Introdução
- A especificidade da antropologia está ligada a um projeto: o estudo do homem como um todo, quer dizer em todas as sociedades, sob todas as latitudes, em todos os seus estados e em todas as épocas. (página 9).
- Atividade de observação, a etnografia é antes de tudo uma atividade visual, ou, como dizia Marcel Duchamp acerca da pintura, uma “atividade retiniana”. (página 10)
- A descrição etnográfica não consiste apenas em ver, mas em fazer ver, ou seja, em escrever o que vemos. A descrição etnográfica enquanto escrita do visível põe em jogo não só a atenção do pesquisador, mas um cuidado muito particular de vigilância em relação à linguagem , já que se trata de fazer ver com as palavras, ..., relatar da maneira mais minuciosa a especificidade das situações, sempre inéditas, às quais estamos confrontados. (página 10).
A Etnografia como atividade perceptiva: o olhar
“Um historiador pode ser surdo, um jurista cego, um filósofo
a rigor pode ser os dois, mas é preciso que o antropólogo ouça
o que as pessoas dizem e veja o que fazem”.
Raymond Firth
- A especificidade da antropologia está ligada a um projeto: o estudo do homem como um todo, quer dizer em todas as sociedades, sob todas as latitudes, em todos os seus estados e em todas as épocas. (página 9).
- Atividade de observação, a etnografia é antes de tudo uma atividade visual, ou, como dizia Marcel Duchamp acerca da pintura, uma “atividade retiniana”. (página 10)
- A descrição etnográfica não consiste apenas em ver, mas em fazer ver, ou seja, em escrever o que vemos. A descrição etnográfica enquanto escrita do visível põe em jogo não só a atenção do pesquisador, mas um cuidado muito particular de vigilância em relação à linguagem , já que se trata de fazer ver com as palavras, ..., relatar da maneira mais minuciosa a especificidade das situações, sempre inéditas, às quais estamos confrontados. (página 10).
A Etnografia como atividade perceptiva: o olhar
“Um historiador pode ser surdo, um jurista cego, um filósofo
a rigor pode ser os dois, mas é preciso que o antropólogo ouça
o que as pessoas dizem e veja o que fazem”.
Raymond Firth
- Localizados, de fato, em uma só cultura, não apenas nos mantemos cegos diante das culturas dos outros, mas míopes quando se trata da nossa. (página 13).
- Todos somos, de fato, tributários das convenções da nossa época, de nossa cultura e do nosso meio social que, sem que percebamos, nos designa: o que é preciso olhar, como é preciso olhar. (página 13 e 14)
- Ver, é, na maioria das vezes, por memorização e antecipação, desejar encontrar o que esperamos e não o que ignoramos ou tememos. (página 14)
- Essa experiência que consiste em nos espantar com aquilo que nos é mais familiar e tornar mais familiar àquilo que nos parecia inicialmente estranho e estrangeiro é por excelência a da etnografia. É uma atividade decididamente perceptiva, fundada no despertar do olhar e na surpresa que provoca a visão. (página 15).
- Lévi-Strauss qualifica o campo de “revolução interna que fará do candidato à profissão antropológica um homem novo”.
Ver e olhar
- Na linguagem cotidiana, a palavra vê é utilizada para designar um contato direto com o mundo que não necessita nenhuma preparação, nenhum treino, nenhuma escolaridade. Ver é receber imagens. (página 17)
- Ver imediatamente o mundo tal como é, cujo corolário consistiria em descrever exatamente o que aparece aos olhos, não seria realmente ver, mas crer, e crer em especial na possibilidade de eliminar a temporalidade. Seria reivindicar uma estabilidade ilusória do sentido do que se vê e negar à vista e ao visível seu caráter inelutavelmente mutante. (página 17).
- Olhar do etnógrafo: um olhar quanto não inquieto, pelo menos questionador, que vai em busca da significação das variantes. (página 17-18)
- O olhar do etnográfico não pode confundir-se com o olhar perfeitamente controlado, educado, abalizado por referências ocidentalizantes, que consistiria em fixar e escrutar seu objeto como um urubu sua presa, e que acentuaria de certo modo a acepção medieval de regarder = colocar sob guarda, que é também a de “droit de regard” (direito de controle). Página 18.
- “Não consiste apenas” como diz Affergan “em ficar atento, mas também e, sobretudo, em ficar desatento, a se deixar abordar pelo inesperado e pelo imprevisto”. (página 18)
Corpo e olhar
- A descrição etnográfica não se limita a uma percepção exclusivamente visual. Através da vista, do ouvido, do olfato, do tato e do paladar, o pesquisador percorre minuciosamente as diversas sensações encontradas. (página 20)
- Geertz: “empregar para a percepção o vocabulário da visão (ver, observar, etc.) é uma coisa natural para os Europeus, mas aqui (em Bali) tanto com o corpo como com os olhos, agitando a cabeça, tronco e membros para repetir a música, os gestos e as manobras dos galos. Quer dizer que o indivíduo recebe essencialmente uma impressão mais fisiológica do que visual do combate. (página 21)
- Construímos o que olhamos à medida que o que olhamos nos constitui, nos afeta e acaba por nos transforma. (página 21)
Experimentação in vitro e experimentação in vivo
- O trabalho do etnógrafo não consiste unicamente numa metodologia exclusivamente indutiva, coletando um monte de informações, mas sim em impregnar-se dos temas obsessivos de uma sociedade, dos seis ideais, de suas angústias.(página 22)
- O etnógrafo deve ser capaz de viver no seu íntimo a tendência principal da cultura que está estudando.
Uma aculturação ao invés
- A etnografia é antes de tudo uma experiência física de imersão total, onde, longe de tentar compreender uma sociedade unicamente nas suas manifestações “exteriores” (Durkheim), eu devo interiorizá-lo através das significações que os próprios indivíduos atribuem a seus próprios comportamentos. (página 23).
- Quando o etnólogo pretende a neutralidade absoluta, quando ele acredita ter recolhido os fatos “objetivos”, quando ele elimina dos resultados de sua pesquisa tudo o que contribuiu a alcançá-la e que ele apaga cuidadosamente os traços de sua implicação pessoal no objeto de seu estudo, é então que ele corre o maior risco de se distanciar do tipo de objetividade e do modo de conhecimento específico da sua disciplina, ou seja: a apreensão, ou melhor, a construção daquilo a que Marcel Mauss chamou de “fenômeno social total” que supõe a integração do observador no próprio campo da observação. (página 23-24)
- Se ser é perceber, é também, como disse Berkeley, “ser percebido”. Merleau-Ponty escreve: “sou um vidente visível”. Não existe etnografia sem confiança mútua e sem intercâmbio. (página 24)
- O que vive o pesquisador, em sua relação com seus interlocutores, (o que ele recalca ou que ele sublima, o que ele detesta ou o que ele aprecia), faz parte integrante de sua pesquisa. Assim, a antropologia também é a ciência dos observadores susceptíveis de se observar a eles mesmos, procurando que uma situação de interação (sempre inédita) se torne o mais consciente possível. (página 26)
- A análise, não somente das reações dos outros à nossa presença, mas de suas próprias reações as reações dos outros, é um instrumento por excelência, que traz à nossa disciplina vantagens científicas consideráveis. (página 27)
Laplatine, François, 1943. A descrição etnográfica. Tradução João Manuel Ribeiro Coelho e Sérgio Coelho. São Paulo: Terceira Margem, 2004.