segunda-feira, 24 de agosto de 2009

uma feira em laranjeiras

Este breve relato tende a contar de uma experiência em outra feira. A cidade de Laranjeiras fica a alguns poucos quilômetros de Aracaju, uma cidade histórica, como dizem. Fui à feira livre de lá, pois fiquei sabendo que com a chegada do campus da UFS, a feira centenária seria transferida das ruas para um pátio. Fui tentado a acompanhar os caminhos que estão se construindo. Mas antes de chegar à feira é importante dizer que os cursos de graduação ministrados no campus Laranjeiras já a três anos e meio, foram neste semestre transferidos para os trapiches – complexo arquitetônico do tempo áureo da cana de açúcar no século XIX, quando a cidade era referência regional, a “Atenas sergipana”. Os prédios passaram por uma ação de restauro para abrigar o campus, porém o centro histórico da cidade foi tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) já em 1996. Estas medidas fazem parte do projeto Monumenta que visa resgatar a paisagem urbana através do restauro de seus monumentos. O curioso é que estas medidas de promoção identitária, de resgate da história e da cultura e da musealização de certas práticas enquanto patrimônio imaterial participam de um mesmo pacote de ações e discursos do Estado que transforma as cidades em cidades-imagem, cartões-postais sem vida, cultura enquanto produto de venda nas prateleiras para consumo turístico.

Assim vamos à feira. Ela ocupa a avenida da cidade, artéria principal do centro histórico e ao chegar pela entrada possível aos que vêm de fora da cidade – há outras tantas possibilidades de entrar na feira, mas esta é a primeira quando vindo da rodovia – depara-se com alguns caminhões estacionados cheios de negócios para a venda: alguns com bananas, outros vão de laranja e etc. Não são muitos, mas já são alguns, os homens ficam de cima do caminhão negociando; por entre os caminhões alguns caixotes de madeira ou mesmo plástico servem de sustentação para que outras pessoas também tenham espaço de venda na feira. Ainda aqui, somente dado alguns passos, aparece a estranha percepção de que a feira de lá é aquilo, sem bancas, com as pessoas improvisando para vender coisas espaçadamente na via pública. Mas então um choque, melhor... um soco no estômago, de repente um mergulho num espaço denso, uma quebra no espaço: do rarefeito não há um contínuo ou uma transição tranqüila para o espaço denso onde as bancas estão alojadas. É quase um afogamento em estímulos e sentidos, qualquer tentativa de descrição das sensações seria infeliz.

No dia chovia, tínhamos que desviar bastante das grandes poças d’água formadas em diversos pontos de depressão do solo de pedras calcárias do tempo colonial. Eram realmente grandes, muitas impediam o transito de gente que se apinhava mais ainda entre os contornos dos micro-lagos da via e as bancas. Como dito, a feira toma o espaço da principal via de ligação da cidade, avenida larga que comporta, penso, duas ou talvez três feiras do castelo branco. Talvez seja esta somente uma impressão equivocada, mas foi a que ficou; só conseguia pensar algo como “essa feira é um mundo”. Ela nasceu em torno do mercado da cidade, que fica visinho à universidade, e inchou... tomou, primeiramente, as ruas laterais, depois pulou para a avenida na qual se encontra atualmente – na frente do mercado – e daí começou a crescer e espalhar-se por sua extensão. Em seu início o mercado era ponto intercambaial de entrada e escoamento de produtos chegados pelas águas do Cotinguiba que margeia a cidade, estes eram vendidos em seu interior e posteriormente na feira em seu redor. Hoje não tem mais essa função e em seu interior é vendido, em sua maioria, carnes, farinha e grãos, bem como nas suas partes laterais exteriores. A feira e o mercado funcionam em ritmos acoplados, ou seja, quando funcionando juntos produzem uma batida singular na rua. Comunicam-se através das gentes que circulam em seus espaços. Bastante gente.

Por dentro da feira é difícil estabelecer uma ordenação lógica para as bancas e sua separação por produtos. Em algumas partes mais estreitas formam-se corredores, mas grande parte dela é feita de um imbricamento de bancas que possibilita vários caminhos pelo espaço; não há um traçado determinado como corredores ou circuitos, mas uma confusa virtualidade de passos. Em termos de produtos, vende-se aquilo que é usual em uma feira livre e mais: é muito grande a quantidade de bancas com artigos de vestuário, cd’s e dvd’s, e inesperadamente até de acessórios para bicicletas – com pneu e tudo – e mini mercadinhos itinerantes vindos de outras cidades. Curiosas também são algumas práticas visíveis que destoam bastante das normas higiênicas: a rua fica bastante suja, bastante lixo abrigado entre as pedras calcárias, lixo que incomoda os defensores da mudança de local; cães circulam pela feira e alimenta-se de pelancas e restos fornecidos pelos próprios feirantes por ali, um banquete para estes animais; uma cena-ruído apareceu quando vi a murada que separa o fundo do mercado do rio Cotinguiba, rio visivelmente poluído, sendo utilizada como tábua de cortar carne no cru; a lama que misturada com os dejetos da feria, não parecia ser um incômodo; coisas que agridem as sensibilidades higienizadas e incrementam a imagem medieval do espaço

