quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Impressões

No meio de tantas barracas e gente tinha a paradoxal sensação de ser apenas mais um e o um a ser notado quando me eram oferecidas gentilmente frutas, verduras... Era como se fosse uma sutil troca de agrados entre aquele que sorria e “cortejava” para vender e aquele que retribuía pensando no melhor produto que poderia levar.
Enquanto caminhava pela feira tive uma breve sensação de ter começado a fazer parte de uma relação de poucos nomes concretos e uma infinidade de nomes abstratos: a moça das verduras, o rapaz da banca de feijão, a moça das frutas, o velho da banca das carnes, fregueses e freguesas pra lá e pra cá.. O que não quer dizer que seria uma relação distante de afetividade. Aos poucos fregueses, moços e moças das barracas se reconhecem e aquela relação vista em grandes supermercados de compra e venda é impregnada de informalidade, aquilo que deveria custar três, com uma boa conversa se faz por dois.
“Olha a rede do amor, deita dois levanta três!!”,“ Quer provar um amendoizinho, moça?”Cada um tenta mostrar o melhor do que tem a oferecer e enquanto isso vou passando entre os carrinhos de mão cheio de compras carregados por crianças, meninos que acredito que desde cedo já sabem o que é ter que juntar trocado por trocado, cada centavo para ter como dizem o seu ganha pão.
Novo e antigo se encontram .Entre barracas de frutas , verduras, aparecem as barracas de pilhas, radinhos,dvds das mais diferentes bandas... Feiras livres, livres da formalidade, da falta de interação ente vendedor e comprador, do excesso de lucro e objetividade das relações de nosso dia- a- dia.

sábado, 23 de agosto de 2008

Analisar, teorizar, educar...

Muito nos inquirimos - ou, ao menos, deveríamos - sobre a nossa persona de pesquisadores. Perquirimos, investigamos e analisamos nossos objetos quaisquer. E é até engraçada a manipulação, ainda que em idéias, da dicotomia sujeito-objeto; da relação do tão-somente-eu com o totalmente-outro. Nos espantamos com a diferença, mas não nos deixamos trans-formar por ela. Ao contrário! Já nos in-formamos sobre todas as paragens destes terrenos desconhecidos, dando-lhes uma trajetória não tão estranha a nossos olhos e - por que não? - objetivos.

Este jogo de formas é curioso. Mais curiosa, ainda, é a análise que fazemos disto tudo. Análysis, em língua helena, é dissolver. Dissecar. Separar. Analisarmos nossos objetos, em tal lógica, seria dissolver os seus ditos e feitos. Dissecar seu jeitinho peculiar de ser. Separá-los deles mesmos e de nós! Que fria esta tal de análise!!! Destrói nossos próprios objetos! Distancia-os de nós! O que faz-nos correr o risco de perdermo-nos a nós mesmos...

Fazemos isto - simples! - para teorizar. Não, não exclamarei sobre Foucalt, dispositivos de vigilância e panoptismos! Acho que já estamos plenamente nutridos de tais (des)caminhos. Sendo não menos pernóstico e saciando quedinhas pessoais pela Antiguidade, retornarei aos helenos. Theoria, para os bons gregos, significa visão, contemplação. Não seria bom sermos bons como os helenos e perdermo-nos na beleza de nossos objetos? Deixarmo-nos encantar pelo vislumbramento do estranho? Contemplarmos o nosso objeto e nos perdermos em sua justa medida? Ideias e ideais do Verdadeiro não ouso buscar, mas não seria mais "teórico" deixar tal objeto ser como se é, ao invés de sujeitar-lhe com o nosso próprio ser?

Talvez os patrísticos romanos e sua gnose possam lucificar-nos um pouco. Para estes, toda instrução ou conhecimento deveriam ser voltados para a educação. Explico-me. Educação é Educere, pôr para fora, transbordar-se de si mesmo. A educação, aqui, é uma realização da razão-de-ser do próprio homem. Filosofias a parte, fechemos nossas asas. Mas gostaria de compartilhar com os senhores um interessante ocorrido.

Há algum tempo atrás (julho de 1742...), os estadunidenses condados de Virginia e Maryland assinaram um tratado de paz com os índios das Seis Nações. Em nome da maravilhosa, superior e filantrópica democracia norte-americana, píncaro da humanidade, os governantes mandaram cartas aos índios, para que enviassem alguns de seus jovens para estudar nas escolas dos brancos. Os "Chefes" se pronunciaram, numa carta-resposta. Eis um trecho:

"... Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa... Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens."

