sexta-feira, 22 de agosto de 2008

café e anis estrelado

Quando se vai à feira para comprar nada, é estranha a sensação que dá. Parece que algo sai do lugar, e deslocado, o corpo busca alojar-se nos cheiros, nas cores e formas, nos ruídos das vozes e das facas cortando peças enormes de carne vermelha. É estanho o movimento que ganha as pernas que aceleram mesmo quando querendo desacelerar, andar com calma e ver coisas. É muita coisa, muita coisa, e o corpo não habituado a passeios solitários ao ar livre por entre verduras e ovos frescos, farinha e frutas, baldes e “mercadorias do paraguai”, dvds piratas e sarapatel, estranha, sente que ali é lugar de fazer algo e não de passeio, nisso busca idéias. Pensa, “poderia comprar alfaces, estão tão vistosas, e tomates, mas não vou para casa, tenho que trabalhar, não vou ficar andando com alfaces e tomates pela universidade” e ainda “poderia comprar frutas, mas elas me dão tanta preguiça”. E assim, os primeiros passos percorrem a feira em um instante, mas é preciso demorar-se, durar e pôr o corpo em relação com as gentes, então a memória da barraca com cara de café-da-manhã-de-bêbado põe novamente as pernas em movimento por cima dos paralelepípedos.


De trás uma senhorinha de pernas curtas e cara singela nem percebe minha aproximação, conversa com a amiga da banca ao lado e se riem da moça que sai devagar comendo queijada. Na frente uma mesa com algumas garrafas cheias de bebidas de cores diferentes e coisinhas dentro, cada uma com uma etiqueta falando o nome de uma erva - lembro de ter lido murici, pau ferro e pindaíba, entre outras - algumas outras garrafas eram de café e mais a frente broas e queijadas. – Môça, que que é isso aqui?, - É mistura de cachaça com chá, meu fiu. – E sai muito assim de manhã cedo? é bom? – Sai sim, o povo vem aqui e bebe direto, o povo gosta, mas é muito forte. tem umas outras aqui que fica na caixa... Daí salta sobre a mesa uma garrafa escrito Anis Estrelado. Abro, cheiro e pergunto quando é a dose. R$ 0,50.


Subindo de novo o corredor entre as barracas, novamente as carnes e os sons das facas que retalham. O sabor é bom, lembra realmente algum chá que nunca provei só que com um aditivo etílico. Do último gole, as pernas, mais relaxadas já caminham com calma, encaminham-se para a banca da senhorinha novamente, desta vez ela sorri: - Gostou? – Sim sim, é bom, mas agora eu quero café, tem sem açúcar? – Vixe, sem açúcar? como consegue? – É, prefiro café assim amarguento, quanto é? R$ 0,50.


Assim, descendo novamente o mesmo corredor sinuoso com o café que esquenta as mãos e de frente para a banca com algumas variedades de bolachas, penso que cairia bem com café, mas não, não... a vontade é de anis estrelado. – Vai querer um biscoitinho freguês? Dum sorriso se entende que “não, fica pra próxima”. Transitar nos corredores fica difícil com o passar do tempo, carrinhos de mão ou de feira e outras pernas passam a habitar os espaços, cada qual parecendo ter “o que comprar” em mente. Mas, vejam só... ali perto da barraca da senhorinha, uma banca com caras já vistas pela universidade a vender roupas. Todas tão quietas, pareciam intimidadas pelo burburinho da vida se fazendo pelos corredores, pareciam não estar ali, não ser dali. Mas estavam.


Adiante, então. O corpo se encontra com dois outros conhecidos, mairla e michele também estavam por ali. Dalí via-se mais a frente, perto do pastel com caldo de cana e das bancas clandestinas, acontecer uma briga entre dois moços que pareciam trabalhar no carrego de mercadorias, era uma briga de engalfinhamento, ambos abraçados, apertavam-se e socavam qualquer parte do corpo oposto, sem espaço para técnicas apuradas de luta. Parte da frente da feira parou para ver, ouvia-se falar “ninguém vai separar não? separa, separa...”, mas parados, continuaram a observar curiosos, quem vai ganhar? “separar nada deixa eles brigar”. Até quando um some entre os passantes e volta com uma faca pronto pra cortar carne humana, só que o dono da faca veio cobrar o que lhe era de direito e os dois voltaram a se engalfinhar como antes. “Separa separa”, então um homem surge e aparta a briga física que continua de forma verbal por um tempo, depois cada um pro seu lado e a feira volta ao seu movimento.