A feira que acontece no sábado de manhã mobiliza toda a cidade. As ruas em volta do centro ficam cheias; é gente que caminha, que compra, que conversa, que paquera... Ela institui um ponto comum de encontro para as pessoas da cidade, diferentemente das feiras de Aracaju que se concentram nos bairros, lá, andando para longe da feira, percebe-se as ruas esvaziadas, ao passo que com a proximidade os sons das vozes aumentam e as gentes aparecem. Comumente durante a semana não é assim que o centro se movimenta. Fiquei com a impressão que nem todo mundo faz a feira, ou no mínimo gastam mais tempo andando, conversando e mesmo paquerando antes de encherem-se de pacotes e ir para outros cantos. Estes fazeres das pessoas no além feira na feira forjam o espaço publico, um momento de trocas possíveis onde a política pode aparecer.

Coisa certa é a mudança da feira de lugar. Ela agride a rua higienicamente e torna-se um empecilho a transformação do centro histórico em lugar turístico. Haverá um investimento grande na cidade neste viés, um incentivo à ocupação de pousadas e restauro do patrimônio para atrair capital dos compradores de cultura e história como souvenir. A feira irá para a praça de eventos da cidade que fica do outro lado do rio, lugar mais organizado e de fácil limpeza, como afirmam os discursos modernos que atravessam e dizem da feira; há ainda a promessa de construção de uma ponte que liga diretamente o mercado ao novo espaço da feira. Essa mudança ocorrerá em Setembro, se não me engano. Aqui abro espaço para conversa, já me demorei de mais...

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Algumas referências: Conversas com estudandes de arquitetura do campus Laranjeiras; conversa com Ariosvaldo, jornalista de Laranjeiras; Video da fala de uma arquiteta do IPHAN e da prefeita de laranjeira sobre a feira; Wenders, Wim. A paisagem urbana. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nascional, No. 23 (Cidade), Rio de Janeiro, 1994; Jacques, Paola Berenstein. Notas sobre o espaço público e Imagens da cidade. disponível em www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq110/arq110_02.asp.

6 comentários:

Kleber disse...

Uma feira marcada pra mudar, pelo seu relato, diz de uma cidede também marcada pra mudar. Mudar nesse plano da representação pode não ser coisa boa, mas fiquei pensando se é isso mesmo o que vai acontecer: a cidade mudando para vender suvenir. Soa a denúcia. indícios dizem da higiene de preservação de fachadas, mas seria bom viver mais essa feira. Adiante1

Juaum disse...

Também não sei kleber, mas é o que me aparece no discurso do iphan e da prefeita é isto... restauração e investimento no potencial turístico tendo a história como marca ou slogan. não que a cidade vá vender suvenir, pelo contrário, acho que é uma nova configuração, mas que não tem como conter as práticas na cidade em um total.

Kleber disse...

fico pensando se não deveríamos entrar nessa história e ir saber dessas autoridades desse projeto urbanístico, que já não abriga o que estava dentro. Alargamos um pouco nosso campo de intervenção. Que achas?

Elton disse...

Acho que neste momento em Laranjeiras se configura um interessante campo para se voltar um olhar atencioso. O discurso higienista junta-se ao discurso preservacionista para mudar de local algo que faz parte da própria história da cidade.Foi uma boa sacada de Juaum perceber a feira de lá neste momento. A idéia de alargar o campo de intervenção soa interessante.

Juaum disse...

sábado convido vocês a ir pra feira, entonce.
tou pensando em dormir por lá já que talvez seja um dos últimos fins de semana da feira na feira.
como já disse, em setembro ela provavelmente será transferida, isso a prefeita disse.

Kleber disse...

João, tô atolado esse fim de semana. A história da tese para ler e produzir fala. se consiguir fechar isso até sexta, vou. mas não posso confirmar agora. nào indo, boa presença sua e do Elton (se possível)por lá. se rolar fotografia (registro) melhor. Abraço!