Parece tudo muito complicado. E de fato o é. Pôr de lado a persona de analisador é pôr de lado nosso próprio ego. Pergunto-me até - confesso - se isto é possível. Bem-teorizar, como os antigos, idem. Está aí um bom desafio que deveríamos encarar. Educar e sermos educados. Conhecer e não somente fazer conhecer. Agir, sim, mas deixando espaço para o ser de outros...

Por uma antropologia dos mundos contemporâneos (Marc Augé)

Prólogo

O paradoxo de hoje assinala que toda ausência de sentido evoque sentido, assim como toda uniformização evoca diferença. É nesse jogo complexo de chamados e respostas que o antropólogo encontra agora seus novos objetos de reflexão (pág. 8).

Capítulo 1
O espaço histórico da Antropologia e o tempo antropológico da História

Na época que a Antropologia se definia como o estudo das sociedades longínquas e diferentes, o problema era conciliar a idéia de um esquema geral da evolução humana com a realidade de configurações culturais e sociais particulares (pág.10).

Se a história da História, que é por um lado a história da relação entre História e Antropologia, acabou por definir as condições de uma “história do presente”, a Antropologia não deve interpretar essa evolução como um sinal imperialista de uma concorrência desleal, mas como um sintoma mais significativo ainda por ter sua fonte na reflexão de historiadores por definição especialista do tempo (pág.11).

É a especificidade da área que faz a das disciplinas ou se não são, ao contrário, os passos disciplinares que constroem as áreas às quais se aplicam (pág.12).

A distinção das disciplinas abrangeria a distinção dos objetos que elas se outorgam, as sociedades com história (no sentido de consciência histórica) em um caso, e as sociedades sem história (sem consciência histórica) no outro. (pág.12)

A mudança não é necessariamente História nem uma sociedade sai da História porque ela vive um período de relativa estabilidade. A História enquanto disciplina científica não nasce necessariamente em épocas ou em sociedades marcadas por uma forte consciência histórica (pág. 12 e 13).

Antropologia, cujo nascimento está ligado ao período colonial, define-se como o estudo do presente de sociedades longínquas. Em contrapartida a História, originalmente uma história nacional ou local, define-se como o estudo do passado de sociedades não muito remotas (pág. 13)

Mas as duas disciplinas estão, entretanto, numa relação de proximidade que remete à natureza de seu objeto: o espaço enquanto matéria da Antropologia, é um espaço histórico, o tempo como matéria-prima da História é um tempo localizado e, nesse sentido, antropológico (pág.13).

O espaço da Antropologia é necessariamente histórico, já que é precisamente um espaço dominado por grupos humanos, ou seja, um espaço simbolizado. Tal simbolização, que é fato em todas sociedades humanas, visa tornar legível a todos aqueles que freqüentam um mesmo espaço um certo número de esquemas organizadores, de referências ideológicas e intelectuais que ordenam o social (pág.13).

Do ponto de vista subjetivo, do ponto de vista segundo o qual sujeitos podem encarar o passado de sua sociedade, a história mítica que acabamos de evocar talvez não seja fundamentalmente diferente da história propriamente dita, ou talvez seja preciso dizer que, no bom ou no mau sentido, toda história pode ser mítica: é significativo que se tenha podido hoje falar de “fim da história” no mesmo momento em que, pelas mesmas razões, proclamava-se a morte das ideologias, isto é, de mitos reconhecidos como tais e condenados à morte a partir do momento de serem reconhecidos pelo que eram (pág.17).

O que domina em toda alteração é a persistência da matéria antiga (pág.18)

Com o termo “etno-história”, os etnólogos pretenderam antes compreender a concepção da história dos povos que estudavam do que fazer história deles. Mais exatamente, pretendiam compreender a concepção que esses povos tinham de sua história (pág. 18).

A etno-história pode fixar-se em dois objetivos. Primeiramente, interrogar-se sobre a história real das sociedades que estuda e sobre a qualidade e a credibilidade dos testemunhos fornecidos exatamente com esse propósito (pág.19).

O segundo objetivo da etno-história aparece então, a Antropologia interroga-se sobre a significação desta ou daquela modalidade particular de memória, sobre o sentido e o lugar de uma memória histórica que remonta rapidamente a seus confins místicos (pág.20).

Independentemente de quais sejam a significação e o valor real dos rótulos “direita” e “esquerda” ou “conservador” e “progressista”, é interessante notar que eles se definem sempre em relação à história passada e à história futura (pág.21).

