prima da História é um tempo localizado e, nesse sentido, antropológico (pág.13).

O espaço da Antropologia é necessariamente histórico, já que é precisamente um espaço dominado por grupos humanos, ou seja, um espaço simbolizado. Tal simbolização, que é fato em todas sociedades humanas, visa tornar legível a todos aqueles que freqüentam um mesmo espaço um certo número de esquemas organizadores, de referências ideológicas e intelectuais que ordenam o social (pág.13).

Do ponto de vista subjetivo, do ponto de vista segundo o qual sujeitos podem encarar o passado de sua sociedade, a história mítica que acabamos de evocar talvez não seja fundamentalmente diferente da história propriamente dita, ou talvez seja preciso dizer que, no bom ou no mau sentido, toda história pode ser mítica: é significativo que se tenha podido hoje falar de “fim da história” no mesmo momento em que, pelas mesmas razões, proclamava-se a morte das ideologias, isto é, de mitos reconhecidos como tais e condenados à morte a partir do momento de serem reconhecidos pelo que eram (pág.17).

O que domina em toda alteração é a persistência da matéria antiga (pág.18)

Com o termo “etno-história”, os etnólogos pretenderam antes compreender a concepção da história dos povos que estudavam do que fazer história deles. Mais exatamente, pretendiam compreender a concepção que esses povos tinham de sua história (pág. 18).

A etno-história pode fixar-se em dois objetivos. Primeiramente, interrogar-se sobre a história real das sociedades que estuda e sobre a qualidade e a credibilidade dos testemunhos fornecidos exatamente com esse propósito (pág.19).

O segundo objetivo da etno-história aparece então, a Antropologia interroga-se sobre a significação desta ou daquela modalidade particular de memória, sobre o sentido e o lugar de uma memória histórica que remonta rapidamente a seus confins místicos (pág.20).

Independentemente de quais sejam a significação e o valor real dos rótulos “direita” e “esquerda” ou “conservador” e “progressista”, é interessante notar que eles se definem sempre em relação à história passada e à história futura (pág.21).

É natural, se admitimos que o objeto da Antropologia é, antes de tudo e essencialmente, a idéia que os outros têm da relação entre pessoas: a primeira alteridade começa mais perto do antropólogo; ela não é necessariamente étnica ou nacional; pode ser social, profissional, residencial (pág.25).

Hoje, o Planeta encolheu, a informação e as imagens circular e, ao mesmo tempo, a dimensão mítica dos outros se apaga. Os outros não mais são diferentes: mais exatamente a alteridade permanece, mas os prestígios do exotismo desapareceram (pág.25).

Nossa modernidade cria passado imediato, história, de forma desenfreada, assim como cria alteridade, ao mesmo tempo em que pretende estabilizar a História e unificar o mundo (pág.26).

Poder-se-ia dizer que a relação entre o campo e seu analista sempre foi afetada por fenômenos de "transferência" (o campo se reduz à visão que dele tem o analista) e de "contratransferência" (a teoria é apenas uma transposição do campo) que seriam, nos fatos, pouco distinguíveis se não se definissem, justamente, em relação ao termo "teoria": a "tranferência" é a afirmação da legitimidade de uma teorização do social e a "contratransferência", a afirmação de uma dúvida sobre qualquer possibilidade de teorização. (pág.27)

O problema se resume em saber se, ao sistematizar a interpretação da realidade contemporânea, as teorias do consenso e da pós-modernidade conseguem realmente dar conta de seus aspectos inéditos. Como pensar em conjunto a unidade do Planeta e a diversidade dos mundos que a constituem? (pág.29)

3 comentários:

Mairla disse...

ahn, só para registrar: decide por fazer o fichamento em cima de pontos discutidos por mim, joão e bruna pessoalmente.

Bruna_ disse...

gostei muito da parte em que ele fala de quais seriam os possíveis objetos de estudo de cada um ( Antropologia, História) e que de acordo com meu entendimento muitas vezes se cruzariam.

Juaum disse...

Então, acrescentei ao fichamento indicativos da discussão que o augé propõe sobre a relação entre o campo e o analista. acho ser interessante pra gente ter isso em mente.