Abobrinha é bom com recheio de queijo no forno, digo. mas o que são aquelas coisinhas verdes de formas arredondadas? As meninas também não souberam dizer, então... – Môço que é isso aqui? – É jiló, é bom pra passarinho. – Você vende um só?. À frente uma só ameixa o feirante fez por R$ 0,50. Estava boa e suja. Mas onde se joga o copo plástico do café? Não tinha lixeiro por perto, então uma moça que vendia verduras disse pra jogar no chão mesmo que depois vinham e limpavam.


Passando pelas galinhas vivas amarradas ao pé de uma mesa, o vendedor grita –Vamo levar freguesa?, Universitário também leva galinha... é todo mundo universitário? Pronto, fomos identificados e tentamos passar despercebidos com sorrisos amarelos de esquivas. Adiante. A idéia do anis estrelado perdurou, fomos lá na banca novamente e mais uma dose por R$ 0,50. Andando, o calor começa a aumentar, na barraca de ervas e chás, o anis estrelado fica lá do lado esquerdo, finalmente seu formato! Peculiar, diria, e de cheiro adocicado, a moça dona da banca ainda disse que chá de anis estrelado era bom pro coração, pra circulação e pra aliviar o coração que bate muito forte quando apaixonado. Então, mais uma dose não mataria, pelo contrário faria muito bem. A senhorinha de pernas curtas rindo pergunta – Outra? – Pois é, outra. Mas ela demora um tanto mais vendendo um cigarro ao bêbo, que acende e pede uma dose de 21, pra começar ou terminar o dia.

3 comentários:

Mairla disse...

nooooossa! como é estranho ler uma coisa pela qual você passou também. adorei, jão! ficou realmente muito bom. =)
fui lendo, rindo e lembrando das cenas, das caras da gente olhando pra o treco verde que era o jiló. e você mesmo sem saber que era aquilo disse pra eu levar porque meu passarinho comia e ia gostar.
era lendo e pensando: "é, foi! assim mesmo!", em meio as risadas, com certeza!
e a moça que a gente encontrou na barraca que você comprou a ameixa e eu, a pêra? ela dizia: pra quê levar mais de uma pêra, né fia? ninguém vai comer e vai estragar, e eu perco R$1 que dá pra comprar pão e comer com café. se eu gasto aqui, fico sem pêra, sem pão e sem café!
e depois acha a gente de novo, pelo meio do caminho, e pergunta se já aprendemos a pechinchar!
a sensação das meninas vendendo roupa é isso mesmo que você disse. era como se elas não fossem dali. outra mulher também vendia roupas mais a frente, mas era diferente. ela estava ali.

Mairla disse...

e esse anis estrelado...ah! caiu muito bem naquele dia. a princípio não quis comprar, mas experimentei e sinto um gosto de chá, que talvez fosse boldo. pronto, depois dessa vieram ainda mais duas, se não me engano. uma pra ir embora e terminar o caminho da feira junto ao sarapatel que levei pra casa pra terminar o dia com cerveja...
nesse dia saí carregada. pêra, pinha, maxixe, pé-de-moleque, sarapatel e anis estrelado.
repito, gostei. do jeito que você colocou as palavras e como elas voltavam em situações posteriores. encaixe perfeito da idéia junto as palvras.
os detalhes também. acho que a tendência é ficar cada vez mais detalhado. vamos ver se mantemos isso.
acho que nossas dose fizeram começar nossas visitas frequentes à senhorinha das pernas curtas.

Bruna_ disse...

gostei muto do seu texto e cada que passa percebo como é bom ler diversas impressões de algo que supostamente seria a mesma coisa