É natural, se admitimos que o objeto da Antropologia é, antes de tudo e essencialmente, a idéia que os outros têm da relação entre pessoas: a primeira alteridade começa mais perto do antropólogo; ela não é necessariamente étnica ou nacional; pode ser social, profissional, residencial (pág.25).

Hoje, o Planeta encolheu, a informação e as imagens circular e, ao mesmo tempo, a dimensão mítica dos outros se apaga. Os outros não mais são diferentes: mais exatamente a alteridade permanece, mas os prestígios do exotismo desapareceram (pág.25).

Nossa modernidade cria passado imediato, história, de forma desenfreada, assim como cria alteridade, ao mesmo tempo em que pretende estabilizar a História e unificar o mundo (pág.26).

Poder-se-ia dizer que a relação entre o campo e seu analista sempre foi afetada por fenômenos de "transferência" (o campo se reduz à visão que dele tem o analista) e de "contratransferência" (a teoria é apenas uma transposição do campo) que seriam, nos fatos, pouco distinguíveis se não se definissem, justamente, em relação ao termo "teoria": a "tranferência" é a afirmação da legitimidade de uma teorização do social e a "contratransferência", a afirmação de uma dúvida sobre qualquer possibilidade de teorização. (pág.27)

O problema se resume em saber se, ao sistematizar a interpretação da realidade contemporânea, as teorias do consenso e da pós-modernidade conseguem realmente dar conta de seus aspectos inéditos. Como pensar em conjunto a unidade do Planeta e a diversidade dos mundos que a constituem? (pág.29)

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

café e anis estrelado

Quando se vai à feira para comprar nada, é estranha a sensação que dá. Parece que algo sai do lugar, e deslocado, o corpo busca alojar-se nos cheiros, nas cores e formas, nos ruídos das vozes e das facas cortando peças enormes de carne vermelha. É estanho o movimento que ganha as pernas que aceleram mesmo quando querendo desacelerar, andar com calma e ver coisas. É muita coisa, muita coisa, e o corpo não habituado a passeios solitários ao ar livre por entre verduras e ovos frescos, farinha e frutas, baldes e “mercadorias do paraguai”, dvds piratas e sarapatel, estranha, sente que ali é lugar de fazer algo e não de passeio, nisso busca idéias. Pensa, “poderia comprar alfaces, estão tão vistosas, e tomates, mas não vou para casa, tenho que trabalhar, não vou ficar andando com alfaces e tomates pela universidade” e ainda “poderia comprar frutas, mas elas me dão tanta preguiça”. E assim, os primeiros passos percorrem a feira em um instante, mas é preciso demorar-se, durar e pôr o corpo em relação com as gentes, então a memória da barraca com cara de café-da-manhã-de-bêbado põe novamente as pernas em movimento por cima dos paralelepípedos.


De trás uma senhorinha de pernas curtas e cara singela nem percebe minha aproximação, conversa com a amiga da banca ao lado e se riem da moça que sai devagar comendo queijada. Na frente uma mesa com algumas garrafas cheias de bebidas de cores diferentes e coisinhas dentro, cada uma com uma etiqueta falando o nome de uma erva - lembro de ter lido murici, pau ferro e pindaíba, entre outras - algumas outras garrafas eram de café e mais a frente broas e queijadas. – Môça, que que é isso aqui?, - É mistura de cachaça com chá, meu fiu. – E sai muito assim de manhã cedo? é bom? – Sai sim, o povo vem aqui e bebe direto, o povo gosta, mas é muito forte. tem umas outras aqui que fica na caixa... Daí salta sobre a mesa uma garrafa escrito Anis Estrelado. Abro, cheiro e pergunto quando é a dose. R$ 0,50.


Subindo de novo o corredor entre as barracas, novamente as carnes e os sons das facas que retalham. O sabor é bom, lembra realmente algum chá que nunca provei só que com um aditivo etílico. Do último gole, as pernas, mais relaxadas já caminham com calma, encaminham-se para a banca da senhorinha novamente, desta vez ela sorri: - Gostou? – Sim sim, é bom, mas agora eu quero café, tem sem açúcar? – Vixe, sem açúcar? como consegue? – É, prefiro café assim amarguento, quanto é? R$ 0,50.


Assim, descendo novamente o mesmo corredor sinuoso com o café que esquenta as mãos e de frente para a banca com algumas variedades de bolachas, penso que cairia bem com café, mas não, não... a vontade é de anis estrelado. – Vai querer um biscoitinho freguês? Dum sorriso se entende que “não, fica pra próxima”. Transitar nos corredores fica difícil com o passar do tempo, carrinhos de mão ou de feira e outras pernas passam a habitar os espaços, cada qual parecendo ter “o que comprar” em mente. Mas, vejam só... ali perto da barraca da senhorinha, uma banca com caras já vistas pela universidade a vender roupas. Todas tão quietas, pareciam intimidadas pelo burburinho da vida se fazendo pelos corredores, pareciam não estar ali, não ser dali. Mas estavam.


Adiante, então. O corpo se encontra com dois outros conhecidos, mairla e michele também estavam por ali. Dalí via-se mais a frente, perto do pastel com caldo de cana e das bancas clandestinas, acontecer uma briga entre dois moços que pareciam trabalhar no carrego de mercadorias, era uma briga de engalfinhamento, ambos abraçados, apertavam-se e socavam qualquer parte do corpo oposto, sem espaço para técnicas apuradas de luta. Parte da frente da feira parou para ver, ouvia-se falar “ninguém vai separar não? separa, separa...”, mas parados, continuaram a observar curiosos, quem vai ganhar? “separar nada deixa eles brigar”. Até quando um some entre os passantes e volta com uma faca pronto pra cortar carne humana, só que o dono da faca veio cobrar o que lhe era de direito e os dois voltaram a se engalfinhar como antes. “Separa separa”, então um homem surge e aparta a briga física que continua de forma verbal por um tempo, depois cada um pro seu lado e a feira volta ao seu movimento.


Abobrinha é bom com recheio de queijo no forno, digo. mas o que são aquelas coisinhas verdes de formas arredondadas? As meninas também não souberam dizer, então... – Môço que é isso aqui? – É jiló, é bom pra passarinho. – Você vende um só?. À frente uma só ameixa o feirante fez por R$ 0,50. Estava boa e suja. Mas onde se joga o copo plástico do café? Não tinha lixeiro por perto, então uma moça que vendia verduras disse pra jogar no chão mesmo que depois vinham e limpavam.


Passando pelas galinhas vivas amarradas ao pé de uma mesa, o vendedor grita –Vamo levar freguesa?, Universitário também leva galinha... é todo mundo universitário? Pronto, fomos identificados e tentamos passar despercebidos com sorrisos amarelos de esquivas. Adiante. A idéia do anis estrelado perdurou, fomos lá na banca novamente e mais uma dose por R$ 0,50. Andando, o calor começa a aumentar, na barraca de ervas e chás, o anis estrelado fica lá do lado esquerdo, finalmente seu formato! Peculiar, diria, e de cheiro adocicado, a moça dona da banca ainda disse que chá de anis estrelado era bom pro coração, pra circulação e pra aliviar o coração que bate muito forte quando apaixonado. Então, mais uma dose não mataria, pelo contrário faria muito bem. A senhorinha de pernas curtas rindo pergunta – Outra? – Pois é, outra. Mas ela demora um tanto mais vendendo um cigarro ao bêbo, que acende e pede uma dose de 21, pra começar ou terminar o dia.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Fichamento
“Sejamos realistas, tentemos o impossível!”
Desencaminhando a psicologia através da Análise Institucional
(Heliana de Barros Conde Rodrigues)

A análise institucional toma a psicologia como nada mais do que uma dentre as instituições que se propõe a analisar, a desnaturalizar, a reinventar – a desencaminhar. (pág. 516)

Do “efeito Stalingrado” (1945) à ruína das plantações do escritos (1956)
Por efeito Stalingrado designamos as consequências, no seio da intelectualidade, e dessa participação: o Partido comunista francês se torna o partido dos intelectuais e, em articulação com a disputa pela hegemonia econômica e política mundial, instaura-se em termos de postura teóricas, um “eixo horizontal”, uma lógica de guerra fria. (pág. 516)

Sobrevivendo ao inferno – a Psicoterapia Institucional
Após a Segunda Guerra Mundial, os asilos psiquiátricos foram muitas vezes comparados aos campos de concentração.
François Tosquelles, Paul Balvet, Lucien Bonnafé, as ações que se conjugam através desses personagens tornam Saint Alban um espaço de alguma liberdade em meio à opressão: as portas do asilo são abertas e os pacientes convivem com as comunidades camponesas locais, intercambiando alimentos e modos de vida; (pág. 518)
Essa experiência ganhará o nome “Psicoterapia Institucional”. Nesse momento, as práticas grupais aparecerão como um dos principais recursos para a terapêutica da instituição e dos institucionalizados. (pág. 518)

Esses psicossociólogos maravilhosos e suas máquinas grupais
Enquanto no EUA as práticas possuíam caráter predominantemente adaptativo, na França serão reinventadas com vistas a transformações de caráter libertário, sobretudo em decorrência das novas misturas de que são objeto. (pág. 518)

“Se eu soubesse, não teria vindo...” – as Pedagogias Institucionais
Celestin Freinet, cujas idéias são o principal ponto de apoio dos movimentos do pós-guerra, sempre considerou elitistas os projetos existentes e, desde os anos 1920, procura criar “uma escola para o povo” (pág. 521-522)
Freinet conduz seus alunos de Bar-sur-Loup a passeios pelos campos – “aulas-descoberta, aulas-exploração, aulas-investigação”. (pág. 522)
Fernand Oury e Raymond Fonvielle fundam o GTE (Grupo de técnicas educativas), que aspira a superar os limitas teóricos da Pedagogia Freinet. (pág. 522)
Fernand Oury trabalha com turmas destinadas a crianças com supostos “problemas psíquicos”.
O GET define o campo educativo como sistema de relações inconscientes a analisar. (pág. 522)
Nos trabalhos do GET, conceitua-se instituição de forma análoga à Psicoterapia Institucional, para qual o termo designa, a princípio, uma forma social particular, seja concreta (o estabelecimento), seja jurídico (a organização); em um segundo momento, formas de organização das práticas, como grupos oficiais, etc.(pág. 523)
O GTI (Grupo de Pedagogia Institucional), seu modo de funcionamento é a pesquisa-ação: reúne-se semanalmente para debater os fenômenos grupais observados pos psicossociólogos. (pág. 523)
Lapassade ao compreender que era necessário superar a sedução da psicologia dos pequenos grupos, desmascarando a dimensão institucional, quer dizer, toda a política reprimida pela ideologia das boas relações sociais. (pág. 524)

O salto do acrobata
Com Lapassade, o institucional deixa de ser um nível adicionável ao grupo (ou organizacional).
A ordem institucional, que atravessa grupos e organizações, deve ser trazida à luz por uma análise realizada em situação. Daí seu necessário caráter de intervenção, que embora não elimine o trabalho psicossociológico, propõe que este seja permeável a todas as (des)institucionalizações. (pág. 525)

Um indisciplinado contrabandista
Guattari introduz, em meados dos anos 1960, a expressão “análise institucional”, mo intuito de caracterizar essa segunda geração pela presença de uma dimensão analítica. (pág. 526)
Para Guattari, só existem grupos – eles não são entidades, mas modos sócio-históricos de funcionamento.
Elucida a diferença entre esses modos, que entende como vertentes entre as quais oscila qualquer grupo concreto. Na vertente de sujeição do grupo estariam fenômenos tendentes a “curvá-los sobre si mesmo. Já na vertente do grupo sujeito não há medidas de segurança, o que redunda em problemas, tensões e riscos de desagregação. (pág. 527)

Maio de 68: a Análise Institucional sai às ruas
Quanto ao paradigma alguns quiseram ver nos acontecimentos a “ressurreição do homem”, considerando morto pelo estruturalismo. Não é fácil, entretanto, sustentar vínculo claro entre maio e sujeito, à vista de slogans como “somos todos judeus alemães”. (pág. 529)

Do ‘maio feito Mão (1968/69) ao ‘triunfo da rosa’ (1981)
Cumpre destacar acontecimentos que ainda evocam uma análise institucional generalizada. Apesar de Grande recusa, maio de 68 nem tudo recusara, e anti-colonialismo até então pouco ruidosos passam a trazer às ruas novas palavras de desordem. (pág. 531)

U livro-coisa: O anti-Édipo e a Esquizoanálise
Enquanto a oficialização da vertente socioanalítica da AI remete à sisudez de uma tese de doutorado – A Análise Institucional, de René Lourau, esquizoanalítica conduz ao que se apelidou um ‘livro-coisa’: O anti-Édipo, publicado em 1972. Nele, “isso” – o inconsciente ou desejo - “funciona (...) respira (...) come (...) caga (...) fode” (Deleuze e Guattari). (pág. 532)
Deleuze e Guattari avaliam que em maio de 68 algo da ordem do desejo se fez visível à escala do conjunto da sociedade, sendo invisibilizado a seguir tanto pelo poder de Estado quanto pelos partidos e sindicatos. (pág. 533)
A partir de 1969/70 se multiplicam, na França e fora dela, encomendas de intervenção institucional. (pág. 534)
Surgida em meio as agitações intelectuais da década de1960, no começo dos anos de 1970 a AI socioanalítica se defronta, consequentemente, com uma situação paradoxal: tenta dignificar-se a olhares epistemológicos por um sofisticado trabalho teórico, inseparável da realização de intervenções a pedido; vê-se ameaçada, através do mesmo processo, de uma institucionalização. (pág. 534-535)
À época, todos os conceitos socioanalíticos vão-se deslocando dos campos de referências originárias. (pág. 535)
A partir de 1973-74, Lourau e Lapassade passam a priorizar estratégias díspares. Lourau insiste no nexo dentre análise institucional e questão política. Lapassade, por sua vez, tenta combater o falatório excessivo das intervenções socioanalíticas, aproximando-se da questão do corpo. (pág. 535)

As aventuras da liberdade
A segunda metade dos anos 1970 trará muitas decepções para os esquerdistas.
O lançamento da Rede Internacional de alternativas à Psiquiatria, Guattari a ela se conecta sem hesitação. Através de encontros, manifestações artísticas e eventos culturais, a rede se contrapõe ao que igualmente se trama em rede: a minimização do controle social via os diáfanos de uma psiquiatria sem fronteiras asilares visíveis. (pág. 536)
A partir de 1975, Guattari estará entre os primeiros a participar dos rádios livres franceses.

O sonho acabou?
Em Vicennes, as transformações econômicas (neo-liberalismo em expansão) e políticas (derrocada dos esquerdistas) atravessam teorizações e práticas.
Lapassade vê semelhança entre o momento então vivido e o das primeiras experiências da AI: não há encomendas (“externas”) de intervenção, mas é possível pôr em análise as condições do estabelecimento do qual se faz parte. (pág. 537)
Os acordos entre os socioanalistas parecem, pois definitivamente rompidos. (pág. 538)

“Mudemos a vida aqui e agora”
Em 1981, François Mitterrand, candidato socialista, é eleito presidente da república francesa. (pág. 538)

Os anos de inverno (1981-)
E maio, no entanto, já se houve falar em “austeridade” e, a partir de 1983, no “rigor” exigido pela gestão capitalista do socialismo à francesa... Está perdido o apoio da intelectualidade ao governo. (pág. 540)

Implicações e sobreimplicações
Lapassade privilegia escritos de estilo autobiográfico. Lourau tende a fazer da análise das implicações do pesquisador a base para a constituição de uma nova epistemologia. (pág. 541)
Lourau em um trabalho de 1990, renuncia a tentar fixar um sentido estrito para o termo implicação. Com este intuito propõe um novo conceito, de caráter radicalmente crítico desse mesmo presente o de sobreimplicação. (...) ‘exploração da subjetividade’ que sucede à exploração da objetividade do homem no trabalho alienado. (pág. 543)

Polifonias da Análise Institucional no Brasil
A AI no Brasil é polifônica, pois fala francês (Belo Horizonte), espanhol com sotaque portenho (Rio de Janeiro) e italiano (São Paulo) – sempre, é claro, com nosso timbre e ritmo próprios, ligados às vicissitudes econômicas, políticas e culturais do país. (pág. 544)

Les Chevaux du Diable – o setor de Psicologia Social
Em Belo Horizonte, a criação (1963) do curso de Psicologia da Universidade de Minas Gerais quase coincide com instauração da Ditadura Militar.
Esse grupo, a princípio informal, passa a desenvolver atividades tão originais e características – pesquisa em saúde pública, ações de reforma em hospitais psiquiátricos, atendimento a demandas de intervenção psicossociológica dentro e fora da Universidade – que, rapidamente é visto como um ‘setor’ e, não muito depois, como “O Setor” de Psicologia Social da UFMG. (pág. 544)
Durante cerca de um mês, Lapassade esteve em Belo Horizonte em missão oficial.
Em todas as intervenções que levou a feita, a marca de seu estilo polêmico, ou mesmo contraditório aparece fortemente. (pág. 545)
A presença da AI em Belo Horizonte não ficou limitada, evidentemente, à vinda de Lapassade. Além do manejo cotidiano de ferramentas institucionalistas pelo Setor – aulas, pesquisas, e intervenções a pedido -, talvez o momento em que o projeto se tenha mostrado mais atuante seja o da reforma curricular do curso de psicologia da UFMG (1974) (pág. 546)

Usted Preguntará por quê cantamos – Psicanálise e Análise Institucional
No começo dos anos 1970, uma “primeira geração” (Coimbra, 1995) de Psicanálise argentinos viaja repentinamente ao RJ, oferecendo cursos e supervisões às organizações alternativas que abrigam psicólogos sedentos de formação analítica. (pág. 547)
Contudo, recorrendo às idéias de José Bleger (1922-1972), eventualmente propõe uma compensação: os psicólogos devem deixar a prática clínica aos médicos, porque lhes cabe atuação politicamente mais nobre – a de agentes de mudança social mediante ações preventivas em grupos, comunidades e/ou instituições. (pág. 547)
No Brasil, é intensa a mobilização pela redemocratização a partir da segunda metade dos anos 1970.
Em 1978, o IBRAPSI (Instituto Brasileiro de Psicanálise Grupos e Instituições). Em 1979 o IBRAPSI dá início a seu curso de Formação de Psicanalistas e socioanalistas, definindo quatro propósitos fundamentais: cientificidade, interdisciplinaridade, ampliação da formação e da assistência a amplos setores da população e articulação com as forças vivas da sociedade brasileira. (pág. 551)
Por mais que o IBRAPSI não seja exatamente um mar de rosas, seu crescimento incomoda alguns ramos da psicanálise oficial, que, do final de 1979 a meados de 1980, desencadeiam uma virulenta ofensiva através da grande imprensa. (pág. 552)
O IBRAPSI vinha investindo, desde 1981, em outro aparato teórico-político: uma vez por semana, seus professores reuniam-se com Baremblitt em um exclusivo grupo de estudos, tendo por foco o Psicanalismo, de Robert Castel, e o anti-Édipo de Deleuze e Guattari.
Ao mesmo tempo, começa a desenhar-se um novo espaço de profissionalização: demandas pontuais de intervenção mobilizam um ainda incipiente. Departamento de Análise Institucional (DAI) e os “não-psi” vêem finalmente surgir o campo para o qual os preparara sua “formação de socioanalistas” (pág. 554)
Cerca de 60 pessoas deixam (1983) o IBRAPSI por razões político-institucionais, parte das quais fundará, no ano seguinte, o Núcleo – Psicanálise e Análise Institucional. 1987, quando um grupo de cotistas se retira para fundar o CESOP (Centro de Estudos Sociopsicanalíticas). Cumpre ressaltar que a difusão da AI não é interrompida pelas cisões; ao contrário, a partir dos anos 1980, o paradigma se expande pelos campos educativo, universitário, comunitário, da saúde e da saúde mental, dada a multiplicidade de inserções dos integrantes das agora três organizações formativas. (pág.555)
Presa in carico – o desafio da desinstitucionalização
Na cidade de São Paulo, a presença da AI está primordialmente associada ao movimento da Reforma Psiquiátrica, cujo percurso conduz ao predomínio da perspectiva basagliana de desinstitucionalização – crítica teórica e prática da lógica manicomial em todos os níveis (científico, cultural, político, jurídico, assistencial e cotidiano). (pág. 556)
Em 1987, o II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental, realizado em Bauru, assume o lema: “Por uma sociedade sem manicômios”, de clara inspiração italiana, e o MTSM volta às ruas para um trabalho político-cultural que fora bastante negligenciado nos anos imediatamente anteriores. Ainda em 1987 começa a funcionar em SP, o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) Luiz da Rocha Cerqueira, serviço que se pretende substitutivo tanto do hospital psiquiátrico convencional quanto dos manicômios sem muros das formas alternativas de assistência. (pág. 558)
À medida que o “depósito de loucos” se transforma em hospitais, este via sendo desconstruído (lancetti, 1989): implantam-se o NAPS (Núcleo de Atenção Psicossocial) - serviço comunitário de portas abertas 24 horas por dia, 7 dias da semana, propondo-se a acolher todo tipo de demanda -, o Centro de Convivência Tam-Tam – voltado a promover mudanças culturais na relação com a loucura através de projetos artesanais, teatro, murais, e uma emissora de rádio.
Esta consolidação da tendência italiana de desinstitucionalização não é alheia, decerto, o projeto de lei apresentado, ainda em 1989, pelo deputado Paulo Delgado, que regulamenta os direitos dos doentes mentais e indica a extinção progressiva dos manicômios, a serem substituídos por novos serviços de atenção. (pág. 559)
c, o centro dias da semana, propoondo-se ospital psiquiiopsicanal anti-

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

a sexta e a feira

é frio. de chuva. alarme toca, dispara. e a não coragem de amanhecer de novo. porque mais um dia a gente às vezes não consegue aguentar. mas chuva é pra dormir mesmo, pensa ela. volta pra cama, então.
mas vou passar o dia todo aqui? sem comer? levanta, faz café... e o pé-de-moleque? são 6:30, hora boa de ir na feira. pega seu guarda chuva verde e sai.
já entra na feira no meio de um engarrafamento de carrinho mão. como não há buzina, há grito. o outro veio pela mão errada e ainda queria passar. um do lado do outro. ao mesmo tempo. fica enganchada entre três carrinhos.
ouve alguém por perto dizer que hoje a feira tá impossível!
logo a frente vê menino dormindo com os mamões. na banca. enroladinho. sente inveja de dormir também... mas os sorrisos da mulher do frango são tão encantadores que pensa que vale a pena. compra coentro. feijão branquinho. quebra-queixo. procura amendoim pra torrar. e não acha. é tempo de chuva, tá em falta até em supermercado. procura o melhor pé-de-moleque mas acaba se encantando pelo "moça linda, vai querer o que hoje?" da mulher mais próxima. satisfeita sai andando pra passar mais o tempo.
logo a frente um fuzuê de criança de farda indo visitar a feira. é tomate, gritaria, tempero, foto, e a professora pedindo pra ficar perto.
mais a frente uma conversa fiada de três senhoras. tirando sementes de uma folha verde. acha que feijão. falam tão rápido que não entende o que ouve...
agora tá sol. e começa a esquentar a cabeça. então decide andar outra vez pelo meio da feira.
olha o cadeado deeeeeela! grita o vendedor de bugigangas. ela dá aquele sorriso sem graça. bom dia. bom diiia freguesa.
hora de ir embora. diz o estômago. vai atravessar a rua junto a umas senhoras e uma carroça pára na faixa de pedestre e dá a mão pra trás para os carros parrarem. podem passar, diz o carroceiro.
é uma gente tão diferente de bonita. que deu até vontade de nem voltar a dormir...
pra se encantar, é só um sorriso. vai-se indo então pro seu canto. fazer os pontos, de cruz. e conversar com o mais próximo que chegar. porque quem conta um conto, ganha um ponto.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

sobre o tempo e o fazer

"Eu vi um menino correndo, eu vi o tempo (Caetano Veloso)". Na importância de ver o tempo, reside a possibilidade de análise. Tempo quieto e que passa: análise mansa, 3 por 4 de algo que supõe uma realidade. O tempo é sorrateiro, mas é também revolucionário. Ele nos deu um relógio para poder se esconder em nossas ações. Assim ele nos legou a velhice. Um conceito onde tudo que conta é o tempo e ele nem aí. Já havia avisado que a velhice é um estado de espírito. Coisas de quem pensa o tempo pelo espaço ou como diria Foucault; "o que estamos ajudando a fazer de nós mesmos?". Abraço!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

sobre o nosso diário de campo

Sob a égide do deus fascista Sol, viviam alguns tais aldeões. Esta era uma sociedade interessante onde todo trabalho era dividido em uma hierarquia rígida sobre a qual o deus Sol habitava o cume. Era a ele que as pessoas respondiam, porém eram respostas objetivas circunscritas nos limites da sua função específica. Não havia encontro muito menos diálogo, todos cumpriam as ordens cabisbaixos, no entanto redutíveis por não conhecerem tipo outro de experiência. Até que um dia, ao sabor do acaso, pela manhã, não se fez manhã e a noite perdurou dias. Sem um guia, líder, administrador/ditador que lhes dissesse o que fazer, como e quando e o que era ou não permitido, desataram a conversar entre si, inventar estratégias e fazer política. Definiram tarefas para a sobrevivência do grupo e a indicação sobre o que cada um faria. Dialogando, criaram nos arredores da aldeia uma espécie de diário sobre os fazeres cotidianos e ali residia uma potência que não aquela dos registros mudos e surdos, mas das vozes que faziam vibrar outros corpos dos que por ali passavam e liam. Corpos que por sua vez também falavam sobre o que reverberava, assim como possibilitava o encontro do outro com o que lhe é estranho através de seus enunciados. Munidos de voz, cada qual, em diferentes tons, carregava a força de produção da novidade no outro, mesmo se esta se restringia ao silêncio. O fim da centralidade do deus Sol possibilitara aos aldeões a voz e em conseqüência o encontro.